Primeiros Socorros – Sobrevivendo a terremotos.

Este é um assunto sobre o qual eu não imaginava escrever um dia, afinal, uma das poucas coisas boas que se diz do Brasil é que ele estava livre desse tipo de evento. Mas, há poucos dias a Bolívia mandou um presentinho para a gente, que chegou ao Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo e Minas (logo nos lugares civilizados, vejam vocês), então, não custa prevenir: Desfavor Explica – Primeiros Socorros: Sobrevivendo a terremotos.

Um rápido parágrafo sobre o que sãos os terremotos, simplificado de forma vergonhosa: a Terra tem várias camadas, uma delas é molenga como uma amoeba e, como Deus tem senso de humor, colocou várias placas enormes, pesadas e duras boiando por cima. Então, por não estarem em uma superfície dura nem estável, estas placas acabam se mexendo e batendo umas nas outras. Quando isso acontece, temos os terremotos (de verdade, peço desculpas por essa definição).

Obviamente a porrada é maior para quem está logo acima do choque, ou seja, para aqueles países que se localizam no lugar onde duas placas tectônicas se encontram. São os países localizados no chamado “Cinturão de Fogo do Pacífico”, ou seja países que beiram o oceano pacífico: Peru, EUA, Japão e todo o resto que fica nessa área de maior risco.

O Brasil está bem no meio de uma placa, portanto, em tese, está imune a terremotos. Mas mesmo assim eles vêm acontecendo, ainda que de forma leve e residual, reflexo de grandes terremotos ocorridos em outros lugares.

Geralmente quando são leves tremores não há motivo para preocupação, mas né, Brasil. Aqui prédio desaba por causa do material precário que foi utilizado, só de ventar. Em um país pouco sério onde se colam as coisas com cuspe, pequenos terremotos podem sim causar um estrago, tanto é que o reflexo do terremoto ocorrido na Bolívia poucos dias atrás bastou para evacuar prédios em São Paulo.

No geral, terremoto vem sem aviso, ou, com muito pouco tempo de aviso. Mas, novamente, aqui é Brasil, poderiam avisar com um mês de antecedência que ainda assim duvido que o Poder Público consiga orientar e manter as pessoas em segurança. Então, cuide você de você mesmo, que vai ser melhor. Por não ter um aviso, você terá poucos segundos para decidir o que fazer, não dá tempo de pensar. Tem que agir rápido.

Na maioria dos casos é desaconselhável tentar sair do prédio onde você está. Primeiro porque com o chão tremendo existem grandes chances de você rolar pelas escadas e se machucar. Segundo porque é tudo muito rápido e sua locomoção e equilíbrio estarão comprometidos, então, não vai dar tempo. Terceiro porque na rua a coisa pode estar ainda pior: árvores, postes e outras construções desabando, canos de gás que passam por debaixo do solo se rompendo e provocando explosões e muitas outras situações apocalípticas que não podemos antever. Então, como regra, fique onde estiver.

Começou a tremer. O que você vai fazer vai depender de onde você está. Vamos começar com a situação mais provável: você está na sua casa ou no trabalho, um ambiente fechado. A primeira providência é procurar uma proteção, ou seja, algo que funcione como barreira de estilhaços, objetos ou qualquer coisa que possa cair na sua cabeça. Pode ser debaixo de uma mesa, pode ser dentro de um armário fixo. O importante é que seja uma estrutura sólida o bastante para aguentar o impacto de um lustre caindo, de um pedaço de parede caindo ou de um móvel despencando em cima. Nada de se esconder debaixo dessas mesinhas com pés de plástico.

Aproveite que tá tudo tranquilo e dê uma olhadinha agora onde você buscaria abrigo. Nosso cérebro leva muito a sério informações voltadas para a nossa sobrevivência, ele dá prioridade ao registrá-las. Provavelmente o lugar que você elegeu vai ficar salvo em algum canto e se um dia for necessário, ele vai aparecer feito um PopUp na sua mente.

Na hora de ir para essa “toca” você não deve correr. O chão está tremendo, grandes chances de você perder o equilíbrio, cair e se machucar. Segura o impulso e se abaixa, vai rastejando ou até rolando, assim, além de não ter como cair (afinal, você já está com o corpo no chão), você também corre menos risco de ser atingido por objetos voadores e estilhaços. Para quem nunca esteve em um terremoto, saiba que tem muito objeto voando, além disso não raro as janelas explodem, voando vidro na velocidade da luz na sua direção. Por isso, assim que começar, abaixe, rasteje ou role para debaixo de alguma superfície dura e resistente que possa te proteger.

Se for possível escolher (no meio da confusão, muitas vezes não é), busque abrigo longe de portas, janelas, paredes ou vidros no geral (blindex, divisórias, etc). Estas estruturas podem cair e te machucar. A prioridade é abaixar e procurar abrigo o mais rápido possível, assim, é preferível que você fique em um abrigo no cômodo onde você está do que vá para outro que lhe parece melhor no cômodo ao lado.

Encontrou onde se entocar? Está seguro? Fique aí. Não saia para ajudar ninguém, oriente apenas com sua voz. Normalmente terremotos duram pouco tempo (que, para você, vai parecer uma eternidade), tente não entrar em pânico, é horrível, mas é rápido. Apenas fique quieto. Se caiu um lustre na cabeça do coleguinha, too bad, ainda assim, espere acabar para socorrer, se não, podem ser dois feridos no lugar de um. Quem está machucado vai precisar de você firme e forte para ajudar a socorrer. Continue onde está.

Existe um grande desfavor divulgado na internet que diz o seguinte: se você ficar debaixo do batente de uma porta, você estará a salvo, pois é o lugar mais seguro e resistente. É mentira, não há garantia alguma. Batente da porta meu cu. Não fique debaixo de batente de porta e se alguém sugerir isso grite “Vai você!” e corra para debaixo de uma superfície que te proteja. Também tem aquele mito muito divulgado para tornados de que deitar na banheira é a melhor opção. Olha, se houver um blindex, provavelmente ele vai explodir em caso de terremoto e você vai virar um sashimi humano. Não faça isso.

Há quem diga que quando começa um terremoto você tem que sair do prédio. Não. Não dá tempo. Sua melhor chance de sobreviver é ficar onde você está e procurar o quanto antes uma superfície para te proteger do impacto daquilo que vai desabar. Depois você sai do prédio. “Mas Sally, e se o prédio desabar?”. Desculpa aí a sinceridade, mas mesmo que você corra pra cacete, não vai ser mais rápido do que o terremoto e o prédio vai desabar com você desamparado, descendo as escadas. Quando um terremoto derruba um prédio assim, de primeira, a coisa acontece em questão de segundos. Fora que descer escadas com o chão tremendo é um convite ao traumatismo craniano. Ou alguém aqui cogita pegar um elevador em caso de terremoto? Espero que não.

Vamos pensar no pior cenário: você não tem algo rápido para se proteger. Não tem uma mesa ou nada sólido que funcione como um teto provisório. Você pode improvisar o chamado “Triângulo da sobrevivência”, que está longe de ser a melhor opção, mas porra, é melhor do que nada. Consiste no seguinte: você vai encostar em qualquer superfície estável (lembrando que paredes não são estáveis), como por exemplo um sofá e vai se deitar no chão, com as costas coladas nele, em posição fetal. Depois você vai se cobrir com algo (um colchão, por exemplo), inclinando-o, de modo a que forme um triângulo com o sofá, como se fosse um teto de uma cabaninha.

Provavelmente você vai tomar uns estilhaços, pois as laterais ficarão desprotegidas, mas, em caso de desabamento, isso pode te salvar, pois o que quer que caia, cai primeiro no triângulo e só depois, com a devida força aplacada, em você. Vale lembrar que este método do “Triângulo de sobrevivência” é fortemente desacreditado, não é solução, é último recurso.

Se você não tiver nada para formar esse triângulo, ainda assim, vale a pena se escorar deitado em posição fetal em algum móvel que seja mais alto do que você; encoste suas costas, para proteger a coluna, no móvel, deitado de lado. Apesar de ser controvertido, há quem diga que em caso de desabamento, um objeto grande escoraria o impacto, deixando “vazios” à sua volta, vazios estes suficientes para que um ser humano sobreviva sem ser esmagado.

Deite de lado com as costas encostadas no móvel, em posição fetal, ou seja, pernas encolhidas com o joelho no seu peito, e passe os braços unidos e paralelos (cotovelos dobrados) na frente do seu rosto, protegendo o rosto sua cabeça. Nesta posição você protege os principais órgãos vitais, assim, se houver algum impacto, ele ocorrerá nos ossos mais duros do corpo e as chances de danos letais são menores.

Agora vamos pensar na pior hipótese: você não tem nada para se proteger. Absolutamente nada. Você foi ao museu das facas e explosivos e começou um terremoto. Deita na posição fetal do parágrafo acima e, se tiver algum pano para cobrir o rosto, cubra. Escombros costumam levantar muita poeira, que podem comprometer sua visão ou até te sufocar. Nem que seja colocar sua roupa no rosto, proteja olhos, nariz e boca.

Vamos supor que o terremoto acontece de madrugada e que você estava dormindo. Seu corpo vai te acordar, pois temos uma parte do cérebro que não apaga nunca, justamente para dar o alerta em situações como essa, onde nossa vida esteja em risco. Porém, até seu corpo te acordar e até você tomar consciência do que está acontecendo, podem se passar alguns segundos. Nesse caso, a orientação é outra: por causa desse delay, a melhor coisa é ficar na cama cobrir sua cabeça com um travesseiro. Isso porque se você tentar sair, é possível que se corte ou se machuque com os estilhaços que já estarão no chão (ninguém dorme com tênis, certo?) ou com objetos voando. Só saia da cama se perceber a possibilidade de algo muito pesado cair em você (um lustre, um armário). Caso contrário, fique nela e se proteja como puder.

Em todos os casos acima, tenha uma coisa em mente: depois de um terremoto, costumam acontecer outros tremores menores, uma espécie de “terremoto residual”. Então, acabou o tremor, você continua exatamente onde está, nada de levantar e sair andando todo pimpão, pois existem grandes chances de que outro comece e voe algo nos seus cornos.

A única coisa que te autoriza a correr é se você perceber que a estrutura do edifício onde você está vai ruir, mas aí, sinto informar, é improvável que dê tempo de sair. Estudos indicam que as maiores causas de morte envolvendo terremotos estão ligadas a detritos e objetos, não a desabamentos de estruturas inteiras, então, foco em se proteger do que mais mata: em vez de tentar deixar o edifício, busque proteção lá dentro.

Agora vamos supor que você está em um espaço aberto quando o terremoto começou. É complicado procurar abrigo, pois tudo que pode te proteger pode desabar. Tente ficar longe de postes, árvores ou o que mais possa cair em você. Se conseguir alguma estrutura, como uma mesa, para se proteger, fique debaixo dela em posição fetal. Neste caso, você pode correr, afinal, não é um ambiente fechado cheio de detritos. Corra para o mais longe de possíveis desabamentos que puder. Se tiver oportunidade, observe os animais: os animais sempre correm para o lado certo.

Se você estiver dirigindo, vá para longe de estruturas que desabam, como postes, árvores, prédios e viadutos. Se estiver em segurança, fique dentro do carro, com o freio de mão puxado, se não houver o risco de nada cair em você. Quando o terremoto acabar, tente não passar por viadutos, pontes e outras estruturas que possam ter sido abaladas pelo tremor, por mais que elas estejam de pé, podem acabar ruindo. Caso fique preso no trânsito no meio da cidade, pode ser melhor abandonar o carro e ir procurar um abrigo a pé, se acreditar que alguma estrutura próxima pode desabar. Carros não são boas proteções para objetos que vem de cima, eles são projetados para resistir a impactos laterais e frontais.

Pior das hipóteses: o lugar onde você estava desabou, ou desabaram coisas no lugar onde você estava. Você está soterrado nos escombros. Provavelmente está tudo escuro, pois a energia elétrica foi para as cucuias. Também deve ter muita poeira, se conseguir se mexer, proteja seus olhos, nariz e boca com a sua roupa. Certamente não é agradável ficar preso em escombros, mas sua maior chance de sobrevivência é ficar o mais quieto que puder.

Movimentos ou tentativa de sair podem piorar sua situação, gerando um novo desabamento que te esmague. Se a coisa caiu de modo a não te matar, aproveite a maré de sorte e espere pelo resgate. Não grite, pois você pode acabar aspirando detritos e sufocar. Se conseguir alcançar o celular, use-o a seu favor. Dificilmente haverá disponibilidade para chamadas, mas deixe o GPS ligado, isso pode ser uma forma de te rastrearem. Espere. Normalmente os resgates começam a ser feitos cerca de uma hora após o terremoto ou ao desabamento, então, ficar tentando chamar a atenção feito um louco logo depois do desabamento é perda de tempo e energia.

Quando sentir que a equipe de resgate chegou (você deve escutar vozes, movimentação, sirenes e até cães), ai sim você pode fazer algum barulho para que eles percebam que tem gente viva nos escombros. A forma mais segura de chamar a atenção é batendo de leve com algo duro nos escombros, para fazer barulho. Isso dá uma indicação mais precisa para a equipe de resgate de onde você está. Procure uma superfície sólida não corra o risco de desabar e bata nela com uma pedra ou um detrito

Em todos os casos, saiba que se você estiver em uma região litorânea, há sempre um risco de tsumani após um terremoto. Por sinal, muitas vezes a tsumani acaba sendo um problema ainda maior que o terremoto. Então, fique atento a alerta de tsunami ou, se for em um lugar muito tosco (como no caso, é o Brasil), apenas vá para um local mais alto.

Normalmente se percebe que uma tsunami está chegando quando o mar começa a recuar. Novamente, observe os animais: eles sobem o morro quando a tsunami está se formando. E não pensem vocês que, pelo tremor ter sido fraco, não tem risco de tsunami. Um terremoto bem distante, muitas vezes ocorrido no meio do oceano, pode ser sentido muito de leve, mas a tsunami que vem depois pode ser arrasadora.

Compartilho com vocês a humilhante experiência que vivenciei no Peru: era noite, estava jantando no hotel. Pedi uma sobremesa que tinha um pouco de licor. Como nunca bebo, o licor bateu forte e me fez ficar um pouco tonta quando levantei. Voltei para o quarto comentando com a pessoa que estava comigo “Nossa, o licor dessa sobremesa me deixou tontinha”, ao que o funcionário do hotel disse “Não, senhora, é um terremoto. Temos alerta de tsunami, peguem seus pertences, pode ser necessário evacuar o hotel”. Diante desde vexame aprendi que um tremelique de leve, daqueles que pode ser confundido com o efeito de um licor, pode trazer uma enorme danação aquática. Fica a dica.

Para dizer que se tiver terremoto aqui não dá tempo de nada disso pois desaba tudo na mesma hora, para dizer que torce por uma tsunami no Rio de Janeiro ou ainda para dizer que hoje era dia do Somir e você queria um texto nerd: sally@desfavor.com

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Comments (15)

  • Passei uns dias em Coquimbo, no Chile em janeiro de 2016. A cidade tinha sido atingida por um tsunami no ano anterior e estava se refazendo.Pra todo lado víamos placas de alerta indicando a direção a ir em caso de tsunami. Ficamos em um camping próximo à praia, e um belo dia estava eu de boa lendo um livro quando toca uma sirene e eu congelei. Mas antes de sair correndo em pânico comecei a observar as pessoas. Estavam todas calmas, como se nada estivesse ocorrendo. Então fui procurar saber. A sirene era de uma empresa da região, indicando o horário do almoço. Humor negro ou o quê?

    • Porra, precisava dar o alerta do almoço com o mesmo som de um alerta mortal? Imagino a taquicardia que você passou…

  • O que dizer da galera aqui no Brasil que evacua prédio e fica EMBAIXO da estrutura porque é onde tem sombra?

    Uma hora dessas Darwin vai ter ataques de riso

    • Olha, aí é melhor deixar a evolução natural agir mesmo.

      Felizmente esse tipo de pessoa nunca vai ler quatro páginas, então, assim que tiver o primeiro desastre letal, estaremos livres destes genes retardados.

  • Muito boa a explicação! Didática com pitadas de humor sempre funcionam. Ei, você poderia fazer um guia de como sobreviver a ataques de cães de rua? Infelizmente na BOSTA da minha faculdade tem muitos cães que andam em bando, e eu já fui atacada várias vezes. Help!

    • Posso sim, vou fazer com certeza, o que mais tem é irresponsável passeando com máquinas mortíferas sem coleira!

      Se você gostou deste texto, dá uma olhada em todos os outros da série Primeiros Socorros. Pode ser que um dia te sejam úteis!

  • Christiane Smith

    Aqui na Nova Zelandia o hit musical e Shake, Shake, Shake…. quase toda semana tem alguma atividade sismica. Na TV, a campanha pra populacao e : Drop, Cover and Hold! Gracas a Deus nunca presenciei um terremoto.

  • Tem gente que diz “ainda bem que o Brasil não tem terremoto, tsunami, furacão…”. Eu também digo, só que não porque assim fiquemos em tese a salvo desses grandes desastres naturais, mas porque se apenas um realmente acontecesse, esta pocilga, sendo o que é, jamais se recuperaria.

  • “Por sinal, muitas vezes a tsunami acaba sendo um problema ainda maior que o terremoto. Então, fique atento a alerta de tsunami ou, se for em um lugar muito tosco (como no caso, é o Brasil), apenas vá para um local mais alto”.

    Isso é válido não só para locais toscos. No tsunami do Japão, muita gente morreu porque seguiu bovinamente as instruções inflexíveis de evacuação.

    Teve uma escola que fez a evacuação a tempo, mas ficou no nível do prédio em uma ponte próxima, que era o local determinado pelos manuais de treinamento para se abrigar do tsunami. Só que o tsunami veio em uma altura jamais cogitada, que ultrapassou facilmente as barreiras no litoral, e varreu do mapa todos dessa escola. Só sobreviveram um aluno e um professor que, cansados de tentar convencer os outros, correram para a colina mais próxima atrás da escola.

    (Depois, pegaram esse professor para cristo, e ele se matou…)

    De resto, morei um tempo lá também, em lugares em que havia centenas de tremores por dia…O guia aqui está bem completo.

    • Se no Japão, país civilizado e organizado, esse tipo de coisa já acontece, se tiver tsunami no Brasil só as aves sobrevivem…

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