Só mato.

Nos últimos dias, o ditador venezuelano Nicolás Maduro resolveu tirar o pó de uma disputa histórica pela região de Essequibo com a Guiana. Em parte por causa do efeito midiático antes de uma eleição que talvez não consiga roubar, em parte porque no litoral de Essequibo tem muito, mas muito petróleo. O que podemos esperar disso?

Bom, primeiro temos que analisar interesses: do lado da ditadura venezuelana, como já disse, é algo para dar uma animada no povão e eventualmente ganhar mais reservas de petróleo. Mas é claro, tem o outro lado: a Guiana é um país tão irrelevante que a gente que mora na América do Sul esquece que existe. Se a Guiana estivesse sozinha nessa, talvez os venezuelanos pudessem tomar o território.

Mas ela não está. Quem está explorando as vastas reservas de petróleo em alto-mar dentro de seu território é uma empresa americana. Empresa americana que conseguiu um bom negócio em cima de um governo que não ia fazer nada com toda aquela riqueza mesmo… o PIB da Guiana sobe numa velocidade impressionante com a parcela que lhe cabe do acordo com os americanos.

E o governo ianque sabidamente leva muito a sério qualquer lugar do mundo com reservas de petróleo, especialmente se eles podem explorá-las. Já anunciaram exercícios militares em conjunto com a Guiana para mostrar para Maduro que não vão deixar acontecer nada que atrapalhe os lucros da empresa americana. E talvez aí a parte mais curiosa da história: a região disputada é gigantesca, mas assim como o resto da Guiana é basicamente floresta tropical com um pingo de desenvolvimento no litoral.

O que realmente teria valor para os venezuelanos é o que tem valor para os guianenses e os venezuelanos: a parte submersa do território. Milhares de quilômetros quadrados de floresta amazônica são só um penduricalho na disputa toda. A verdade é que pode até ter uma espécie de valor simbólico ter aquela mata toda no seu território, mas historicamente ninguém consegue tirar muito valor do inferno verde.

Nem mesmo os índios, que como já mencionei várias vezes em textos anteriores, tinham muito o que fazer para sair da idade da pedra naquele lugar. Não existe agricultura, pecuária ou sequer construir grandes cidades num lugar tão denso de vida vegetal. Não à toa, são as áreas menos desenvolvidas de todos os países que têm a floresta em seu território. Nem no século XXI é um lugar que pode ser explorado de verdade.

Tanto que a Venezuela, mesmo tendo o que discutir sobre a partilha do território há séculos, não fazia nada além de reclamar um pouco de tempos em tempos. Desde que os ingleses foram embora, a Guiana não era muito mais que uma cidade no litoral, não conseguiria defender uma praça arborizada, quanto mais uma das maiores florestas do mundo.

A verdade é que ninguém se importa de verdade com aquele monte de árvores e animais peçonhentos. O único motivo de ainda ter uma floresta amazônica é porque a floresta amazônica se protege sozinha dos interesses humanos. O Brasil passou mais de 500 anos não dando a mínima para preservação e mesmo assim não derrubou nem uma pequena da floresta. O exemplo-mór da vitória da natureza sobre o ser humano está na Transamazônica, quando o governo militar tupiniquim quis desenvolver a área. São mais de 50 anos que aquela porcaria não avança. Não tem o que fazer para vencer a floresta, ela vence pelo cansaço.

Por isso, se formos pensar numa incursão militar venezuelana na região, a Guiana tem uma vantagem incrível: pode simplesmente não dar a mínima para o exército venezuelano entrando em 99% do território disputado. Querem tomar a parte da floresta? Boa sorte aí. Vão fazer o quê? Cortar mato num calor infernal e ficar cuidando de soldado picado por cobras e aranhas assassinas. E se dominarem a parte da floresta… qual o problema?

A Guiana não está fazendo nada com a floresta. Para falar a verdade, ninguém está. Não é à toa que madeireiros e garimpeiros correm soltos pela região: quem em sã consciência vai ter o trabalho de defender um lugar daqueles? O Brasil, de novo como exemplo, teve séculos para pensar no que fazer com a região e chegou à conclusão que era para fazer um polo de fábricas de geladeiras e televisões sem impostos por lá.

Tudo o que importa está no litoral, onde o pouco da infraestrutura guianense está e nas águas caribenhas onde estão os poços de petróleo. Essa parte é muito fácil de defender se você tiver um aliado como os EUA. Por mais que a Venezuela tenha como comprar armamento russo e talvez até chinês, quando falamos de disputas militares em alto mar a vantagem americana é tão absurda que eles provavelmente baixam a bola de Maduro com um porta-aviões estacionado mais ou menos perto da costa.

Vi muita gente falando sobre como o caminho mais prático de invasão da região de Essequibo é pela parte um pouco mais bem desenvolvida em território brasileiro. Eu entendo esse ponto, faz sentido mesmo, por tudo o que eu disse sobre ser um inferno invadir qualquer lugar através de floresta tropical intocada, mas mesmo que Lula tenha um momento de maluquice ímpar e permita que os venezuelanos usem o território brasileiro para invadir a Guiana, eles vão poder entrar por baixo e dar de cara com incontáveis quilômetros de mata fechada.

