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Droga de trabalho.

Droga de trabalho.

| Desfavor | | 63 comentários em Droga de trabalho.

Drogas ilícitas são consumidas por uma considerável parcela da população. E tirando casos onde o vício é severo demais, a maioria delas continua trabalhando. Sally e Somir discutem como empresas devem lidar com isso. Os impopulares oferecem sua dose.

Tema de hoje: Empresas devem fazer testes regulares para uso de drogas em seus funcionários?

SOMIR

Não. Somos inocentes até que se prove o contrário. Meu argumento dessa vez tem um pouco de idealismo, mas também vai passar pela realidade que muitos não gostam de enxergar: as drogas são parte integrante da sociedade humana. A definição do que é ilícito parece que foi feita na base do uni-duni-tê…

Mas primeiro vamos separar a minha visão sobre o assunto do da Sally, porque por mais que nós dois sejamos contra a liberação da maconha como já mencionamos várias vezes, o fazemos por motivos diferentes. Eu sou favorável à liberação total das drogas, da maconha à heroína ou mesmo ao crack. No meu mundo ideal, o Estado se posiciona contra o consumo de substâncias viciantes do tipo, mas não faz essa ridícula guerra contra as drogas que só serve aos interesses de quem quer sustentar um lucrativo mercado negro. Nada de ficar escolhendo qual pode, qual não pode (e dando chancela para algumas): todas liberadas, mas cada um que assuma a responsabilidade sobre o que consome.

Pois bem. Dito isso, ao ponto mais idealista dessa conversa. Bom, talvez o segundo, já que acabei de falar de liberação total das drogas… todo o sistema autoritário incentiva que seus cidadãos acusem uns aos outros, até porque isso é perfeito para quem quer governar na desunião. Se seu vizinho te vigia, a chance de você se rebelar contra o sistema diminui consideravelmente. Um sistema controlador que dá força demais ao ato de acusar na verdade está trabalhando na manutenção do próprio poder.

Tanto que em sociedades atrasadas como a brasileira, o que não falta é caso de gente condenada só por ter sido acusada. É conveniente que as pessoas enxerguem umas às outras como culpadas potenciais: criminosos podem estar em qualquer lugar! Difícil olhar para cima quando o perigo parece estar ao seu redor. Essa ideia de que o crime está escondido no seio das suas relações interpessoais é uma estratégia clássica de paranoia coletiva que sustenta sistemas ditatoriais, corruptos e ineficazes desde… bom, desde que temos uma sociedade.

Cada empresa que caia nesse conto como bem entender, mas se perguntarem para mim… comigo não. Exames toxicológicos são acusações diretas de consumo de drogas ilegais. E como Sally provavelmente vai deixar claríssimo em seu texto, isso é crime. Você sairia nas ruas apontando pessoas aleatórias dizendo que elas estão cometendo crimes? Duvido que faria, até porque isso também é crime. Calúnia.

Mas vivemos num sistema que acha o máximo que a população perca tempo lutando entre si. Não é calúnia apontar para seu empregado e dizer que ele usa drogas… não, imagina só fomentar o respeito e a confiança entre as pessoas? Em pouco tempo o sistema todo cai. Não podemos arriscar isso, podemos?

“Mas, Somir, quem não deve não…” Argh… é isso que querem que você pense. Se todo mundo ceder seu direito à presunção de inocência, acaba o conceito de privacidade e a possibilidade de reorganização social. Um sistema que pode te acusar de qualquer coisa e te forçar a se provar inocente é um sistema que não cai, seja lá a merda que fizer.

Mas eu sei que esse tipo de argumento não cola muito bem aqui, ou em geral. Lei do menor esforço (mental). Vamos ao que te interessa no curto prazo, afinal, é isso que importa, não? Pode-se argumentar que o usuário de drogas ilícitas tem rendimento reduzido, e que é do interesse da empresa garantir que isso não ocorra. Razoável… mas acusar todo mundo de drogado por causa disso parece um preço caro demais, ainda mais se levarmos em condição como é mais simples… analisar o desempenho do funcionário. Se caiu, caiu. Age-se de acordo então.

Se não caiu, e a verdade é que um funcionário que usa drogas comuns em quantidades recreativas dificilmente tem queda de produção, então para a empresa, tudo está como deveria estar. Tem quem defenda intervencionismo da empresa na vida privada do funcionário, eu acho uma invasão escrota de privacidade. A empresa não tem o direito de ditar como o funcionário vive sua vida, estamos na porra do século XXI.

Até porque viemos de um longo caminho desde a escravidão generalizada. O ser humano mudou. A vida dele não pertence mais a quem emprega sua mão de obra, foi um trabalho do cão para implementar os direitos humanos e finalmente ter um mínimo de separação entre vida pessoal e função produtiva. Ninguém é mais escravo para viver em função de seus “donos”. Pau no cu da empresa que quer reimplementar a desumanização da sua mão de obra.

Se eu mandasse nessa porra toda, a empresa que fizesse exames toxicológicos nos seus funcionários teria que responder por calúnia para cada um que voltasse com o resultado negativo. Não dá para escolher quando você é humanista por conveniência: ou é ou não é. Violaram o princípio da inocência e tentaram transformar o funcionário em escravo ao intervir em sua vida pessoal.

E, alô alô, as pessoas usam drogas. Usam muitas drogas. E ainda fazem coisas complexas depois disso. Para cada um jogado numa sarjeta, mil estão vivendo suas vidas sem levantar suspeitas. O problema nunca foi a existência das drogas, sempre foi a proibição delas: criando tensões desnecessárias, enriquecendo bandidos e marginalizando pessoas fragilizadas.

Se quer resolver alguma coisa, resolve direito. Sair acusado as pessoas indiscriminadamente só serve aos interesses de quem está fodendo com nossas vidas. Eu não caio nessa. E você, cai?

Para dizer que eu devo ser muito drogado, para dizer que é mais fácil só aceitar como as coisas são, ou mesmo para dizer que como advogado eu sou um ótimo publicitário: somir@desfavor.com

SALLY

Empresas devem fazer testes regulares para uso de drogas em seus funcionários? SIM.

Não estou dizendo que deveria haver uma lei que obrigue TODAS as empresas a fazê-lo, faz quem achar que é bom para a empresa. Eu acho. Se eu tivesse uma empresa, eu faria, principalmente se houvessem setores onde atenção, concentração e precisão fossem importantes, como por exemplo pessoas operando maquinário. Não vejo mal algum em instituir uma política preventiva como essa.

Goste você ou não, concorde você ou não, uso de drogas é crime. Não é punível com prisão (papo técnico: descarcerização), mas, ainda assim, continua sendo crime. Logo, uma empresa tem total direito de investigar se um funcionário seu está ou não cometendo um crime. Claro que para isso não pode invadir a privacidade do funcionário, não pode arrombar a porta da sua casa, nem obriga-lo a nada. Mas um exame não é necessariamente uma invasão de privacidade. Muitos funcionários são obrigados a fazer exames regulares (HIV, Hepatite e até mesmo de uso de álcool). Não vejo razões para condenar um exame toxicológico.

Você pode dizer que o que uma pessoa faz no seu horário de lazer é problema dela. Daí eu te relembro que, mesmo nas horas de lazer, não nos é permitido cometer crimes. No dia em que isso mudar me avisem, que eu já saio do trabalho com uma motosserra, para fazer a Dexter. Além disso, o uso de muitas drogas deixa um “aftertaste”, por assim dizer. Consequências ou sequelas que podem sim afetar o desempenho no trabalho, horas dias e até meses após o uso.

Ninguém é obrigado a fazer um exame que não quer, nem mesmo de DNA, mas ninguém é igualmente obrigado a trabalhar em uma empresa. Se eu tenho uma empresa e coloco esse exigência clara no momento da contratação, trabalha para mim quem quer. Minha empresa, minhas regras, desde que não viole a lei. E a lei, queridos Impopulares, a lei permite que nos testem com exames o tempo todo. Portanto, se alguém pretendia usar esse argumento hippie de privacidade, vá tomar um banho e passar desodorante.

As próprias leis trabalhistas, protetivas ao extremo, dizem que se um funcionário cometer um crime ele pode ser demitido por justa causa. Não faria sentido permitir demissão e impedir a apuração do cometimento desse crime. Vamos supor que você é dono de um hospital (sim, hospital é uma empresa) e desconfia que um médico está realizando cirurgias bêbado. Qual seria a coisa decente a se fazer? Pedir que realize um exame que ateste sua sobriedade, caso pairem dúvidas sobre ela. Isso todo mundo aceita. Então por qual motivo não poderia ser feito um exame toxicológico também? Ou alguém acha que uma cirurgia feita, por exemplo, sob efeito de LSD, seria precisa e bem sucedida?

Não se trata de caça às bruxas nem de punir ninguém, se trata de zelar pela saúde da empresa, pela boa prestação de serviços, pela confiança que a marca terá para com seus funcionários. Se você quer viver no Brasil, sinto lhe informar, não é direito seu usar drogas. Goste você ou não, concorde você ou não, é lei, é proibido. Não vai respeitar a lei vigente no seu país? Bem, existem consequências. Arque com elas de forma adulta, assumindo responsabilidade pelas suas escolhas, em vez de tentar argumentar para se safar. Você tem o direito de não trabalhar naquela empresa. O que não pode é o funcionário pretender que a empresa se adapte a ele. É o funcionário que deve se adaptar à empresa.

Acho que todos nós temos o direito de não querer contratar uma pessoa que comete um crime rotineiramente. É certo? É errado? É radical? É exagerado? Pode ser, mas nada disso está sendo discutido. Estamos discutindo se empresas devem realizar testes para saber se seus funcionários usam drogas. E digo mais: não necessariamente uma empresa tem que demitir um funcionário se descobrir que ele usa drogas. É subjetivismo, tudo dependerá da droga utilizada, da quantidade e do cargo que aquele funcionário ocupa. Poucas gramas de maconha em um cartunista não geram perigo para uma empresa, mas grande quantidade de ácido em um neurocirurgião sim.

A empresa tem o direito de saber. O empregado não é obrigado a se sujeitar a um exame, pode simplesmente optar por trabalhar em outro lugar. Mas a empresa tem o direito de saber, pois pode afetar diretamente no seu funcionamento e até colocar em risco a vida de seus funcionários. Um operador de guindaste cheirado, um piloto de submarino cheio de bala, um membro do esquadrão anti-bombas cheio de LSD não são bons para seus colegas de trabalho.

A pergunta que estamos fazendo é macro. Hora de sair da sua caixinha e exercitar pensar como um todo. Não é porque VOCÊ, no SEU trabalho não afeta ninguém nem coloca em risco a vida dos seus colegas que o resto do mundo acompanha. E mesmo que não exista risco, a empresa tem o direito de saber, para avaliar o quanto isso afeta a produtividade. Não se engane, capitalismo é isso: estão te pagando para produzir, sua produtividade é sim um produto, um bem com valor mensurável. Se não topa essa regra, seja profissional liberal e faça o que quiser da vida.

Tudo na vida tem ônus e bônus. No Brasil, a eterna busca é conseguir o bônus sem ter o ônus, coroação da esperteza e da malandragem. Profissionais liberais são donos do próprio nariz, ninguém os manda, ninguém os cobra, ninguém os controla ou fiscaliza. Mas eles não tem férias pagas, não tem décimo terceiro, não tem descanso semanal remunerado. Eles arcam com o risco do próprio negócio, pagam as contas do próprio estabelecimento, ditam as próprias regras.

Mas não, o brasileróide quer ter o conforto de um patrão que arque com o risco do negócio, que lhe banque férias, que custeie o local de trabalho e quer ter a independência e insubordinação do profissional liberal. Malandrões, espertões, cheios de “direitos”, cheios de indignação com a cobrança dos patrões. Não é assim que a banda toca. Quer entrar em uma empresa e ter uma série de bônus? Sujeite-se às normas da empresa, se elas não forem de encontro à lei, podem ser cobradas. Cabe a você topar trabalhar lá ou não. O que é inadmissível é topar trabalhar dentro daquelas normas e na sua hora de cumprir reclamar, se recusar, discordar. Isso é estelionato intelectual.

Vou repetir, caso alguém tenha esquecido ou tenha sido tomado por uma falsa sensação de impunidade classe-média: uso de drogas é CRIME, você não tem direito algum de fazê-lo. Aceita que dói menos, ou se muda para a Holanda.

Para se comportar como um bebê chorão tentando defender seu direito a fumar sua maconha, para dizer que preferiria trabalhar para EI do que para mim ou ainda para fazer ressalvas suficientes para concordar com ambos: sally@desfavor.com


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