FAQ: Coronavírus – 19

Tem país que só dá a vacina de Oxford para maiores de 60 e tem país que só da vacina de Oxford para quem é menor de 60. Tem país que nem que dar mais. Afinal, quem pode tomar?

A Covishield, vacina fabricada pela Astra Zeneca, conhecida como “vacina de Oxford” vem enfrentando várias polêmicas. Como já falamos dela em outros FAQs, vou citá-las de forma bem resumida:

Quem não quer aplicar em ninguém: Há países que afirmam que algumas variantes, como a da África do Sul, tem o poder de burlar, ainda que parcialmente, esta vacina. De fato, os resultados da imunização com a Covishield na África do Sul são muito mais baixos. Porém, ainda não se tem certeza de que seja pela variante, uma vez que é um país com uma série de questões (como por exemplo altíssima incidência de HIV, que afeta diretamente o sistema imunológico) que podem distorcer a eficácia da vacina. A fabricante, o laboratório AstraZeneca, afirma que a sua vacina é eficaz contra todas a variantes.

Quem não quer aplicar em maiores de 60: Alguns países europeus se assustaram com mortes de idosos após tomarem a vacina. Após diversos estudos cautelosos, se constatou que foram mortes não relacionadas com a vacina, ou seja, essas pessoas iriam morrer de qualquer jeito, por motivos independentes e não relacionado à aplicação da vacina. Assim, foi liberado seu uso para estas pessoas, entretanto, alguns países preferiram, por excesso de cautela, não utilizá-la em idosos.

Quem não quer aplicar em menores de 60 anos: Essa é nova. Vários países alegam que essa vacina pode causar risco, ainda que pequeno, (menos de um em cem mil) de formação de coágulos, especialmente em mulheres com menos de 60 anos. Por isso, muitos países que têm a opção de aplicar outra vacina nesse “público de risco” optam pela outra. Mas ninguém deixou e não acredito que deixem de imunizar se a vacina da AstraZeneca for a única opção.

Então, respondendo a sua pergunta: quem pode tomar é todo mundo. Se houver a chance de escolher entre ela e outra vacina, provavelmente, por excesso de precaução, vão escolher outra para pessoas com menos de 60 anos, principalmente se forem mulheres. Mas ainda não se tem uma comprovação de que os coágulos estejam relacionados com a vacina (podem estar, podem não estar, ainda não sabemos) nem de que todas as vacinas da AstraZeneca possam causar esse efeito indesejado.

Os casos relatados, envolvem lotes de vacina produzido na Europa. Isso significa que se a culpa for de fato da vacina, ainda existe a possibilidade de que seja um problema desse lote (lugares diferentes usam insumos diferentes de acordo com o mercado, os preços ou a disponibilidade).

Só devemos nos preocupar quando ficar provado que 1) de fato a vacina provoca uma propensão a coágulos e 2) o problema não está em um ou outro insumo e sim no vírus que está lá dentro carregando o pedacinho do coronavírus (papo técnico: princípio vacinal), pois neste caso o problema vai se repetir sempre e em todos os lugares.

Até aqui, que você precisa saber: ainda não se encontrou nada que ligue a vacina aos coágulos, mas, mesmo que se encontre, o risco continua muito baixo. É esperado que uma em cada cem mil pessoas tenha um efeito adverso. Isso quer dizer que você não deve tomar a vacina de Oxford? Não. As chances de ter covid são maiores do que uma em cem mil. As chances de morrer de covid são maiores do que uma em cem mil. As chances de ter sequelas por causa da doença também são maiores do que uma em cada cem mil. Vale lembrar ainda que, no Brasil, se você cair em uma UTI tem 80% de chances de morrer.

Com as informações que tenho disponíveis hoje, eu tomaria a vacina de Oxford sem pensar duas vezes, agora mesmo, se me fosse oferecida.


Qual a diferença entre as duas vacinas brasileiras, a Butanvac e a Versamune?