É como dizer que tem outra entrada para pisar no campo minado. Ok, parabéns, mas você ainda vai dar de cara com um terreno intransponível. Tudo nessa questão se resume ao litoral: os interesses financeiros e a capacidade de projeção de força venezuelana. Eu acho que ninguém seria burro ao ponto de tentar invadir um país que uma empresa americana usa para faturar bilhões de dólares, mas estou torcendo muito para Maduro se aventurar e tomar uma surra histórica nos mares.

A não ser que eu tenha deixado de enxergar algum elemento muito grande de vulnerabilidade da Guiana, é tudo papo furado na melhor das hipóteses e uma vergonha histórica se desenvolvendo na pior. Ninguém liga para a floresta, não tem vantagem nenhuma tomar a floresta, e mesmo se você decidir fazer isso, vai proteger a floresta como? A Colômbia teve apoio militar americano por décadas e teve que simplesmente aceitar que não tinha como parar as FARC enfiadas no meio do seu quinhão da floresta amazônica. Não só é difícil, virtualmente impossível travar uma guerra no meio de mata tropical fechada (os EUA sabem disso desde o Vietnã), como não tem o que diabos fazer por lá depois que você toma conta.

O máximo que Maduro vai ser capaz de fazer é apresentar mapas modificados para as crianças nas escolas venezuelanas. Nem se a Rússia e a China decidissem lutar junto com a Venezuela para tomar a Guiana teria muito efeito: os EUA protegeriam o litoral e as águas próximas com muita facilidade, até porque a Guiana está muito mais perto deles do que de qualquer adversário geopolítico minimamente relevante.

A Guiana só perde se os americanos fizerem um acordo com a Venezuela para continuar explorando o petróleo normalmente depois de uma anexação. E como é muito mais fácil negociar com um presidente de uma cidade pequena com um quintal gigante do que com um ditador maluco que é amigo de seus rivais mundiais, eu duvido que vamos ver qualquer coisa acontecendo na região.

A vantagem ianque na região é tão imensa que eu aposto que nem o mais burro dos burros líderes regionais pode causar uma guerra complicada. É claro que Lula está no timer de dar uma declaração estúpida sobre a história e queimar o filme brasileiro, mas isso nem é mais novidade. Como o mundo pouco se importa com Venezuela, Guiana e esse monte de floresta tropical intransponível no norte do continente sul-americano, talvez nem Lula consiga falar uma bobagem tão grande ao ponto de fazer alguém sequer olhar para a história.

Sério, é muito mato para dar qualquer problema maior do que bravatas do Maduro. A parte que importa para os americanos vai ser protegida com a facilidade de quem espanta uma mosca bigoduda, e o resto ninguém nem perceberia se trocasse de mãos.

Para dizer que tiro a graça de tudo, para dizer que é nessas bobagens que começam guerras mundiais, ou mesmo para dizer que é para te acordar quando ameaçarem o Suriname: somir@desfavor.com

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Etiquetas: , ,

Comments (8)

  • Me matei de rir com essa do Somir. Se sobre Rússia x Ucrânia ninguém mais fala (embora ainda estejam se matando por lá) e a briga árabes x judeus está indo pro mesmo caminho (viram como caíram drasticamente as notícias sobre o conflito?), o mundo não vai dar um peido pra Venezuela (ãh?) e Guiana (quê?). Capaz até de o Suriname ter esquecido que Guiana existe e só lembrado agora que o vizinho está em voga.

    Aliás, falando em Suriname, recordam-se daquele rolo que teve lá com umas putas brasileiras escravizadas ou algo assim? Quanto tempo durou isso na mídia na época? Menos de uma semana?

  • Normal e acima da média

    E essa é uma área territorial que vem sendo reclamada há mais de cinco décadas pelos venezuelanos.
    O problema é que tal parada vem sendo usada pra desviar a atenção dos problemas internos, que nem a Guerra das Malvinas.
    Se EUA e UE agirem, o conspiracionismo espalhado aos quatro ventos pela esquerda vira-lata ganha ares de verdade. Senão vai ser mais uma batalha de caráter expansionista só que na América Latina que pode trazer pra cá um dos focos de uma possível Terceira Guerra Mundial.

  • Minhas apostas das teorias de conspiração nesse caso:

    Os venezuelanos e os americanos querem tomar as riquezas de Ratanabá;

    Isso é um plano da URSAL para dominar a América Latina;

    Só estão invadindo a Guiana porque a população é negra e indígena;

    É parte da operação Storm, assim que o Trump voltar ao poder, todos os pedófilos de Hollywood que se escondem a Guiana serão presos;

    É o ponto de encontro dos aliens para negociarem em segredo com os líderes da Terra a paz intergaláctica;

    A Rússia e a China querem dividir o Brasil e vão lutar pelo norte e nordeste, e os EUA vão lutar pelo sul e sudeste.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: