Disputa covarde.

Parece até que foi combinado: na Semana do Bullying, Israel e Palestina recomeçam sua guerra, e com um grau de covardia e crueldade absurdos. Para vocês verem como isso se repete, o literal primeiro Desfavor Explica foi com esse tema. Mas eram outros tempos de conflito e de Desfavor. Hoje o foco é bem mais sombrio, depois do que o Hamas fez, o Oriente Médio mudou de fase de vez, e para pior.

A mentalidade maniqueísta que se apossou do mundo moderno faz com que as pessoas comecem a se dividir em grupos: alguns apoiam Israel, outros a Palestina. Como se o tema aqui fosse escolher o lado mais justificado em suas ações, e em casos extremos de síndrome de insanidade virtual, achar que um lado está totalmente certo e o outro totalmente errado.

Eu escolho o lado da humanidade, e infelizmente, escolho o lado que mais perdeu na batalha até aqui. As ações do Hamas matando, torturando, sequestrando, estuprando… todas absolutamente injustificáveis. Não vou ficar pagando de imprensa sangrenta aqui descrevendo em detalhes as atrocidades cometidas pelos terroristas (só uma palavra descreve quem faz isso), mas não há dúvidas mais que foi um ataque direcionado contra civis com execuções deliberadas.

Violação direta de qualquer acordo de convivência humano do século XXI. Essa coisa de invadir vilarejos e exterminar todo mundo indiscriminadamente é coisa de uma humanidade que já deveria ter ficado no passado. Quem faz isso se coloca fora dos padrões mínimos de humanidade que temos atualmente.

Não adianta dizer que Israel fez coisas terríveis contra os palestinos, e sim, fez, mas em nenhum momento está na mesa esse tipo de covardia. Terrorismo é o menor denominador comum porque vai direto no ponto mais baixo que o ser humano pode alcançar, não existe sociedade funcional sem essa linha básica de como se portar em relação ao outro.

Tem muito o que falar de Israel, e vamos falar de Israel, mas no segundo que você aceita ataques a civis (incluindo mulheres, crianças e idosos) como tolerável numa guerra, você está negociando com a barbárie. A forma como uma parte da sociedade, especialmente a esquerda mais radical, está tentando dar justificativa moral para os atos indesculpáveis do Hamas, é de revirar o estômago.

O que a gente acha que é bem-feito não é o mesmo que justo. Se um governante corrupto é morto por bandidos, eu até acho bem-feito, mas não muda o fato que os bandidos são bandidos e que nunca podemos deixar coisas assim se tornarem legais. Bem-feito para Israel tomar uma invertida dessas depois de décadas de opressão e roubo descarado de terra palestina, mas os ataques do Hamas não fazem disso algo justo. Não tem como dizer que entrar numa comunidade aleatória e matar todo mundo é uma forma válida de resolver problemas.

Até porque se fosse, a humanidade não teria problemas. O método de “matar todo mundo que é diferente” é usado sem parar há milênios e continuamos tendo todo tipo de problema. Na verdade, a fase de maior evolução da espécie veio logo depois da definição de padrões básicos de direitos humanos. Macaco batendo um no outro nos deixa estagnados, macaco conversando um com o outro nos faz avançar.

E em tese paramos de tolerar esse tipo de ação como a que o Hamas fez porque funcionar na base da covardia, isso é, atacar gente indefesa com a maior crueldade possível, pode até ser eficiente no curto prazo, mas cria um ciclo interminável de violência que complica a vida presente e futura dos povos envolvidos. A covardia horrível dos terroristas vai alimentar uma raiva enorme dos judeus contra o povo palestino por sabe-se lá quantas gerações. E a coisa já não estava boa antes.

Não só é assustador como é burrice. Quem vai convencer Israel a não nivelar a Faixa de Gaza e fazer um estacionamento no lugar? E quando o massacre dos palestinos em retaliação acalmar, quem vai convencer os palestinos a verem Israel como outra coisa senão um monstro disposto a exterminar todos eles?

Israel está certa em acreditar que o Hamas quer acabar com ela, é literalmente o objetivo do grupo terrorista. Não é segredo para ninguém. O Hamas acabou com negociações de paz seguidas vezes porque não tolera nenhum resultado que não seja expulsão de todos os judeus, dissolução de seu país e retomada do território. É uma divisão muçulmana radical do que já foi a Autoridade Palestina, uma que está lá para matar judeus e pronto.

Os palestinos estão certos em acreditar que Israel quer tomar o território todo. As ações são claras nesse sentido, com os assentamentos ilegais que tomam mais e mais território palestino definido desde a partilha realizada pela ONU no século passado. Israel não ia parar até tomar tudo e deixar as regiões com mais palestinos como favelas do seu país. E o israelita médio votou em quem tinha essa mentalidade, eles não caíram de paraquedas no governo local.

Você pode entender claramente que os dois lados não tem objetivos que possam ser conciliados, que Israel fez e ainda faz coisas terríveis contra os palestinos, e mesmo assim não dar sequer um milímetro de razão para os ataques do Hamas. É aqui que você define se sua linha guia de humanidade está funcionando ou não. Se é tolerável chegar numa rave metralhando todo mundo porque são alvos fáceis e só, é tolerável cometer qualquer brutalidade contra qualquer pessoa, desde que você não goste dela ou mesmo do que representa.

Se o Hamas está certo, todo torturador e genocida da nossa história está certo também. Basta ter um motivo? Ou basta você achar que o motivo é válido? Porque aí reside um outro problema que infelizmente a maioria das pessoas nunca percebe: o mundo é muito dinâmico, você pode sair de categoria protegida para perseguida num piscar de olhos. Quem defende ditadura tem um ponto cego sobre a possibilidade do ditador se voltar contra ele. Quem defende massacre parece ter o mesmo ponto cego sobre o terrorista resolver que ele merece morrer.

Repetindo, defender terrorista não é só desumano, é burro. Porque você nunca sabe o que gente torta da cabeça desse jeito vai fazer. Os métodos de Israel contra os palestinos são péssimos, mas são péssimos de uma forma bem diferente. Uma que tem algum semblante de civilização. Eu adoraria ver a maioria dos líderes israelenses sendo presos por crimes contra a humanidade e mesmo assim não ter o mínimo de simpatia pelos malucos homicidas que cometeram os ataques dos últimos dias.

Você só entra nessa maluquice de escolher um lado sem fazer nenhum juízo de valor se quiser. Se for preguiçoso de pensar sobre o tema ou se for um imbecil que esquece que também é humano e a qualquer momento um dos terroristas pode cismar que seu deus mandou te exterminar. Quem aceita gente maluca ao seu redor está convidando maluquice para sua vida.

E não tem solução “agradável” para quem está olhando o tema pelo ângulo humanista. Vai ser tudo horrível, com inocentes morrendo aos montes. E mesmo as pessoas que apoiam de forma mais intensa os crimes humanitários cometidos por Israel ou Hamas ainda podem estar sendo cooptados por sistemas feitos para fazer lavagem cerebral em seus cidadãos.

O cidadão médio da Faixa de Gaza vive sob uma ditadura religiosa, quem discute com o Hamas morre. O cidadão médio de Israel passou a vida toda ouvindo que todo mundo quer matá-lo e apenas uma defesa selvagem de seu território vai mantê-lo vivo. O mundo é cheio dessas situações horríveis, onde as pessoas ficam presas em realidades que levam ao ódio por povos diferentes, ou mesmo incapacidade de pensar fora da caixa de preconceito e história de violência.

É por isso que faz parte dos nossos valores modernos evitar esse tipo de covardia, porque é assim que se radicaliza um povo ao ponto de fazê-lo celebrar psicopatas e sociopatas dispostos a cometer qualquer tipo de covardia contra o adversário. O Hamas fez o povo de Israel voltar uns 80 anos no passado com qualquer tipo de mentalidade de convivência pacífica. Os ataques terroristas provaram o que diziam os mais radicais.

Porque se tem uma coisa que o radical gosta é de outro radical no lado oposto. Um alimenta o outro. A covardia que começa de um lado termina do outro, e ambos vão se brutalizando, respondendo covardia com a ilusão de justiça. Não é justiça, é vingança. Israel ganhou o “direito” de se vingar, porque soube colocar seus crimes humanitários mais ou menos dentro das regas modernas de conduta de uma nação. O Hamas vai usar a resposta brutal dos israelenses para preparar uma nova geração de terroristas com certeza absoluta que só a destruição total dos judeus vai resolver o problema.

A covardia gera mais covardia. E quando você cai na armadilha de tentar justificar qualquer uma delas, é mais um fazendo força para nos empurrar para trás, para um tempo em que vingança e justiça eram a mesma coisa. Não precisa escolher lado, basta defender que sejamos humanos melhores. O truque dos radicais é criar uma falsa escolha entre sucesso absoluto e fracasso retumbante. Como se não existisse muita coisa no meio.

E nesse meio se esconde a noção de humanismo. A ideia complicada de que podemos ser melhores do que ódio vingativo. É difícil achar uma posição entre dois lados tão agressivos, mas basta perceber que os lados são uma ilusão: não importa a sua causa, suas ações definem quem você é. E o que aconteceu em Israel desde o final de semana passado definem o Hamas como uma organização genocida, independente da bandeira que usem.

Pode ser contra a invasão de Israel na Palestina e pode ser contra o que o grupo radical fez com civis desarmados. Se você tentar ficar sempre do lado das pessoas, vai perceber que os outros lados são apenas papo furado.

Para dizer que é contra tudo isso aí, para dizer que precisa escolher um time para poder torcer, ou mesmo para falar sobre as opiniões horrendas pulando pelas redes sociais (voltamos ao tema no DS): somir@desfavor.com

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Etiquetas: , , , ,

Comments (24)

  • Não sei se vocês pensaram, mas tem outra citação correlata que podemos citar na série da semana temática da covardia, que é a questão da “reconquista” e da “inquisição” subsequente.

    E sim, teve caso de muito judeu sendo convertido a força e vindo às escondidas pro “novo mundo” no período colonial pra escapar a reprimenda da inquisição.

