Erro histórico.

SALLY

Algumas semanas são especialmente aberrantes no Brasil. Esta é uma delas, uma semana na qual se torna quase impossível escolher uma única notícia como a pior. Por isso hoje vamos falar sobre várias, mas todas com uma coisa em comum: a contradição burra que toma conta do país o brasileiro cego insiste em não querer ver.

Passaram 4 anos metendo o pau no Bolsonaro cada vez que acontecia uma catástrofe natural que poderia ter sido prevenida + quando depois da catástrofe ele não visitava o local. Pois bem, no Sul do Brasil há um cenário de devastação que poderia ter sido evitado e Lula simplesmente viajou, sem visitar o local. Mas quando é o painho pode, né?

“Mas ele não podia deixar de ir”. Talvez você não tenha memória, mas eu tenho. Ele deixou de viajar muitas vezes por causa de desastres. Inclusive em 2010 ele cancelou uma porra de uma ida ao G20 por causa desse mesmo motivo: chuvas. E, para coroar o descaso, Janja postou em suas redes sociais um vídeo feliz da vida descendo do avião, saltitante, gritando “Namastê, me segura que eu vou sair dançando!”. Só imagina se a esposa do Bolsonaro fizesse uma coisa dessas. Só imagina o que o esquerdolacre ia falar.

O Ministro do STF Cristiano Zanin, indicado por Lula para o cargo, proferiu alguns votos que vão contra a pauta da militância. A lacrolândia se voltou contra ele, tratando-o como um “traidor”. Tem que rir, né?

As pessoas achavam exatamente o quê? Que Zanin, quando advogado, defendeu Lula por amor? Por ideologia? Por afinidade? Advogado trabalha por dinheiro, ponto final. Zanin é um conservador, que calhou de advogar para o Lula por dinheiro e recebeu um cargo por motivos que vocês já devem imaginar.

Lula colocou um conservador, que ele tanto critica, no STF. Bolsonaristas estão chamando Zanin de “grata surpresa”. Não gostaram? Critiquem o Lula, não Zanin, que nunca escondeu de ninguém que é conservador. Essa recomendação começou a ganhar corpo em redes sociais e Lula, ao perceber que a máscara de “pai dos pobres/preocupado com a militância” estava ameaçada, resolveu agir.

Ele disse que o povo “não tem que saber como vota cada Ministro da Suprema Corte” e tentou mexer uns pauzinhos para que os votos do STF sejam secretos. Isso aí, Lula. O certo é acabar com a transparência, constitucionalmente garantida, para que seu teatrinho de defensor dos pobres e oprimidos se mantenha. Muito bom.

Só esqueceu de consultar se podia de fato fazer isso antes de bostejar. Não pode. Se queimou à toa. Parabéns por mais essa “gafe”, “engano”, “equívoco”. Obviamente, se fosse o Bolsonaro a fazer isso, seria uma ameaça à democracia, mas quando o molusco tenta limpar esse cu sujo cachaceiro com a Constituição, é apenas um equívoco.

Esta semana também começaram a pipocar em redes sociais uma maré de cobranças de compras internacionais. A módica quantia de 92%. O Velho da Havan deve estar fazendo o L até com os dedos do pé, agora as pessoas terão que comprar em loja brasileira, se não preço ficará proibitivo. Tudo isso depois da primeira-dama ir a redes sociais garantir que quem pagaria o imposto seriam as empresas.

Por sua vez, Lula, o pai dos pobres e defensor do empoderados, que durante a campanha criticou Bolsonaro o tempo todo por não prestigiar mulheres, já rifou duas Ministras mulheres para dar cargo ao Centrão. Esta semana foi Ana Moser, que declarou publicamente “tristeza e consternação” ao perder o cargo para um ser humano que atende por “Fufuca”. Ela não está magoada apenas pelo que foi feito, mas por como foi feito. E Lula não tirou mulher apenas para colocar homem, ele ainda colocou um homem que votou a favor da cassação da Dilma.

O Ministro do Supremo José Antônio Dias Toffoli, também conhecido como “O amigo do meu pai” na planilha de propina, em uma canetada, anulou todas as provas a partir de delações da Odebrecht, escândalo no qual ele mesmo está envolvido (foi citado em delações como tendo recebido propina). Sim, isso mesmo que você leu: no Brasil corrupto rouba e depois anula as provas de um escândalo que o envolvem. É nesse patamar que as coisas estão.

O mesmo Toffoli que suspendeu o inquérito contra Flavio Bolsonaro, lembram? Claramente uma pessoa que se receber bem, suspende até a própria mãe. E petista achando graça, pois dessa vez, beneficiou o PT. Eu não acho graça em ter corrupto no STF que, dependendo de quem está no poder ou do quanto recebe, desfaz uma investigação e um trabalho de anos.

Toffoli ainda fez um discurso patético, dramático, se referindo às provas obtidas em um processo com duplo grau de jurisdição e ampla defesa, como “verdadeira tortura psicológica, um pau de arara do século 21, para obter provas contra inocentes”. Sério, Brasil? Tá tudo gravado em vídeo. Todo mundo viu. Não tem tortura nenhuma, apenas gente graúda contando que Toffoli e uma galera do PT roubaram aos montes.

A Odebrecht já foi condenada em 19 países, mas em apenas um deles foi descondenda. Parabéns, Brasil! Eu até entendo Lula dar cargo, dar verba, dar o cu da Janja para conseguir o que quer (limpar o nome e posar de injustiçado na história), pois seu ego gigante não é segredo para ninguém, o que eu não entendo é o povo achar isso aceitável. Não é aceitável poder anular qualquer processo que desagrade o rei. Não é aceitável que quem está envolvido no processo e sendo acusado possa anular esse processo. Jura que é preciso dizer algo tão básico?

Fato curioso: a mesma militância que buzinou uma década nos nossos ouvidos que Lula havia sido condenado sem provas, que não havia qualquer prova contra ele (o recibo de 30 de fevereiro… eu rio até hoje disso) agora diz que está certíssimo anular as provas, que as provas foram obtidas de forma ilegal. Meus queridos, decidam: ou as provas nunca existiram, ou elas existiram e deveriam ser anuladas.
O fanatismo, o desespero por ter a razão e a sede de poder cegam. As pessoas não percebem o mar de contradições nas quais se enfiam, se for o político com o qual elas simpatizam, tudo é permitido, para tudo há passada de pano.

Olha o tanto de poder que estão dando para político: desfazer julgamento, desfazer condenação, nomear pessoas que não trabalham pelos interesses do povo e que não convergem para o que foi prometido em campanha, humilhar as minorias que prometeram defender…

Vocês estão ligados que pau que dá em Chico dá em Francisco, né? Que isso não é um ato do Lula e sim uma porta que se abre para que qualquer pessoa possa fazer o mesmo? Espero que estejam, para não ter chororô se, em um futuro, a família Bolsonaro usar dos mesmos recursos.

Os casos de covid estão aumentando e o Ministério da Saúde disse que não é possível relacionar a alta dos casos à nova variante e que a alta de casos “está dentro do esperado”. Fica a impressão de que pegaram um pronunciamento da época do Governo Bolsonaro e deram corta-cola. Só que agora ninguém chama de genocida, nem de negacionista. Usar máscara? Colocar a vacinação das pessoas em dia? Evitar aglomerar? Não precisa, agora é o negacionismo do bem, ninguém vai reclamar.

Espero que todos estejam vendo que a pandemia teria sido a mesma merda com o PT no governo, com a diferença que nem Pfizer vocês tinham tomado, estava todo mundo com Sputnik no braço, aquela do Tio Putin que não se sabe o que contém. Não venham dizer que Lula teria comprado vacinas antes, pois a postura dele em se recusar a comprar vacina contra dengue desmente essa tese.

Palavras não valem nada. Cada um fala o que quer, faz o discurso exato que o outro quer ouvir. O que vale são os atos. E os atos de Lula e seu governo são vergonhosos. Passou um ano berrando que Orçamento Secreto era uma vergonha e acabaria com ele, mas assim que se elegeu se tornou recordista em disponibilizar verba para Orçamento Secreto. Este mês mesmo ele conseguiu bater novamente o próprio recorde.

Disse que acabaria com todos os sigilos pois atentavam contra a Constituição e assim que se elegeu enfiou sigilo em tudo que poderia impactá-lo de forma negativa. Lula não é coerente com o que fala e não é cobrado por isso. A lista é imensa, eu poderia ficar aqui até amanhã falando de todas as contradições dele e dos militantes que o aplaudem. A mensagem é clara: se for alinhado comigo, pode me foder à vontade. Quão vira-lata é o brasileiro?

É mais do que vira-lata, pois até vira-lata se afasta em algum momento se apanhar muito. O brasileiro, como regra, é um filho da puta, desonesto, mentiroso e egóico, por isso ninguém se revolta quando Lula faz o que faz: são iguais a ele. O que interessa não é ideologia e sim um projeto de poder, que deve ser mantido a qualquer custo, para ter razão, para sentir que venceu, para ser amigo do rei.

Mas a pior parte é que, apesar de agirem descaradamente de forma contraditória, canalha e desonesta, ainda se sentem no direito de fazer discurso virtuoso pregando justamente o contrário do que fazem. E cola! Ninguém repreende, ninguém se indigna, ninguém contradiz, afinal, “pelo menos não é o Bolsonaro”. Deve ser mais agradável quando é o seu filho da puta de estimação sacaneando o povo, né?

Os que ainda sentem algum conforto de ver o PT no poder ou são canalhas (de compactuar com a exata mesma merda, mas com alegorias diferentes e ainda ficar miando “falsa simetriiiiiia” no ouvido alheio) ou são muito, mas muito burros. Não faz diferença, não tem como construir um país decente nem com canalhas nem com burros.

Que o povo continue no mundo do faz de conta ou no mundo da inércia, mas marquem bem todos estes eventos, em um futuro não muito distante, nós vamos te relembrar deles quando esse mesmo povo estiver esperneando por estes mesmos recursos serem usados de uma forma que os desagrade. O mundo é redondo. E dá voltas. Não é inteligente isso que estão fazendo.

Vocês deixaram abrir várias portas perigosíssimas. Isso é golpe. Golpe branco, golpe discreto, golpe gradual. Sim, isso é golpe, não um bando de idoso defecando na mesa de juiz.

Para dizer que quando seu político de estimação faz é sempre por um bem maior, para dizer que não pode reclamar em voz alta se não é cancelado pelos seus amigos e colegas ou ainda para dizer que “pelo menos não é o Bolsonaro” quem não está comprando vacina: sally@desfavor.com

SOMIR

Em 2018, muitos brasileiros tentaram bater de volta no sistema. O sistema já estava meio cambaleante com o vácuo de carisma que era Temer, Lula estava preso, os esquemas do PT sendo absorvidos pelo Centrão… Bolsonaro era o único porrete à disposição do brasileiro médio, e um número considerável deles resolveu usar. O fanatismo militar-religioso, caso vocês não lembrem, não era o foco da campanha dele. Isso veio depois, durante seu governo.

Na hora que Bolsonaro foi eleito, quem desequilibrou o jogo foi o voto de protesto. Inclusive alguns aceleracionistas como o meu. Pelo ângulo de protesto e pelo ângulo aceleracionista, um fracasso. Eu não tinha ilusões que Bolsonaro seria honesto ou competente, mas imaginava que esticaria demais a corda e nos forçaria a fazer rolar algumas cabeças em Brasília. Esperança burra. Bolsonaro acabou no bolso do Centrão, ele e sua turma incompetentes demais, ladrões de galinha demais para gerar alguma mudança na lógica do sistema.

Lição aprendida, a política brasileira é profissional de verdade e o povo é muito acomodado para esse tipo de “sabotagem democrática” funcionar. Logo no seu primeiro ano de governo, Lula já estava solto. E nos anos seguintes, Bolsonaro retribuiu o favor do PT e fez campanha para seu adversário com uma série de erros absurdos. O resultado está aí: andamos em círculos e estamos de volta ao mesmo sistema que tínhamos antes do impeachment da Dilma.

Voltamos ao mesmo ponto do começo do Desfavor, quando Lula tinha seus defeitos varridos para debaixo do tapete, por aparentemente não ser a pior coisa possível a acontecer no Brasil. Nota de corte baixíssima, mesma coisa que dizer que você não deve se preocupar com pneumonia porque pelo menos não é câncer de pulmão. Ok, é possível imaginar um presidente pior que o Lula, em muitas coisas Bolsonaro conseguiu ser pior, mas é isso que vai definir nosso comportamento?

Se um líder alemão comete algum erro, os alemães relevam achando que pelo menos não é o Hitler? O país estaria muito mal se o padrão deles fosse esse. Não ser o Hitler é a obrigação. As coisas são analisadas pós-ditador genocida, como é o mínimo esperado. Obviamente numa escala muito menor de periculosidade, não ser Bolsonaro é a obrigação que se desenhou no Brasil de 2023 para frente.

E nem nisso Lula está indo bem. Muitos dos erros do governante anterior se repetem: Bolsonaro abriu as porteiras de aparelhar o sistema para se proteger e legalizar suborno de parlamentares, Lula viu que seu antecessor fez tudo isso e quase foi reeleito… não se furtou de seguir os passos e colocar mais um advogado pessoal no STF (o juiz que disse que sua condenação foi um erro histórico era advogado do PT), além de bater recordes de suborno descarado para conseguir “governabilidade”, vulgo imunidade contra eventuais pedidos de impeachment.

Se o melhor que você pode entregar é um discurso diferente do Bolsonaro fazendo muitas das mesmas besteiras, você não está indo bem. Ou, sei lá, se você gostava do governo Bolsonaro, talvez ele esteja sendo uma surpresa positiva. O cerne da questão não mudou de 2018 para cá, o sistema continua funcionando para alimentar o sistema, com o Brasil como uma preocupação secundária, um país inteiro vivendo de esmolas de seus governantes e eventuais distrações que permitam algum crescimento aqui e ali.

Lula não é Bolsonaro, mas é por pouco. Pouco demais para acharmos que aconteceu alguma coisa positiva no Brasil. A minha impressão é que o ex-presidente baixou as expectativas para o atual, e o atual está se divertindo muito com toda a liberdade para aprontar. O lulismo era o problema que precisávamos resolver há décadas. O bolsonarismo foi apenas uma ilusão momentânea de mudança, para melhor ou para pior.

Ficamos no populismo fisiologista o tempo todo, com mais ou menos berros antidemocráticos no caminho. O Brasil continua se tratando como uma república das bananas, o povo continua votando para manter esse status quo, e se mais vozes não se levantarem contra Lula e sua tendência de se vender como progressivo sendo conservador, como democrático quando é defensor de ditaduras, como pai dos pobres quando deixa o dinheiro brasileiro cair nos bolsos dos corruptos do Legislativo… vamos continuar nesse mesmo ciclo.

Ciclo de se contentar com pouco. De achar que já estamos fazendo o melhor que podemos com os recursos disponíveis. Não estamos, a não ser que você ache que o projeto de poder dos parasitas atuais seja algo positivo para o país. Sim, tem muita notícia sobre os crimes de Bolsonaro e sua turma, tem até uma delação premiada vindo por aí, mas isso não torna o governo Lula imune às críticas. Ser melhor que um miliciano corrupto não é parâmetro. Quem está no poder é sempre mais perigoso e merece mais atenção. Lula deveria estar preso, Bolsonaro também.

Era o mínimo. E nem isso.

Para dizer que logo logo o amor nos vence, para dizer que corrupção é o que não te beneficia, ou mesmo para dizer que a turma que não sabe vender um relógio deveria liderar o país: somir@desfavor.com

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