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Sem gosto.

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| Somir | | 22 comentários em Sem gosto.

Eu já sabia que futebol feminino não era grandes coisas, mas resolvi assistir algumas partidas da Copa do mesmo jeito. Curiosidade sobre como seria todo o pacote ao redor dela em 2023. Uma coisa eu posso afirmar, nunca vi darem tanta atenção ao torneio como vemos hoje, mas em todas as transmissões e notícias algo me incomoda, algo que vai muito além dos passes errados e chutes sem direção…

Gostos podem ser contagiosos. Quando você lida com uma pessoa que gosta muito de uma coisa, acontece algum efeito no seu cérebro que automaticamente te faz olhar para aquilo de forma diferente. Provavelmente são os tais dos neurônios espelho, responsáveis por nos fazer ter empatia por nos enxergarmos no lugar do outro.

Quando alguém parece que está feliz fazendo alguma coisa, seu cérebro tenta se colocar no lugar. Até por isso, pessoas muito apaixonadas pelo que fazem costumam atrair mais atenção para seus interesses. Eu vejo muito isso na “esfera nerd” da internet, especialmente em canais de YouTube de cidadãos apaixonados por história, tecnologia, engenharia e futurismo. Você consegue perceber quando a pessoa gosta mesmo daquilo que está falando, e às vezes ela consegue prender seu foco por uma hora descrevendo algo extremamente específico que nunca vai fazer diferença na sua vida.

E isso vale para as mais diversas áreas de interesse na humanidade. Inclusive no esporte: eu só comecei a gostar de NBA quando encontrei gente que tinha paixão pelo esporte e discutia os detalhes dos jogos e estilos dos jogadores a fundo. Na vida real, não tinha ninguém por perto que compartilhasse da curiosidade pela liga americana de basquete. Aliás, eu tinha um amigo que também gostava, mas nunca falamos sobre o tema porque ambos presumimos que não era um interesse comum no Brasil.

Seres humanos tendem a desenvolver interesses por um misto de vontade interna e companhia adequada. Somos capazes de focar em tantas coisas diferentes que parece natural liberar os hormônios do prazer quando achamos mais gente que gosta daquilo. Parece mais… lógico… por assim dizer. Gostamos de fazer parte de um grupo, seja qual ele for. E ao encontrar outras pessoas com interesses parecidos com os nossos, parece que o cérebro assina uma autorização para você se divertir com aquilo.

Tudo isso para dizer que: eu estava aberto a começar a achar graça em futebol feminino, e vi que se formou a maior estrutura até hoje ao redor de um torneio. Os jogos estão sendo transmitidos, tem equipes de redes de TV e até um canal do YouTube passando todos os jogos ao vivo! A mecânica está toda lá… mas sabe do que eu senti falta?

De gente que gosta de futebol feminino.

Discursos e mais discursos sobre a importância de “valorizar as minas”, sobre as dificuldades da mulher na sociedade, autoelogios sobre o esforço dedicado à cobertura do evento… e ninguém mostrando interesse verdadeiro no que estava acontecendo em campo. Sendo muito honesto, tudo o que eu vi sobre o evento parecia mais obrigação do que amor ao esporte. E isso não me ajudou nem um pouco a derivar algum prazer de acompanhar a Copa do Mundo feminina.

Quase nenhuma estatística, quase nenhuma análise sobre táticas, zero críticas às jogadas bisonhas que vivem acontecendo. Não, toda vez que uma jogadora dá um passe ridículo ou deixa um buraco imperdoável na marcação, narradores e comentaristas começam a passar pano, dizendo que as jogadoras estão cansadas, que homem também erra, que não tem apoio da federação, que a sociedade é machista… como esperam que a gente goste do esporte se quem deveria divulgar o esporte não liga para essa parte?

E olha que se você estiver realmente interessado na parte futebolística da coisa, tem o que dizer sim: eu vi campeonatos anteriores e já até falei aqui sobre como as jogadoras pareciam crianças correndo atrás da bola em bololôs descoordenados. Nesta Copa, eu percebi um avanço considerável até mesmo nas seleções mais amadoras. Mais e mais jogadoras ficam em suas posições, o número de passes errados diminuiu drasticamente (ainda é um problema sério, mas menos…). As defesas melhoraram, as goleiras também: não é mais aquele festival de gente livre no meio da pequena área e frangos absurdos. Ainda acontece, mas eu vi uma melhora. Não tivemos nenhuma goleada ridícula nessa edição, o que é positivo!

Mas você vai ver esse tipo de comentário? Não. Porque quem está falando de Copa do Mundo feminina está querendo vender o campeonato como se fosse a exata mesma coisa da versão masculina. Tem política demais no meio do esporte, e isso passa a impressão de que as pessoas não estão se divertindo com a parte básica da coisa: futebol. Dessa vez entrou mais dinheiro e atenção na cobertura do evento, mas estão jogando fora a oportunidade falando sobre como a mulher é oprimida na sociedade.

Tudo bem, ela é, mas é isso que vai gerar alguma mudança considerável no esporte? Me incomoda profundamente o contexto no qual se fala do esporte feminino atualmente, como se fosse algo que devêssemos ver por “obrigação de igualdade” ou pior… pena.

“Coitadas das moças, sofreram tanto para chegar até aqui… vai ver o jogo delas, vai.”

Se esse fosse o argumento para assistir futebol masculino, seria o esporte mais popular do mundo? Movimentaria bilhões? Se eu estou aberto ao interesse de ver futebol feminino, eu quero ver mais gente que gosta disso. Gosta de verdade, que se importa com as táticas, as estratégias, que elogia e critica jogadoras e técnicas pelo que elas fazem de verdade no esporte. Não tem como ativar seus neurônios-espelho se não tem interesse genuíno do outro lado. Não tem graça nem manda mensagem no chat da transmissão, porque é só mais do mesmo de gente que se acha heroica por estar vendo futebol de mulheres.

Se eu quisesse ver gente se masturbando, iria para um site de webcam. Não estou nem aí para o quanto você se acha especial por estar dando essa força para as mulheres, porque isso é claramente falsidade. Se você está só dizendo como as jogadoras são incríveis e corajosas e como a sociedade está errada por não dar milhões de dólares para elas, você está ignorando o cerne da questão: futebol feminino tem que ser interessante.

E não vai ser interessante se não estivermos vendo outras pessoas curtindo de verdade a coisa. É a mesma coisa que mata a WNBA, a liga feminina de basquete americana, é tanta lacração que basicamente não se concentram no esporte. Basquete feminino usa a tabela na mesma altura que o masculino e uma bola super pesada para elas, o jogo fica uma porcaria, ninguém enterra e metade das bolas não chega na cesta.

No futebol feminino, são 22 formigas correndo num campo imensamente maior do que deveria ser, na metade do jogo já vemos a maioria delas sem gás para quase nada, os chutes são fracos e sem direção porque falta força, as goleiras só conseguem pegar algumas bolas porque quase nenhuma tem altura para proteger o gol todo… existem problemas mecânicos óbvios no esporte. Problemas que o vôlei resolveu há décadas, por exemplo.

Mas falar disso é visto como uma ofensa às jogadoras. Repito: eu vi um avanço considerável na qualidade do futebol jogado, mas ainda tem muita coisa para resolver. O problema é que não se pode fazer esse tipo de crítica por causa da politização estúpida jogada por cima da coisa. Todo mundo fica cheio de dedos para falar da parte esportiva, porque criou-se a ilusão que a popularidade do esporte depende apenas das pessoas se obrigaram a gostar para não serem preconceituosas.

Eu fiquei acompanhando o chat da CazéTV no YouTube para ver se alguém falava de futebol, sem sucesso. É tudo o mesmo papo sem graça de “valoriza as mina”, até porque a moderação apaga qualquer coisa que possa parecer negativa. Narradores e comentaristas na mesma vibe: elogio ou silêncio. Quando um narrador homem sonha em cornetar uma jogada ruim, sempre tem uma comentarista mulher para dizer que é compreensível, que é normal, que no futebol masculino acontece também… fica um saco.

E não passa a impressão de que as pessoas estão gostando de estar ali por causa do jogo. É tipo um evento instagramável para eles e elas: “olha como eu sou progressista, estou dando atenção para o futebol feminino”. Sabe aonde eu fui para acompanhar o jogo com mais pessoas? Para a 4chan. Anônimos do mundo inteiro comentando os jogos, criticando, discutindo as jogadas, cornetando as jogadoras, comemorando os gols, até uns perdidos apaixonados pelas mais bonitinhas… mas mesmo com muitos comentários ofensivos e machistas, é onde eu vi mais gente GOSTANDO de ver o jogo.

Se não fossem os anônimos sem filtro, eu provavelmente teria desistido no primeiro jogo. Quando o jogo bate com a hora que estou indo dormir ou a hora que eu acordo, estou vendo. Imagem da transmissão brasileira e comentários malucos de gente considerada machista, fascista, nazista… porque essas pessoas têm um mínimo de interesse honesto no esporte.

Me parece que o plano de divulgação da Copa do Mundo feminina tem muito a ver com empresas querendo pagar de progressivas, gente ganhando salários para fingir que se importa com o jogo e um grupinho de pessoas assistindo só para dizer que “fez a sua parte”. Fica muito difícil gostar da coisa se você não vê mais pessoas que gostam. As pessoas percebem a falsidade e isso vai tirando a graça da coisa transmissão após transmissão. Pena de quem realmente ficou curioso com a Copa feminina (curiosO porque quem assiste é homem 90% das vezes, se mulher ligasse pra isso seria um megassucesso faz tempo) e deu de cara com essa cobertura meia-bomba de gente que nem parece ligar para o que acontece no campo.

Se você só quer lacrar, não vai animar ninguém para continuar acompanhando o esporte. Mas alguém aprende essa lição? Não, claro que não. E sim, isso vale para basicamente toda a indústria do entretenimento também. Diversidade sem profundidade. É claro que as pessoas não acham graça… nem quem faz acha.

Para dizer que eu sou inimigo do futebol feminino (vi mais jogos que todos vocês juntos), para dizer que nem sabia que tinha Copa, ou mesmo para dizer que a culpa é do patriarcado: somir@desfavor.com


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