  • Não quero treta

    Tinham que ter feito Israel num pedaço da Alemanha, foram eles que fizeram a merda primeiro. Ou no Acre, ninguém ia ligar.

  • Eu fiquei observando o frenesi das pessoas sobre isso… Eu realmente preciso levantar uma bandeira?

    Quero dizer, claro, Hamas é um grupo terrorista e fazem barbáries, ninguém com o mínimo de sanidade e civilidade apoia isso, mas… Eu realmente preciso abraçar alguma bandeira, exceto repudiar terroristas? Parece que não é o suficiente.

    Gente, eu não posso pegar em armas e meter bala nos caras do Hamas, e acho que Israel já está tomando medidas pra combater isso, não precisa da minha comoção no Twitter. Eu também não posso convencer o mundo de que a Palestina deve ser livre, e não sei no quê colar adesivinho no carro ajuda algum palestino.

    Mas, se você fala algo de Israel, é tido como nazista, se fala algo da Palestina, é tido como sionista e tal… Cansa, de verdade.

    • Des Qualificado

      Por que ele faria isso?Israel não é um estado terrorista mas pelo menos você aprendeu mais uma palavra com “ista”(além de fascista e nazista) pra poder ficar repetindo e satisfazer sua sanha ideológica patética.Continue papagaio,precisamos de material para o “Ei,você”.

      • Sua ignorância sobre as atrocidades israelenses é só um detalhe, diante da necessidade de bajular o autor e sua mal disfarçada parcialidade.

        • Des Qualificado

          Ai ai…gente como vc me dá uma preguiça(bocejo!),mas vamos lá,vou fazer um esforço.Primeiro que não é minha preocupação disfarçar nada,muito menos imparcialidade nesse tema:Israel não é um estado terrorista e ponto final.Colonialista,pode ser,mas terrorista não.Ou vc não sabe o que é terrorismo ou não sabe o que é Israel pra afirmar isso(mas nós sabemos o real motivo da sua colocação).Segundo:não conheço o autor senão por ler os textos dele(e dela,sim uso o gênero binário porque qualquer coisa fora disso é pra gente retardada mental,tipo você) nesse blog e também não tenho pretenssões de estreitar laços de amizade com o mesmo,o que torna desnecessário qualquer tipo de bajulação exceto para expor gente burra,tipo você!Quanto a ignorância…bom nesse campo não vou discutir pois você já mostrou ser insuperável logo no primeiro comentário.Mas continue,continue por favor…vem aí o “Ei,você-Lacração Edition” e você tem muito potencial.
          PS:Se quiser continuar esse debate,a partir de agora só discuto com você em hebraico.Topa?

  • “Pode ser contra a invasão de Israel na Palestina e pode ser contra o que o grupo radical fez com civis desarmados. Se você tentar ficar sempre do lado das pessoas, vai perceber que os outros lados são apenas papo furado.”

    Exatamente, Somir. Não há lados bons ou maus em uma guerra, ainda mais uma guerra tão fútil, longa e mortal quanto essa. As narrativas radicais alimentam umas às outras e são sempre os civis inocentes que pagam pela imbecilidade dos radicalizados. Em algum momento, tenho certeza que acabarão destruindo os locais sagrados e históricos uns dos outros.
    Não dá para defender e nem apoiar quem prega e pratica o extermínio de um grupo de seres humanos. Isso pode ser dito tanto do Hamas quanto do governo israelense.

    • Então, as pessoas acham que você precisa definir por quem mais tem simpatia antes de analisar uma situação. Não tem, a análise é sobre o que acontece de verdade.

  • Resumindo: violência só gera mais violência, vingança não é justiça, não existe isso de “um lado está 100% certo e o outro está 100% errado”, uma barbaridade histórica não justifica outra e, se continuarem com esse negócio de “olho por olho e dente por dente” no fim das contas vai acabar todo mundo cego e banguela.

      • Ninguém quer ceder. Por isso esse conflito não acaba nunca e ainda recrudesce de tempos em tempos. Como, aliás, está acontecendo exatamente agora…

  • “ou mesmo para falar sobre as opiniões horrendas pulando pelas redes sociais”
    Essa geração globalizada é patética, acham que precisam ter opinião sobre tudo que acontece no mundo. Mal tem asfalto decente na cidade deles (os países emergentes são os que passam mais horas diárias online)

  • Para quem se interessa pelo assunto e quer entender um pouco de como os dois lados se veem, indico o seriado “Fauda” da Netflix, vale a pena (não é documentário, é ficção ok)
    Deixa escancarado como todos estão enxugando gelo há décadas (se não há milênios), lamentável o nível de cegueira dos envolvidos: judeus, Árabes, palestinos e terroristas de qualquer bandeira.
    Tem outro seriado mais curto que também vale “Califado”, visa mais a radicalização de grupos terroristas islâmicos.
    E um filme bacana é o “Paradise now”, sobre homens-bombas.

    • Chegou num ponto que esses povos nem sabem mais o que fazer de diferente. Simplesmente não registra na mente deles. Certeza que começou com uma cabra roubada ou uma cerca empurrada.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: