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Brincadeira séria.

Ter filhos é uma grande responsabilidade. Isso é, deveria ser… Sally e Somir concordam que o brasileiro médio precisa subir muito o nível da criação que dá para seus rebentos, mas não em como usar o Estado para incentivar isso. Os impopulares criam suas versões.

Tema de hoje: qual seria a forma mais eficiente de fazer as pessoas entenderem que filhos são coisas sérias?

SOMIR

Eu atacaria o bolso dos pais. Embora eu respeite o argumento da educação da Sally, eu acredito que o povo de um país desigual como o Brasil ainda tem alguns passos para percorrer antes de conseguir aprender coisas numa boa. Precisamos de um componente mais imediato na repressão ao filho não planejado.

Minha ideia seria uma poupança obrigatória para todos os menores de 18 anos, que deveria ser paga pelos pais. O valor exato precisaria ser estudado, mas a periodicidade seria mensal, mais ou menos como funciona pensão alimentícia hoje em dia. E tal qual a pensão, o não pagamento poderia gerar punições para os pais.

Primeiro que isso estabeleceria uma lógica básica: criam-se filhos para o mundo. Tudo o que os pais fazem em casa vai impactar o resto da sociedade, especialmente quando esses filhos se tornarem adultos. Ter uma poupança que o jovem pode acessar aos 18 anos ajudaria muita gente a começar a vida adulta com um pouco mais de tranquilidade. Sem contar que já registraria a pessoa no sistema econômico desde cedo, evitando essa massa de gente perdida e ignorada pela burocracia tupiniquim.

Além disso, a ideia de projeto de longo prazo ficaria bem definida. Botou criança no mundo? Prepare-se para 18 anos de sacrifícios financeiros, na melhor das hipóteses. O Estado pode morder direto no salário dos pais ou pode determinar um pagamento mínimo a partir do imposto de renda ou do cadastro de programas de assistência social. O Bolsa-Família já poderia descontar do valor recebido dos pais.

Quer ter filho? Tenha filho. Mas vai ter que entregar um adulto com alguma capacidade de se virar aos 18 anos. Vai gerar aperto para os pais? Sim, vai. Isso é parte do plano. Infelizmente precisamos de alguma ferramenta para controlar a natalidade da parcela mais pobre da população, não porque queremos impedir pobres de nascer, mas porque queremos mais qualidade de vida para cada uma dessas crianças. Algo entre 2 e 3 crianças por família é mais do que suficiente para manter a pirâmide populacional sob controle, quatro, cinco ou mais é só para quem tem dinheiro de sobra.

Claro, eu jamais defenderia qualquer sistema de controle de natalidade forçado, porque isso é quebrar regras básicas de um país que respeita direitos humanos; mas que pelo menos tornemos o processo de fazer e colocar filhos nesse mundo um pouco mais responsável. Tem que estar preparado para perder metade da renda mensal com poupança para os filhos se não der um jeito de parar de colocar criança no mundo.

E eu acho melhor pegar no bolso de quem tem filhos porque gera consequências mais diretas para a vida dos pais. Tem uma boa parcela da população brasileira que consegue pagar a comida básica para os filhos e ainda sobra um restinho para comprar cerveja. Vão ter que cortar a cerveja, porque todas as regras básicas para manter a guarda das crianças vão continuar existindo.

Quem é terrivelmente pobre pode até ter um suporte do governo para garantir a poupança, mas isso teria que vir com várias iniciativas de ensinar esse pessoal mais ignorante e marginalizado a evitar filhos. A ideia aqui é tornar a vida dos pais um inferno sem dinheiro extra para nenhum lazer se tiverem mais filhos do que podem cuidar de verdade.

Educação tem seu valor, mas primeiro precisa doer em quem faz filho de forma irresponsável. E sim, a minha ideia coloca o ônus nas duas pessoas responsáveis pela criança, homem ou mulher. Essa regra provavelmente aumentaria o número de mães solteiras, porque homens estariam duas vezes mais ferrados se assumissem, mas precisamos colocar mais pressão nas mulheres também. Elas não podem partir do princípio que está tudo bem em ser mãe solo. Não está. Só em último caso, porque filhos demandam muita energia, recursos e atenção.

Eu gostaria que fosse diferente, mas a verdade é que para o brasileiro médio se esforçar para aprender como criar filhos, primeiro ele precisa estar muito apertado por algo como a poupança obrigatória. Homens e mulheres precisam levar filho a sério, e quanto menos dinheiro disponível tiverem para gastar com o próprio lazer, mais vai doer o prospecto de ter filhos. Mais a mensagem de que você tem uma responsabilidade gigante vai ficar marcada.

E de bônus, é possível que muitos homens e mulheres mudem de lado na questão do aborto. Filho é fácil demais de um ponto de vista legal hoje em dia. Se aguentar a parte mecânica da coisa, mesmo que fazendo tudo nas coxas (deveria ter feito antes nas coxas), as consequências são pequenas. Aliás, considerando que o Bolsa-Família voltou a dar bônus por cabeça em relação a filhos, pode-se até argumentar que o Estado incentiva fazer filho por fazer.

Primeiro fica bem explícito que filho vai custar caro, dá bastante dor-de-cabeça para quem coleciona criança, e só aí pensa em educar, quando tiver demanda. Colocar pressão financeira na mulher também é essencial, porque se tem algo que se repete em todas as sociedades do século XXI é que mexer com a mulher mexe com toda a lógica de funcionamento de um povo. E não à toa, um dos melhores fatores para prever evolução social é redução do número de filhos que cada uma tem.

Eu sei que seria bem difícil de aplicar e ainda mais de fazer cumprir, mas estamos discutindo ações que poderiam ajudar com o problema. Não é fácil porque basicamente tudo o que é fácil de fazer já foi feito. Não tem solução mágica, mas tem como fazer o Estado tomar uma posição sobre o tema: filho tem que estar criado aos 18, e criado significa ter alguma reserva financeira também. Se você não pode entregar um adulto funcional para a sociedade, a sociedade não quer que você o coloque no mundo. Se você não está disposto(a) a abrir mão de dinheiro extra para lazer e investimentos diversos, vai ter que controlar natalidade.

Assim conseguimos, pelo menos depois de algumas gerações, criar homens e mulheres que vão chegar aos 18 com algum dinheiro para se estabelecer na vida adulta, e que vão saber que filhos custam caro. Talvez essas gerações estejam dispostas a usar a cabeça para planejar um filho, e quando a demanda surgir, oferecemos a oportunidade de aprender.

Ou, em termos mais simples: quer fazer as pessoas perceberem o valor de alguma coisa? Cobre caro por ela.

Para dizer que iam parar de registrar filhos (não funciona por muito tempo), para dizer que é só colocar uns remedinhos na água (eles só tomam cerveja), ou mesmo para dizer que faz sentido porque a polícia brasileira só prende com certeza quem não paga pensão: somir@desfavor.com

SALLY

Qual seria a forma mais eficiente de fazer as pessoas entenderem que ter filho é coisa séria e demanda muita preparação?

Eu consigo imaginar várias formas de conscientizar novas gerações para a demanda que é ter um filho, mas, de todas elas, a que me parece mais eficaz é um curso obrigatório para todos (assim como é o serviço militar para homens) onde, por um período de tempo considerável (digamos, duas semanas) a pessoa tem que ser responsável por um bebê (ainda que não seja de verdade).

Enquanto a pessoa não for aprovada, ela precisa repetir o curso, quantas vezes sejam necessárias. “Mas Sally, isso não quer dizer que sairão bons pais daí, criar filho é muito mais do que cuidar de um bebê”. Concordo plenamente. Porém, a intenção do curso não é formar bons pais e sim fazer com que as pessoas entendam que filho é coisa séria e demanda muita preparação.

E isso elas vão entender, quando forem arrebatadas pelas constantes necessidades do “bebê” que elas vão cuidar: falta de tempo até para higiene pessoal, privação de sono e todos os outros brindes que você ganha ao procriar serão experimentados na pele, permitindo que a pessoa sinta, no concreto, na prática, se ela tem tempo, disponibilidade e dinheiro para isso. Garanto que muita gente pensaria “ter que passar anos da minha vida assim? Nem pensar!”

Obviamente não seria algo fácil de implementar, já que brasileiro sempre dá um jeito de burlar tudo, mas é possível. Esquema presídio mesmo: vigiado, com grades e com monitoramento 24h por câmeras. Nem por um segundo eu cogito que um dia isso possa se tornar realidade (não vai), portanto, que fique claro, esta é uma discussão em tese: em tese, qual destes dois métodos (o do Somir ou o meu) seria mais eficaz?

Lembrando que a proposta não é desencorajar pessoas a terem filhos ou ensinar a ser bons pais, a proposta é que a pessoa tenha a real dimensão do quanto um filho dá trabalho e custos e que, de posse dessa informação, possa avaliar realisticamente se deve ou não ter filhos.

Eu ouso chutar que, mais do que os custos, o tempo e o desgaste que um filho provoca seriam os grandes fatores que interfeririam nessa tomada de decisão. O que faz dos brasileiros pais reprováveis (em sua maioria) não é dinheiro: quantos filhos de rico fazendo uma pá de bosta a gente vê por aí?

O principal problema é não ter tempo para cuidar e educar seu próprio filho, não ter paciência e não ter vontade (foto feliz em rede social não conta como tempo dedicado ao filho) de ensinar, ouvir, socializar, criar laços. Na boa, tem gente que quase enlouquece quando os filhos estão de férias e passam o dia inteiro em casa. Que porra de pais não suportam os próprios filhos?

Filhos são demandantes, podem ser muito chatos às vezes e a vida, nos dias de hoje, é extenuante, sobra muito pouco para quando se está fora do trabalho. Mas, se você falar isso, a pessoa que tem aquele sonho implantado pelo efeito manada (todo mundo tem filhos, a felicidade só está onde tem filhos) acredita que não é bem assim, que ela vai dar um jeito, que dá para se adaptar. Falar não adianta, tem que deixar a pessoa fazer um test-drive para ela mesma perceber.

Fazer isso acontecer de forma fictícia vai mostrar que bebês são de fato absurdamente demandantes, mais do que qualquer pessoa que não tenha filhos possa imaginar. A pessoa não vai dar um jeito pois seres humanos tem um estoque limitado de disponibilidade física e emocional e, para dar tanto a um bebê, ela vai ter que retirar esse mesmo tanto de outras áreas da sua vida. E, por fim, ela vai ver que não há adaptação, há uma escravidão (mais do que justificada, afinal, a vida de outro ser humano depende de você) às necessidades do bebê.

Não há palavras que alcancem ao que é sentir isso na própria pele. Quando a pessoa não tiver tempo para tomar um banho, para comer direito, quando a pessoa pegar no sono no meio do dia, durante uma tarefa, ainda com vômito de criança a roupa, ela vai começar a mensurar do que se trata ter filhos. E aí sim poderá tomar uma decisão racional sobre ter ou não condições de levar essa tarefa adiante por duas décadas, afinal, filhos precisam dos pais por muitos anos, ainda que com demandas diferentes.

Se você resumir o problema a um fator econômico, rico vai continuar procriando esses filhos mal-educados do inferno e pobre vai ser privado do direito de ter filho. Não me parece justo. O que faz de você um bom pai/mãe é um conjunto de fatores, onde o financeiro nem é o preponderante.

Ter filho para largar a maior parte do dia com a babá, com a creche, com a avó ou com qualquer outro que um rico possa pagar é uma abominação que vem sendo aceita por todos pois ninguém aguenta seus próprios filhos, mas eu não compactuo e aponto que o rei está nu: se quem passa a maior parte do dia com seus filhos não é você, não é você quem está criando seus filhos. Educação se dá pelo exemplo, e é a outras pessoas que seus filhos estão vendo a maior parte do tempo.

E nem por um segundo eu pensei em colocar bebês reais em risco nas mãos de pessoas inexperientes. Hoje há tecnologia para criar bebês-robôs (nem sei se é esse o termo) que emulem perfeitamente o comportamento de um bebê, desde a fralda cagada, até vômito, até um choro alto que te acorde. Por qual motivo não usaríamos a tecnologia a favor da sociedade?

E se você está pensando em vir com o papo de Estado não poder se meter na vida privada das pessoas, pense duas vezes. O Estado faz muito pior do que isso e todo mundo compactua. Mulher precisa de autorização do marido para ligar as trompas, médico não liga as trompas de mulher que não teve filhos, o Estado hoje te proíbe até de contar piada, sério que alguém vai ousar reclamar de intervenção estatal?

Todo mundo que quiser ter filhos vai poder ter, só tem que fazer o test-drive obrigatório de tempos em tempos. Se pede isso para coisa mundo menos importante, como carteira de motorista, por exemplo. Nada que já não esteja inserido na sociedade.

Brasileiro médio é bicho. Ainda não dá para levar a coisa na base do diálogo, da abstração, da conversa. Tem que sentir na pele e daí sim decidir se quer ou não.

Brasileiro médio é influenciável, ignorante e iludido, o que o torna incapaz de tomar boas decisões apenas com abstração. Eu tenho certeza de que muita gente, se passasse vários dias com a responsabilidade de cuidar de um bebê pensaria duas vezes antes de fazer filho, pois a fantasia do que é ter um filho seria suplantada pela realidade.

O resultado interessa a todos: só teria filho quem realmente acha que tem condições de lidar com a situação que já experimentou. Vai acontecer? Não vai. Mas deveria.

Para dizer que só esterilização em massa resolve, para dizer que prefere cuidar do Chucky do que de um bebê ou ainda para dizer que gostou da ideia mas ela é indefensável no mundo lá fora: sally@desfavor.com

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brasileiro médio, educação, filhos

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