wat: A LEC é a Liga de Extermínio dos Crentes, entidade milenar sem fins positivos que já perseguia os cristãos antes mesmo deles serem denominados cristãos.
Num lugar muito quente:
DEMÔNIO: E então, mortal?
SOMIR: Não tem cooler que aguente! Isso aqui não é ambiente para ter um computador!
DEMÔNIO: FAÇA FUNCIONAR!
SOMIR: Argh…
Já é noite em Roma, em meio a uma multidão de pessoas na plataforma de desembarque do Aeroporto Leonardo da Vinci, um homem checa insistentemente seu celular.
SOMIR: Porra! Duas horas? Não é possível…
Às portas de um castelo romeno:
GUARDA: Identificação.
SOMIR: Cacete! Desde quando temos soldados protegendo o castelo?
J. JONES: Eles vão invadir! Rápido, toma um gole disso!
SOMIR: Sai pra lá…
GUARDA: Identificação?
SOMIR: Minha carteirinha está aqui…
GUARDA: *conferindo* Ok, liberado. Podem abrir os portões.
SOMIR: Aconteceu alguma coisa?
GUARDA: Por favor, siga em frente. *enxotando*
No pátio central:
SOMIR: Tem mais guardas que membros aqui dentro!
J. JONES: Precisamos passar uma mensagem para eles! Pegue essa garrafa e…
SOMIR: Se você sugerir suicídio revolucionário mais uma vez, eu juro que você vai precisar do Dr. Fritz para tirar essa garrafa da sua bunda!
J. JONES: Até hoje eu não entendendo porque ele fica matando espíritas… Eles só valem 100 milhas.
SOMIR: Hã? Milhas?
J. JONES: Plano de Milhas LEC. Para praticar o mal, temos que viajar com muita frequência. Quem leva mais religiosos para o túmulo ganha mais descontos!
SOMIR: Engenhoso. Mas me parece meio excessivo premiar quem mata uma pessoa, não deveríamos ganhar essa disputa na base da esperteza?
J. JONES: Morte direta não conta. O Pol Pot ficou uma arara quando descobriu que nenhuma das suas valia milhas. E olha que budista é o que menos vale… míseras 10 milhas.
SOMIR: E como alguém ganha milhas?
J. JONES: Tem que fazer a pessoa “se matar” baseada na sua fé. Eu viajo de graça até hoje, novato!
SOMIR: Quanto vale um cristão?
J. JONES: Mil milhas.
SOMIR: Uau, vocês colocam um preço tão barato na vida humana…
J. JONES: Peraí, da forma como a gente vê, é quase que uma aju…
SOMIR: Deveria valer pelo menos mil e quinhentas.
J. JONES: Hahaha! Gostei do seu senso de humor, que tal se a gente fosse para um lugar mais…
SOMIR: Vá de retro!
J. JONES: Pode ser. Mas que fique claro que eu não sou gay!
SOMIR: Acho que eu vi o Genghis Khan passando por ali, acho que vou ficar mais seguro perto dele. Fui! *correndo*
J. JONES: EU NÃO SOU GAY!
Mais tarde, no salão de entrada:
GUARDA: Identificação, por favor.
SOMIR: Mas eu já mostrei para o guarda da entrada…
GUARDA: A reunião é apenas para membros com grau de segurança 5. A sua carteirinha diz que você é grau 1.
SOMIR: Desde quando a LEC se importa com isso?
GUARDA: Senhor, a fila precisa seguir. Com licença.
SOMIR: Mas que merda! *saindo de perto*
VOZ: Você sabe o que está acontecendo?
SOMIR: Não… Ei! Você!
O. B. LADEN: Também não me deixam entrar.
SOMIR: Achei que você estaria num lugar mais alto nesta organização.
O. B. LADEN: Caí na besteira de dizer quem tinha realmente planejado os atentados de 11 de Setembro. Minha moral caiu bastante depois disso.
SOMIR: E quem foi?
O. B. LADEN: Meu primo Ahmed.
SOMIR: Anticlimático…
O. B. LADEN: Foi o que disseram. Mas… será que não tem como a gente dar uma espiada dentro da sala de reuniões?
SOMIR: Ah, Osama, você é um terror!
O. B. LADEN: …
SOMIR: Desculpa, péssima. Ei! Eu acho que lembro de um caminho pelas masmorras… Me escondi do Warhol lá uma vez.
O. B. LADEN: Warhol?
SOMIR: Longa história. Vem, vamos!
Depois de despistar alguns guardas e entrar escondido num dos inúmeros túneis do castelo, nossos anti-heróis finalmente encontram uma parede falsa que permitia visão da sala de reuniões.
SOMIR: Você morreu e fez pacto? *sussurrando*
O. B. LADEN: Enterrado no mar meu ovo! E fica quieto que eu acho que vai começar…
Dentro da sala de reuniões:
PATRÃO: Ahem… Ordem! Ordem!
PLATÉIA: *silêncio*
PATRÃO: *suspiro* Estamos aqui reunidos para cumprir o Ritual Anual de consulta com o Oráculo da Destruição, sangue do meu sangue, aquele que tudo sabe e tudo vê… *desanimado*
PLATÉIA: *silêncio*
PATRÃO: Dêem as mãos, irmãos. Vamos receber o Grande Sábio… *suspiro* Bum-Bum!
PLATÉIA: *começo de risos localizados*
PATRÃO: *olhar fuzilante*
Atrás da parede falsa:
SOMIR: Bum-Bum? O Grande Sábio se chama Bum-Bum? Que coisa mais re…
O. B. LADEN: *segurando o rosto de Somir e voltando-o para a fresta na parede*
SOMIR: PUTA QUE PARIU! *tapando a própria boca*
Tarde demais, todos os olhos na sala se voltam para o local de onde a voz pudera ser ouvida. O homem com o turbante dispara em retirada, deixando Somir sozinho. A parede começa a se abrir lentamente, e do outro lado, o Patrão parece bem irritado.
PATRÃO: VOCÊ PODE ME EXPLICAR O QUE EUS ESTÁ FAZENDO AQUI?
SOMIR: Eu… eu… ele… *apontando para Bum-Bum*
PATRÃO: VOCÊ ACABA DE ASSINAR SUA SENTENÇA DE MORTE E DANAÇÃO ETERNA, MORTAL!
SOMIR: Fudeu…
No meio da multidão:
C. DRÁCULA: Ahem…
PATRÃO: QUER DIZER ALGO, VLAD?
C. DRÁCULA: Estamos numa reunião com o Grande Sábio.
PATRÃO: …
C. DRÁCULA: E tem algumas regras… *segurando o riso* … que devem ser seguidas…
PATRÃO: Você não pode estar falando sério.
C. DRÁCULA: Numa reunião com o Grande Sábio, a maior autoridade é sempre o Grande Sábio. Bum-Bum deveria decidir a punição do novato.
PATRÃO: *tremendo de raiva*
C. DRÁCULA: Suas regras, chefe. A não ser que você queira cair na real e…
PATRÃO: Bum-Bum!
BUM-BUM: Papaaaaaaaai!
PATRÃO: Este verme invadiu uma das nossas reuniões secretas. Qual deve ser sua punição?
BUM-BUM: Papaaaaaaaai!
PATRÃO: Bum-Bum, estou falando sério. O que vamos fazer com este traidor?
BUM-BUM: Abraaaaaaaço!
PLATÉIA: *risos*
PATRÃO: Bum-Bum, ele estava espionando nossa reunião mais secreta! Deve sofrer as consque…
BUM-BUM: Abraaaaaaaço! *abrindo os braços atarracados*
PATRÃO: *esmurrando e derrubando uma parede* Que assim seja. O Grande Sábio Bum-Bum decidiu. Vá abraçá-lo, novato!
SOMIR: Abraçar… ele? *apontando para Bum-Bum*
PATRÃO: Sim, vá logo!
SOMIR: *pensativo* A outra opção é morte e danação eterna?
PATRÃO: SIM!
SOMIR: *pensativo*
PATRÃO: …
SOMIR: Bom, tá no inferno, abraça o capeta! Vem cá, Bum-Bum!
Somir se aproxima de Bum-Bum, que assim como o pai, tem uma pele vermelha e escamosa cobrindo o corpanzil seminu. As diferenças, contanto, estão localizadas no rosto de Bum-Bum, mais arrendondado, olhos puxados e expressão curiosamente ausente.
BUM-BUM: Abraaaaaaço! *se jogando em cima de Somir*
SOMIR: Argh! Menos, Bum-Bum, menos! Você vai quebrar uma costela apertando com tanta força e… ARGH! Calma!
BUM-BUM: *quase quebrando Somir ao meio* Amiiiiiigo de abraaaaaaço!
SOMIR: A… ai… oferta da… danação eterna… ai… ainda está… de pé?
PATRÃO: Bum-Bum, solte-o.
BUM-BUM: Não!
PATRÃO: Bum-Bum, obedeça o papai.
BUM-BUM: ABRAAAAAÇO!
SOMIR: Socorro… *voz sumindo*
PATRÃO: BUM-BUM! CHEGA!
SOMIR: *desmaiando*
Algum tempo depois, na enfermaria do castelo:
VOZ: Novato? Novato?
SOMIR: *recobrando a consciência* NÃO! ME LARGA! ME LARGA SEU RE…
VOZ: Calma! Calma! Olha pra mim! Você está seguro!
SOMIR: *tentando levantar* AAAAI! Parece que eu fui atropelado por uma jamanta… Doutor?
D. FRITZ: Já cuidamos da maioria das suas fraturas.
SOMIR: E eu vou ficar bem?
D. FRITZ: Sei lá, eu não sou um médico de verdade…
SOMIR: Então me traga um!
D. FRITZ: Sou eu ou o Menghele.
SOMIR: Vou me arriscar com o senhor. O que aconteceu comigo?
D. FRITZ: Precisou de vinte homens e duas horas para te soltar do abraço de Bum-Bum. Diga o que quiser, mas o danado é forte!
SOMIR: O que patrões foi aquilo?
D. FRITZ: Uma reunião ritual com o primogênito do Rei da Trevas! Aquele que deveria trazer sabedoria e união para as tropas infernais!
SOMIR: O do “abraaaaaço”? *fazendo voz mole*
D. FRITZ: Sugiro que você não faça piada com o assunto. O patrão é muito sensível sobre isso. Foi uma grande surpresa quando ele nasceu assim.
SOMIR: E… ele nascer assim meio que não invalida o propósito da reunião super-secreta com o Grande Sábio?
D. FRITZ: Diga isso para o pai dele. Bum-Bum foi planejado nos mais minuciosos detalhes e rituais malignos. Foi concebido numa virgem sobre um pentagrama especial e tudo mais… O patrão estava empolgado em gerar seu descendente com poderes de clarividência. Sem contar que era uma ritual único, só podia fazer uma vez…
SOMIR: Mas algo saiu errado.
D. FRITZ: Reza a lenda que o estraga-prazeres mandou uma carta para o patrão um dia antes do nascimento, onde se lia “Você queria um filho com algo a mais, ele vai ter algo a mais. Não precisa me agradecer.”…
SOMIR: E esse algo a mais?
D. FRITZ: Um cromossomo.
SOMIR: Uau.
D. FRITZ: Pois é. Mas orgulho é um pecado. E de pecado o patrão entende… Ao invés de aceitar que tinha sido passado para trás, resolveu seguir como se nada, forçando goela abaixo de toda a LEC seus planos originais. Todo ano os membros mais antigos tem que se reunir para escutar Bum-Bum matraquear sobre abraços, o que comeu no almoço ou sobre o funcionamento de seu sistema excretor.
SOMIR: E o nome? Bum-Bum?
D. FRITZ: O patrão tinha definido que seu filho poderia decidir o próprio nome assim que chegasse à idade adulta. Mesmo depois de ouvir “Bum-Bum”, nada do patrão admitir que era uma péssima ideia.
SOMIR: E todo mundo tem que aguentar isso porque o patrão não consegue admitir que seu filho não foi exatamente o planejado?
D. FRITZ: Precisamente. Veja bem, o problema não é o Bum-Bum, o problema é o pai que ignora tudo ao seu redor e carrega todo mundo junto nessa maluquice só para fingir que está tudo bem.
SOMIR: O diabo está nos detalhes.
D. FRITZ: E parabéns, você acaba de ganhar grau de segurança 5. Depois do que viu e sabe, seria até pior te deixar de fora.
SOMIR: E isso significa que eu vou ter que frequentar as próximas reuniões com o Bum-Bum?
D. FRITZ: Bem-vindo ao time.
SOMIR: Você viu o Jim Jones por aí?
Salão de jogos de um famoso castelo romeno:
F. ENGELS: Não está se esquecendo de alguma coisa?
K. MARX: Curvar-me ao explorador capitalista?
F. ENGELS: Pelo amor de Deus, Karl!
C. DRÁCULA: Ei, isso aqui é um castelo de família!
F. ENGELS: Perdão pela linguagem, mas temos regras aqui! Karl sempre faz isso quando está perdendo… Cadê a ética?
K. MARX: Ética protestante?
F. ENGELS: Olha lá, de novo! Assim fica impossível!
V. LENIN: Karl, pague o imposto, todos estão esperando.
K. MARX: Hmpf…
V. LENIN: Vamos lááááá… Só não posso tirar um… e… argh…
TODOS: Hahahaha!
J. STALIN: Veja como se faz. CINCO! AHA!
L. TROTSKI: Você balançou a mesa.
J. STALIN: Foi sem querer, meu braço bateu…
L. TROTSKI: Isso influenciou no resultado.
J. STALIN: Como você pode saber disso? Podia ter caído qualquer número!
L. TROTSKI: Muito conveniente que a balançada da mesa tenha te premiado com o melhor resultado, não?
J. STALIN: Você está insinuando o quê, Leon?
L. TROTSKI: Estou pedindo para você jogar os dados novamente.
V. LENIN: Camaradas, isto é apenas um jogo.
L. TROTSKI: Não se engane, Vlad, nada é um jogo para ele.
J. STALIN: Isso é ridículo! Eu não vou jogar novamente!
L. TROTSKI: Então assume que balançar a mesa foi uma manobra proposital?
F. ENGELS: Joseph, é melhor jogar novamente. Para evitar discussões…
J. STALIN: Vocês estão armando contra mim!
K. MARX: Estava demorando…
L. TROTSKI: Você balançou a mesa para levar vantagem!
J. STALIN: Ah é? *virando a mesa e derrubando tudo*
TODOS: STALIN!
J. STALIN: Vocês são ridículos! Vocês tem inveja de mim!
SOMIR: *suspiro* A gente não vai começar de novo, né?
K. MARX: É a única forma de ser justo para todos.
SOMIR: Nós já estamos aqui há oito horas. Não terminamos uma partida até agora!
F. ENGELS: O Mao nunca reclama.
SOMIR: Porra, quando vocês me convidaram para ocupar o lugar dele nessa partida de Monopólio, eu não poderia imaginar que vocês tinham regras próprias!
K. MARX: Nós melhoramos o jogo.
SOMIR: Melhoraram? É impossível jogar Monopólio sem poder comprar propriedades!
K. MARX: Exato. *sorriso canastrão*
SOMIR: Argh. Preciso fumar um cigarro. Já volto.
F. ENGELS: Não precisa ter pressa, quando Leon e Joseph começam a discutir, vai longe…
Alguns minutos depois, na área externa.
V. LENIN: Tem um sobrando?
SOMIR: Claro.
V. LENIN: Isqueiro?
SOMIR: Aqui.
V. LENIN: *dando a primeira tragada* Ah! Bem melhor…
SOMIR: Todos vocês fumam, porque ninguém tem cigarro?
V. LENIN: Comprar cigarro financia o capitalismo.
SOMIR: E filar não? Não que eu esteja de má vontade, mas não faz muito sentido.
V. LENIN: É mais complicado do que isso.
SOMIR: Eu já ouvi essa resposta umas dez vezes hoje. Já aprendi a não me estender… Mas aproveitando a ocasião, tenho uma curiosidade.
V. LENIN: Diga.
SOMIR: Eu tenho plena noção que eu passo longe de me destacar por essas bandas. Com tantas figuras históricas fascinantes disponíveis, porque vocês me chamaram para substituir o Mao nesse jogo?
V. LENIN: Porque acreditávamos que você aceitaria. Para ser honesto, não somos exatamente populares aqui na LEC.
SOMIR: Hã? Vocês não mataram milhões de cristãos? Deveriam ser heróis.
V. LENIN: É mais complicado do que isso.
SOMIR: Acho que vou me arrepender, mas… mais complicado como?
V. LENIN: Por incrível que pareça, o comunismo não foi coisa da LEC.
SOMIR: Essa é difícil de engolir.
V. LENIN: Eu só fiquei sabendo da organização alguns dias antes da minha… morte, após uma visita secreta de Rasputin. Imagine a minha surpresa!
SOMIR: Ah, falando nisso… e o seu… é… corpo? Ainda está em exposição, não? É um boneco de cera?
V. LENIN: Deveria ser. Mas o patrão tem um senso de humor… único.
SOMIR: Peraí… você sempre me pareceu brilhante demais.
V. LENIN: Eu pedi vida eterna em troca da minha alma. Mas algumas palavras dúbias no contrato me prenderam no boneco e deixaram o corpo em exposição. É terrível no verão.
SOMIR: Finalmente encontro alguém aqui que não vai gostar do inferno.
V. LENIN: Onde estávamos?
SOMIR: Comunismo. Não foi coisa da LEC?
V. LENIN: De forma alguma, só fomos chamados para a Liga porque queriam saber como desfazer tudo aquilo que criamos.
SOMIR: Mas, peraí… vocês criaram um mega-estado ateu que matou gente religiosa até não poder mais. Por que a LEC seria contra?
V. LENIN: Sabe o que foi coisa da LEC? A Inquisição.
SOMIR: Não estou te acompanhando…
V. LENIN: É só pensar um pouco. Qual é o maior impulsionador da religião?
SOMIR: Hipocrisia?
V. LENIN: Sim, mas para ser mais específico: Vitimização. Quanto mais eles tem motivos para se sentir perseguidos, mais empolgados ficam. O comunismo proibiu religião para quase metade da população mundial, por décadas. Adiantou alguma coisa?
SOMIR: Pelo visto não.
V. LENIN: E o que a Inquisição causou?
SOMIR: Revolta contra a Igreja…
V. LENIN: Exato. Alguns mais radicais aqui dentro nos acusam de ter causado o maior atraso na história da LEC. Hoje em dia todos os religiosos usam o Joseph como exemplo de pessoa sem religião.
SOMIR: Não me leve a mal, mas a LEC deveria ter matado todos vocês o mais rápido possível.
V. LENIN: Entendo o seu ponto-de-vista, mas novamente era mais complicado do que isso. Tentaram nos matar várias e várias vezes.
SOMIR: Verdade, só você sofreu dois atentados.
V. LENIN: Que só sobrevivi por… milagre.
SOMIR: …
V. LENIN: Muito conveniente que eu tenha perecido apenas quando Stalin havia conquistado vantagem estratégica sobre o camarada Trotski, não?
SOMIR: Que coisa mais suja.
V. LENIN: Essas cartas estavam marcadas desde o começo. O camarada Stalin pode ser amigo de longa data, mas é evidente que ele é um paranóico de pavio curto.
SOMIR: Depois de séculos com a Igreja como vilã, finalmente um antagonista ateu. Mesmo a parte do ateu não ter nada a ver com isso.
V. LENIN: E desde quando isso faz alguma diferença para os religiosos?
*a porta se abre*
K. MARX: Ei, vocês dois… Vamos continuar o jogo?
V. LENIN: Finalmente chegaram a um acordo?
K. MARX: Joseph enfiou uma picareta na têmpora de Leon, de novo, mas parece que os ânimos já se acalmaram.
SOMIR: Picareta? Bom, pessoal, já está ficando tarde e…
K. MARX: Você não vai nos fazer essa desfeita, vai?
SOMIR: É…
V. LENIN: Karl, deixa. Obrigado pela companhia, novato.
SOMIR: Obrigado! *correndo*
De volta ao salão de jogos:
J. STALIN: Aquele rapaz não vai mais jogar?
L. TROTSKI: Enjoou das suas viradas de mesa, aposto.
J. STALIN: É guerra que você quer?
K. MARX: Chega, vocês dois. É tão raro achar alguém para completar a mesa, até tentei convencê-lo a ficar, mas o camarada aqui permitiu sua saída prematura.
V. LENIN: Ele dificilmente se encaixaria no nosso grupo.
F. ENGELS: Por quê?
V. LENIN: Ele ainda não morreu.
Transilvânia, Romênia. Mais precisamente a sala de música de um famoso Conde que quer manter seu anonimato:
TODOS: Vai Hitler, vai Hitler, vai Hitler!
SOMIR: Vem cá, ele só faz o passo do robô?
GANDHI: Esperava o quê de um ciborgue, o moonwalking?
SOMIR: Aquilo é vapor saindo da bunda dele?
GANDHI: Deve ser o radiador… HITLER! Pára! Ferveu!
Ciborgue Hitler interrompe sua dança para cuidar do problema. As palmas se transformam num silêncio incômodo para todos os presentes na sala.
SOMIR: *cochichando* Por que não fazem um upgrade nele? Ele está parecendo o Fusca velho do meu tio-avô.
J. MENGHELE: Adivinha quem projetou o ciborgue?
SOMIR: Meu tio-avô?
J. MENGHELE: Tínhamos fornos especiais para pessoas inteligentes como você.
SOMIR: Não seja um nazista de piadas.
J. MENGHELE: Bom, o pessoal que projetou o Fusca era muito esperto, mas… há uma grande distância entre carros e ciborgues. Eles entregaram um protótipo que parecia um robô, mas na verdade não passava de um carro rearranjado.
SOMIR: E como é que ele está vivendo até hoje dentro desse treco?
J. MENGHELE: Hitler vendeu sua alma em troca dessa porcaria funcionar de verdade. E você sabe como o chefe adora explorar as minúcias dos contratos que assina.
SOMIR: O ciborgue dos anos 40 funciona por mágica, mas Hitler está preso para sempre nesse treco.
J. MENGHELE: E eu tenho quase certeza que o radiador não ficava na bunda no modelo original.
SOMIR: Bom, ele nunca foi famoso por tomar boas decisões.
J. MENGHELE: Pior que ele ainda acha que eu sei como cuidar dele. Desde o fim da Terceira Guerra Mundial que eu tento explicar que um mecânico saberia melhor o que fazer…
SOMIR: Segunda.
J. MENGHELE: Hã?
SOMIR: Segunda Guerra Mundial. Você disse Terceira.
J. MENGHELE: … Não ensinam mais nada para os novatos?
SOMIR: Peraí… tem mais uma Guerra Mundial da qual eu não ouvi falar?
Uma nuvem de vapor prenuncia a aproximação do ex-ditador da Alemanha Nazista, atual ferro-velho.
C. HITLER: DOKTORRRR! RADIADORRRR! TRASEIRRRRA!!!
J. MENGHELE: Argh… Gob, explica para o rapaz sobre a verdadeira Segunda Grande Guerra. Mas que diabos, Adolf, não abre o porta-malas aqui!
Hitler e Menghele vão se afastando de Somir, agora ansiosamente esperando pelas palavras de Goebbels.
J. GOEBBELS: O estraga-prazeres *apontando para cima* estava atacado logo após a Primeira Guerra Mundial. Aquilo tinha sido feio demais e a humanidade parecia que ia se matar a qualquer momento.
SOMIR: Pareceria falta de cuidado dele.
J. GOEBBELS: Exato. Zeus estava ganhando muito apoio político por causa dos rumos desastrosos da ditadura de Javé.
SOMIR: Hã?
J. GOEBBELS: Política, política… fica para um outro dia. O que interessa agora é que ele foi preguiçoso e tentou resolver tudo do mesmo jeito que resolvera milênios antes.
SOMIR: Mandando o zumbi?
J. GOEBBELS: E novamente, no epicentro da confusão. Só que dessa vez não dava mais para fazer todo o processo de pegar uma virgem, esperar nascer, ser criado…
SOMIR: Jesus veio “pronto”?
J. GOEBBELS: Veja bem, essa coisa de se chamar Jesus e ter aquele corpo foi só para se misturar na multidão. Era normal na época. Agora, para colocar seu filho no mundo para evitar uma Segunda Guerra, ele tinha que estar no país que se tornou uma bomba relógio depois do fim da Primeira.
SOMIR: Ele “encarnou” num alemão?
J. GOEBBELS: Austríaco.
SOMIR: …
J. GOEBBELS: O Führer ainda não era Führer. Era só um soldado pobre que queria um futuro melhor para o seu povo.
SOMIR: …
J. GOEBBELS: Haha! Todo mundo fica com essa cara quando contamos a história. Sério que nunca passou pela sua cabeça? Eu sou o melhor propagandista de todos, mas nem eu conseguiria fazer um genocida parecer tão carismático para seu povo.
SOMIR: Olha, eu nem tenho muito respeito pelo… “estraga prazeres”, mas eu não acredito que ele tenha permitido que seu filho virasse… Hitler!
J. GOEBBELS: Foi uma decisão apressada. Saber desde pequeno que é filho de deus é uma coisa, ter o poder de cativar tanta gente do dia para a noite é outra completamente diferente.
SOMIR: Hitler não “registrou” seu propósito da forma correta?
J. GOEBBELS: E ainda por cima herdou uma raiva incontrolável de um grupo de pessoas.
SOMIR: Grupo de pessoas que curiosamente matou sua encarnação anterior?
J. GOEBBELS: Eu também não sou muito fã de vitimização, mas convenhamos que não era para tanto com os judeus.
SOMIR: Mas… por que o pai não controlou o filho?
J. GOEBBELS: Porque foi burro. A partir do momento em que usou um humano normal como base, ficou preso nas complicações técnicas do livre-arbítrio.
SOMIR: Bom, mas mesmo com essa força, perdeu a guerra.
J. GOEBBELS: Perdeu a Terceira. A verdadeira Segunda foi um passeio. Os cristãos do mundo todo eram atraídos como mariposas a uma lâmpada. Os que não eram, se convertiam. A cada dia mais e mais soldados adversários mudavam de time. Sem contar que tanques andando sobre a água realmente facilitam as estratégias militares. Poucos anos depois não tinha mais nenhum judeu vivo para contar a história.
SOMIR: Os nazistas venceram a Segunda Grande Guerra?
J. GOEBBELS: Graças a deus! Hahahahaha!
SOMIR: Mas o que aconteceu então para tudo estar diferente hoje em dia?
J. GOEBBELS: Política, política. Hitler ficou ganancioso e resolveu ser o deus único do mundo que estava aos seus pés. Alguém… alguém não gostou disso.
SOMIR: Mas e as complicações técnicas do livre-arbítrio?
J. GOEBBELS: Só valem se quem está sofrendo é uma pessoa normal. Se atrapalham os planos do Grande Carente dos Céus, essas coisas podem ser relativizadas.
SOMIR: Típico.
J. GOEBBELS: E para matar dois coelhos com uma cajadada só, bastou voltar sorrateiramente no tempo e reduzir severamente a capacidade intelectual de Hitler antes da “iluminação”. Assim ele desenvolveu apenas o carisma, mas tomou decisões absolutamente cretinas durante a guerra que ficou registrada na nossa história.
SOMIR: Perder a guerra eu entendo, mas… qual o outro “coelho”?
J. GOEBBELS: A sede de poder de seu bom filho levantou várias suspeitas no Ditador Divino. E nós trabalhamos para alguém conhecido por fazer vários servicinhos sujos, pelo preço certo.
SOMIR: Então a LEC está nessa?
J. GOEBBELS: Manter Hitler-Jesus vivendo eternamente neste plano com a inteligência de um babuíno e o corpo de um Fusca é garantia de estabilidade no poder cósmico vigente.
SOMIR: Política, política.
J. GOEBBELS: Precisamente.