Coluna instrutiva?

Em tempos de pós-verdade e radicalização, Sally e Somir concordam que até o Desfavor pode ter um papel positivo no compartilhamento de informações de qualidade. Agora, como o Desfavor faz isso melhor vira ponto de discussão. Os impopulares constroem.

Tema de hoje: qual foi a coluna mais instrutiva do Desfavor em 2023?

SOMIR

Eu escrevo para mim e torço para que mais pessoas tirem valor disso, Sally escreve para quem está lendo. Quem tem experiência de Desfavor acaba percebendo essa diferença com o passar do tempo. Não é intencional, é incapacidade mesmo. Por isso, eu vou escolher uma coluna dela: Des Aprenda.

Saúde mental é um dos temas mais importantes das últimas décadas, e não à toa, eu realmente acredito que a Era da Informação tirou boa parte da humanidade dos eixos, internet e redes sociais são mudanças de paradigma tão grandes que as pessoas não estavam preparadas.

Mas existem dois ângulos para analisar aqui: por um lado estamos diagnosticando mais e mais problemas de saúde mental que eram ignorados no passado, mas por outro não se pode negar que há uma indústria enorme empurrando receitas, remédios e tratamentos com fins muito lucrativos.

Até por isso vemos uma glorificação do problema de saúde mental, tudo bem que a pessoa precisa se aceitar para começar o tratamento, mas a aceitação que passa do ponto vira acomodação. Lidar com sua saúde mental não é postar vídeo na rede social dizendo todos os problemas que você acha que tem e achando que isso te torna uma pessoa especial.

E também não é ficar enchendo a cara de remédios para dormir, acordar e funcionar na rotina diária. Não adianta olhar para religiões, superstições ou nada que está fora de você esperando que isso resolva tudo. Não nego que algum tipo de fé possa ser um placebo eficiente para lidar com a situação por um tempo, mas nem de longe é uma forma de cura.

Por isso que eu considero uma coluna como o Des Aprenda como a mais instrutiva dos últimos tempos do Desfavor: ela lida com o problema do nosso tempo por um ângulo que não te vende uma solução mágica. A coluna chama Des Aprenda porque a ideia é que as pessoas tentem refazer os caminhos mentais que aprenderam para tratar sua mente.

Se o que chega para você o dia todo é gente tentando vender soluções que só elas tem, a melhor forma de combater esse tipo de desinformação é falar sobre o que você pode fazer por você. Sim, você pode precisar de mais ajuda, não é demérito nenhum usar ferramentas como terapia e remédios para encarar os momentos mais difíceis da jornada, mas isso raramente resolve o problema fundamental.

O terapeuta pode te ajudar a encontrar o caminho, o remédio pode ajudar a tirar a confusão, mas em última instância é você que traz a saúde mental de volta para a sua… mente.

E algo que eu achei muito interessante na proposta desde o começo, e nem sei se a Sally fez isso de propósito, é que o ângulo que ela aborda a coisa desmistifica o psicológico. É claro que é importante cuidar da mente, mas não é algo esotérico. É uma parte do seu corpo que precisa de atenção porque pode estar baixando sua qualidade de vida. Um dedo do pé machucado estraga sua qualidade de vida e não gera o dramalhão todo que se faz ao redor de saúde mental. Você só vai lá e tenta resolver o problema do dedo machucado para voltar a se locomover sem dor.

Não é errado ser mais aberto sobre problemas na sua saúde mental, nem mesmo admitir que tem algo te incomodando, mas isso não te define da mesma forma que uma gastrite não te define. Des Aprenda é sobre olhar para dentro e não se enganar sobre o que está vendo: se está machucado, inflamado ou mesmo apodrecendo, vá lidar com isso. Ninguém vai conseguir entrar na sua cabeça e resolver a questão por você.

E nem é saudável ficar vivendo desse jeito. Bizarra essa gente que começa até a ter orgulho dos seus problemas mentais. Acham que a mente é tão intocável que faz mais sentido moldar sua vida toda ao redor do problema do que lidar com ele. É normal ter esse tipo de problema, não é normal deixar ele continuar estragando sua paz e sua felicidade nessa vida.

Talvez no começo do Desfavor não fosse algo tão relevante assim, porque a maioria de nós sequer pensava nessas coisas. Eu mesmo achava que terapia era coisa de quem estava vendo dragões cor-de-rosa ou tentando colocar fogo na própria cama, mas um misto de amadurecimento, necessidade e informações vindas do ambiente me colocaram num lugar mais racional sobre o tema.

O mundo fala muito mais sobre saúde mental, mas o caminho escolhido ainda é muito focado no impacto do exterior sobre o interior. É sobre pedir para o outro se adaptar a você, é sobre quem pode te salvar, é sobre quais os remédios que resolvem… mas ainda não se fala muito sobre como você precisa fazer a maior parte do trabalho. Compreensão e ajuda são excelentes, mas não são a solução em si.

O clima está propício para esse tipo de informação sobre autoconhecimento e aprender a se cuidar melhor, como de costume o que faz mais sucesso são fórmulas mágicas e pílulas milagrosas, mas eu percebo que mesmo nesse ambiente de desinformação, a base de que os temas do Des Aprenda são importantes já fazem parte da mentalidade humana na segunda década deste século.

Não é todo mundo que vai conseguir tirar o máximo dessas informações, mas às vezes não precisa de tanto assim. Só um empurrão na direção de solucionar os seus problemas de dentro para fora já pode ser muito instrutivo nas nossas vidas.

E francamente, para saber o quão burro/maluco é o brasileiro basta acompanhar o noticiário, né?

Para dizer que quem fala de saúde mental é maluco, para dizer que vai jogar seus remédios fora (não disse isso, animal!), ou mesmo para dizer que é a Semana Desfavor: comente.

SALLY

Qual foi a coluna mais instrutiva do Desfavor em 2023?

Talvez a minha resposta te surpreenda: eu acho que de tudo que pode ser ensinado, a mais instrutiva é a coluna “Ei, Você”.

Essa coluna é um raio-x da sociedade. Ela é feita analisando as pesquisas online que fizeram com que pessoas sejam direcionadas ao Desfavor, detectando tendências e selecionando as buscas que mais chamaram a nossa atenção. O que ela ensina, teoria alguma pode fornecer: uma dose de realidade.

Eu compreendo o valor de colunas como “Desfavor Explica”, do “Des Aprende”, “FAQ” e outras que demandam muita pesquisa, informações técnicas e até algum conhecimento científico. Mas tudo que você encontra nelas, você pode encontrar em outras fontes, ainda que não tão palatável ou resumido. O que você encontra na coluna “Ei, Você” não está disponível em lugar algum.

Você não vai encontrar uma mídia de alcance razoável que filtre semanalmente as piores buscas que levam a ela e divulgue: 1) ninguém quer fazer isso (expor que pessoas burras estão lendo seu conteúdo) e 2) poucas pessoas têm interesse em ler esse tipo de coisa deprimente. Simplesmente não rende cliques. Ninguém quer constatar que vive em uma sociedade tosca, falida e que a média das pessoas provavelmente levará a todos nós à extinção.

Muito pelo contrário. O que as pessoas procuram, cada vez mais, são bolhas. Bolhas de quem pense como elas, bolhas de quem tenha a capacidade intelectual similar à delas (e chamam isso de “afinidade”), bolhas que discutam os temas que são de seu interesse. A coluna “Ei, Você” é hoje nosso maior furador de bolhas, e, modéstia à parte, conseguir fazer de uma “furação de bolha” algo engraçado ou divertido não é algo fácil.

Se você parar para pensar, na real, a coluna “Ei, Você” é muito triste. É deprimente. Mas a gente a torna mais palatável através de recursos lúdicos. Em vez de levar a sério o que as pessoas dizem e sofrer com isso, a gente ri e convida o leitor a rir, pois não tem absolutamente nada que indique uma reversão deste quadro no horizonte.

É isso aí, o brasileiro médio é isso mesmo, não podemos fazer nada para mudar essa realidade. Ignorá-la seria um tipo de alienação muito burra, pois quando a gente presume que a média das pessoas tem um mínimo de inteligência/conhecimento/cultura/ética que não tem, acaba fazendo escolhas erradas na vida. Mas, ao mesmo tempo, ter contato com isso regularmente pode ser muito desanimador e deprimente.

E é aí que a magia do “Ei, Você” acontece: nosso leitor tem contato com as ondas de pensamento sobre temas atuais vindas do brasileiro médio, mas com um toque lúdico, leve, que com sorte pode divertir ou arrancar ao menos um sorriso do rosto, nem que seja pelas imagens editadas. Apresentada desta forma, ela permite entender em que patamar está a cabeça das pessoas que dividem o país com você sem te deprimir com isso. Onde mais vocês conseguem algo parecido?

A compilação dos pensamentos predominantes já seria difícil de conseguir. Seria preciso um meio digital que fale sobre assuntos muito variados, desde política internacional até fezes, para ter a certeza de que o Google vai direcionar para ele buscas dos mais variados grupos, classes sociais e ideologias. Tem pouca gente fazendo isso hoje em dia, pois o conteúdo que dá dinheiro é o conteúdo nichado.

Uma das maiores provas que nossa compilação de buscas reflete diferentes parcelas da sociedade é a variedade de “absurdos” que aparecem. Tem teoria da conspiração, tem militância, tem o jovem mimado sem saber como o mundo funciona, tem esperto querendo se dar bem… tem de tudo um pouco. Faz tempo que o “Ei, Você” evoluiu e deixou de ser uma coluna para mostrar a ignorância linguística do povo, hoje ela é muito mais do que erro de português.

Não é que o Desfavor seja um blog que agrada a todos (não é), é que o algoritmo que direciona as pessoas para cá recebe estímulos muito variados pela diversidade de temas e palavras que disponibilizamos.

Além de ser muito difícil conseguir uma amostra realmente variada na compilação, também é desafiador apresentar isso de uma forma lúdica, leve, divertida. Talvez você não ache graça na coluna “Ei, Você”, e tá tudo bem, mas algo que ninguém pode negar é que os temas são abordados com leveza ali.

Não é o tipo de coluna que você leia e fique triste, acredito eu. Seja pelas buscas em si, pela imagem dos nossos meninos (muitas vezes com roupas e adereços inusitados), seja pelas respostas, a coluna não te convida ao sofrimento. Ao menos assim espero.

Sério mesmo, gente, valorizem a coluna “Ei, Você”. Todo o resto vocês conseguiriam achar por conta própria se pesquisassem bastante. Esse “banco de informação da realidade” que o Desfavor gera por falar sobre tudo e todos é muito difícil de encontrar, muito menos quem tenha paciência de ler as buscas e compilá-las (os leitores que já fizeram “Ei, Você” como convidados sabem o tanto de informação que tem que ler diariamente) e peneirar as “melhores” e ainda apresentar de forma leve.

Observar as tendências que vão se desenhando na coluna “Ei, Você” te ajuda a lidar melhor com tudo na vida, desde parar de presumir que as pessoas vão compreender algo com facilidade até tomar certos cuidados com certos grupos que parecem ter algumas dificuldades específicas em algumas áreas.

Aproveitem esse microcosmos que é um retrato bastante fiel do macro e tenham semanalmente um termômetro de como está a sociedade – e tomem decisões levando isso em conta.

Hora de mudar sua visão sobre a coluna “Ei, Você”, ela é muito mais do que sacanear o erro de português alheio.

Para dizer que “Des Contos” você também não acha em lugar nenhum (justo), para dizer que não acha graça na “Ei, Você” (justo) ou ainda para dizer que a coluna não reflete a sociedade só por não refletir a sua bolha (injusto): comente.

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Comments (10)

  • Olha, eu concordo que a coluna “ei você” é uma experiência antropológica, é até difícil escolher entre as duas colocadas no texto, mas… Tenho uma leve tendência a concordar mais com o Somir. Saúde mental é um assunto muito sério hoje, e quanto mais abertamente a gente puder falar sobre isso, e mais informação dispusermos, melhor.

  • Essa semana eu concordo com os dois. A coluna da Sally é mesmo um espetáculo, mas fazer uma coluna “Ei, você” como convidado foi uma experiência antropo-escatológica inesquecível.

    • Cada vez que um espírito sem luz vier aqui dizer “vocês inventam essas coisas” vou mandar conversar com você.

  • Me informa aí por favor. Parece que vai liberar vacina da dengue. Vai ser todo ano igual da gripe ou uma dose só resolve igual as vacinas raiz?

  • “Faz tempo que o “Ei, Você” evoluiu e deixou de ser uma coluna para mostrar a ignorância linguística do povo, hoje ela é muito mais do que erro de português.” Sim, Sally. E, perto do que podemos depreender sobre a capacidade desse povo de entender o mundo e o que acontece ao seu redor, o teratológico analfabetês das buscas que recheiam a coluna acaba sendo até o menor dos problemas.

  • Eu vou de Des Aprenda com o Somir, porque é algo que esteve sendo construtivo pra mim também. A “Ei, Você” pra mim é como South Park: antes me fazia rir, agora me deixa preocupada.

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