Já falamos da Butanvac no FAQ da semana passada, por isso, vou fazer um pequeno resumo: é vacina de vetor viral, ou seja, um vírus inofensivo para o ser humano (nesse caso, vírus de Newcastle, um vírus de aves) leva um pedacinho do corona para dentro do corpo humano, de modo a que ele seja reconhecido como um invasor sem que, para isso, a pessoas precise pegar a doença.

O que a Butanvac tem de bom: o vírus usado como vetor é um vírus desconhecido do ser humanos, portanto, são maiores as chances de que ele seja identificado pelo sistema imune como uma ameaça e atacado, o que faria o corpo atacar o corona também e formar anticorpos.

Além disso, o vírus usado como vetor pode ser “cultivado” em ovos (uma vez que é um vírus de aves), o que facilita o processo de desenvolvimento no Brasil. É um método bem conhecido no Brasil e no mundo, por isso há muitas “fábricas” prontas para desenvolver vacinas desta forma (como por exemplo as que já produzem vacinas contra a gripe) e de quebra torna o processo muito mais barato.

No momento a vacina está em testes de Fase 2, ou seja, de segurança, quando ela é aplicada em um pequeno grupo de pessoas para avaliar se não despertará reações graves. Depois será necessário realizar a Fase 3, de eficácia, e aí a coisa pode se complicar um pouco, pois quando a Fase 3 chegar quase toda a população com mais de 70 anos deve estar vacinada, impedindo que se teste a eficácia da nova vacina. Talvez seja necessário fazer o estudo de alguns grupos de Fase 3 em outros países.

A Versamune está sendo desenvolvida pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), em conjunto com a startup brasileira Farmacore e o laboratório americano PDS Biotechnology.

Funciona mais ou menos da mesma forma que as vacinas de vetor viral, só que quem carrega um pedacinho do corona para dentro não é um vírus, ele vai “embalado” em uma capinha de gordura especial (papo técnico: nanopartícula constituída por lipídios). Tem esse nome pois a capinha que embala o pedaço do corona é uma tecnologia que recebeu o nome de “Versamune”.

Essa capinha que reveste o pedaço de coronavírus (Versamune) é especial por ter uma tecnologia que a torna capaz de ativar o sistema imunológico, portanto, assim como um vírus, ela será atacada pelo corpo.

Segundo se estima, ela poderia até despertar uma resposta imune melhor do que as outras, uma vez que a capinha estimula a produção das primeiras células de defesa que entram em ação quando o organismo é atacado (papo técnico: Interferons). Isso é especialmente importante, pois o vírus do covid (SarsCov2) consegue desativar o sistema de produção de interferons. Além disso, ativa anticorpos neutralizantes responsáveis por matar todas as células infectadas (papo técnico: Linfócitos T).

Isso é o que cada uma delas promete. Vale lembrar que ainda estão em fase de teste e nem sempre o comportamento na prática é o comportamento esperado. Vamos torcer para que dê tudo certo e para que ambas tenham ótimos resultados e sejam aprovadas pela ANVISA, mas já adianto: é coisa pro final deste ano ou pro ano que vem. Não dá para contar com essas vacinas para controlar a pandemia no momento.


Vem mais vacina de uma dose por aí?

Esperemos que sim. Já tem gente trabalhando nisso.

O Ministro da Saúde da Rússia anunciou a “Sputnik Light”, uma versão da Sputnik V que teria total eficácia em uma única dose. A Johnson´s está expandindo a produção da Janssen. Outras vacinas já em uso, como a Pfizer, estão testando qual seria o efeito de uma dose única e pode ser que alguma delas descubra que, com pequenos ajustes, uma única dose é suficiente. Teremos novidades, provavelmente ainda este ano.

Também estão em teses a combinação de vacinas: uma dose da Oxford + uma dose da Sputnik V, pois diferentes adenovírus aumentam as chances do corpo reconhecer, em uma dose ou na outra, o vírus como uma ameaça e formar um boa resposta imune. Seria uma forma não tão boa, mas relativamente eficiente de ganhar tempo, uma vez que, na falta de uma vacina por qualquer atraso ou imprevisto, seria possível usar a outra.

Mas, isso ainda está sendo testado, não sabemos se é seguro nem eficaz. Por agora, a regra é clara: você tem que tomar a segunda dose da mesma vacina que tomou a primeira dose, é a única coisa segura a se fazer.


O Brasil tinha comprado milhões de doses da Covaxin e a ANVISA negou a importação. A ANVISA está de sacanagem?

Não, a ANVISA não está de sacanagem, ela está fazendo seu papel e zelando pela saúde e segurança dos brasileiros. Quem comprou, comprou sabendo que era um risco. Nós falamos disso na época da compra, em outro FAQ. Avisamos a furada que era comprar uma vacina que ainda não se sabia da eficácia ou se seria ou não aprovada. Deu no que deu: o Brasil resolveu investir no incerto, quando havia outras opções certas e deu um tiro na água.

A ANVISA negou a importação da vacina indiana Covaxin por unanimidade, todos os cinco diretores deram voto contrário, então, não parece que estejamos falando de um probleminha qualquer.

Como já explicamos em FAQs anteriores, qualquer agência de inspeção sanitária (no Brasil é a ANVISA) tem o dever de zelar pela qualidade do que é dado à sua população e uma forma de fazer esse controle é através de inspeção dos países que produzem os insumos (matéria prima para fabricar a vacina). Vão até o local ver em que condições o insumo é fabricado e armazenado.

É como se você quisesse fazer um almoço, mas, para garantir que não teria nenhuma comida estragada ou perigosa, os alimentos tivessem que passar por uma fiscalização antes de serem cozinhados. A ANVISA não quer te ferrar, ela quer cuidar de você.

O problema aconteceu na vista da ANVISA à fábrica, para avalia todo o processo de produção. Não é apenas sobre o insumo ser eficaz, se avalia o risco de contaminação, os protocolos de higiene e muitos outros fatores. Isso quer dizer que não basta que o insumo seja seguro, é preciso ter a certeza que, pela forma como ele é manipulado, ele vai se manter eficaz.

Então, basicamente, o que a ANVISA está dizendo é que esses ingredientes para preparar a vacina não estão sendo preparados ou armazenados dentro de condições mínimas de higiene e segurança e utilizá-los para fazer vacinas poderia colocar em risco de alguma forma a vida da população brasileira.

Por exemplo, não adianta nada ter uma ótima vacina, cujo insumo foi guardado em uma temperatura inadequada, fazendo com que perca todas as propriedades. A vacina, mesmo sendo fabricada com a melhor matéria prima e melhor das higienes, seria ineficaz, não protegendo as pessoas contra o vírus, por causa de um erro no armazenamento.

Difícil apontar exatamente o que deu errado, não é o tipo de informação que se comente abertamente. O que se sabe: na visita realizada pela ANVISA na Bharat Biontech, fábrica indiana que produz a Covaxin, eles detectaram uma série de irregularidades preocupantes.

Foram constatadas 3 infrações gravíssimas, 14 graves e 12 médias, por isso não estão permitindo a sua compra. Não é que a Covaxin nunca poderá ser aplicada no Brasil pois a vacina é ruim, o que se está dizendo é: se quiser que compremos isso, a produção e o armazenamento têm que seguir alguns protocolos de higiene e segurança que não estão sendo observados.

SE a fábrica se adequar a essas imposições da ANVISA, consideradas como mínimas para assegurar segurança e eficácia da vacina, o Brasil pode ser autorizado a comprar. Até lá, o Brasil não vai comprar. Será que a Bharat Biontech vai se adequar a mais de 20 exigências ou vai vender para países que não fazem essa fiscalização?

E, mesmo que resolvam readequar suas fábricas para poder vender para o Brasil, quanto tempo isso vai demorar? Infrações gravíssimas normalmente demandam mudanças significativas na fábrica, o que implica em tempo e dinheiro. Por isso, o meu chute (que pode ou não ser correto) é o que de que a Covaxin não será mais uma opção a curto prazo para o Brasil.


Que porra é essa de vacina veterinária contra covid? Vocês falaram que bicho não pega!

Calma lá, nós falamos que pets, cães e gatos, não contraem covid e que não haveria risco de eles contagiarem seus donos. Porém, também falamos de outros animais que poderiam ter covid, como o clássico caso dos milhões de visons abatidos na Europa em outros FAQs. Então, a vacina veterinária não é para sua poodle Mel ou seu gatinho Tico. É para animais de criadouros que podem contrair a doença.

Se os visons tivessem tomado uma vacina que os impedisse de contrair covid, a indústria dos casacos de pele à qual eles pertenciam não teria ido à falência. E em muitos países a indústria da pele representa uma parcela significativa da economia. Então, não é uma vacina para salvar seu animal amado, é para manter as indústrias que giram em torno desses animais funcionando.

Dito isto, vamos aos detalhes. A Rússia registrou a primeira vacina contra covid-19 para uso veterinário, a Carnivac-Cov. Ela se destina não apenas a proteger animais, mas também impedir eventuais mutações que possam ocorrer nesses animais.

Ou seja, se protege o animal que, por algum motivo se entende que tem que ser resguardado (spoiler: por dar lucro ao humano) e ainda se tenta evitar que o vírus mute e, por azar, surja uma nova versão desse vírus que pode passar a pular destes animais para humanos.

Além disso, também existe a intenção de impedir que o vírus mute e passe de um bicho que não é tão relevante para a sociedade para animais mais relevantes. Exemplo: se você não puder chegar perto de um Pangolim por risco de ele estar contaminado, tá tudo bem. Se você não puder comer carne de Pangolim também está tudo bem. Mas, se um dia o vírus aprende como passar de um pangolim para uma vaca ou uma galinha, a sociedade vai ter que rever toda sua estratégia alimentar.

Óbvio que a vacina pode ser usada como promessa de proteção para pets se o fabricante quiser encher o bolso de dinheiro. É provável que milhões de donos do mundo todo se sintam tranquilos dando essa vacina para suas mascotes. Não parece algo de muita utilidade, mas não vai faltar gente que queira vacinar seu pet. Precisar, não precisa. Ainda.

Para dizer que não entende porra nenhuma, mas continua lendo esta coluna mesmo assim, para dizer que você vai vacinar seu pet ou ainda para dizer que quer mais é que a indústria de peles vá à falência: sally@desfavor.com

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Etiquetas: ,

Comments (8)

  • Eu confesso que desconhecia essa informação sobre a “vacina veterinária contra covid”. Importante saber que que essa vacina não surgiu apenas para proteger animais – e as indústrias que deles dependem -, mas também para impedir que mutações do vírus que possam vir a ocorrer cheguem a passar para seres humanos.

    • Tá recém saída do forno essa vacina, salvo engano foi lançada essa semana. Já já começam os mercenários a dizer que tem que vacinar seu pet.

    • Quando eu comecei, achei que não passaria da décima edição. Não que o covid não fosse durar, achei que não teria muito mais o que dizer. Infelizmente tem muito a dizer. Espero que não chegue ao 100…

  • Aposto que tem muito retardado, digo, pai de pet, digo, pessoas legais que estão mais preocupadas em vacinar seus pets do que seus filhos ou pessoas vulneráveis próximas.

    • Pode apostar que tem fdp saindo com nariz de fora da máscara, indo almoçar na casa da mãe “tomando todas as precauções” e cometendo todo tipo de erro e egoísmo mas que vai fazer questão de ser o primeiro na fila da vacina para pet.

  • Distanciamento social, fique em casa, fim da cultura do toque… De algum modo a pandemia pode servir para trazer uma brisa gelada de introversão neste povo demasiado extrovertido. E isso é positivo. A cultura tem muito o que se beneficiar desta transformação.

    • Ou justamente o contrário: quando isso acabar, o brasileiro vai ser mais espalhafatoso, espaçoso e pegajoso ainda, como rebote. Torço para que você esteja certo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: