Muito se fala na “dificuldade em dizer não”. Livros de autoajuda traçam teorias mirabolantes que passam desde a baixa autoestima até o signo da pessoa para explicar e dar uma receita mágica para esse problema de não conseguir dizer um “não” com tranquilidade. Já venho pensando sobre o assunto faz tempo e decidi escrever justamente por ter um distanciamento saudável do problema, já que minha maior dificuldade é dar “sim”. Será que está mesmo no emissor o problema em dizer um “não”?

NÃO. (não disse? Sai com uma facilidade…). Eu acredito que a dificuldade que afeta cada vez mais pessoas em dar “nãos” não reside no emissor e sim no receptor. Reflita sobre você, reflita sobre as pessoas que você conhece. Qual é a reação ao levar um “não”? Normalmente não é boa. “Não” significa limites e sabemos que limites não é a especialidade da casa no Brasil. Ok, é esperado que ninguém fique propriamente feliz quando recebe um “não”, mas ultimamente a reação das pessoas está perdendo a proporcionalidade.

Garanto que todo mundo aqui conhece alguém que se ofende quando leva um “não” e usa isso para depreender coisas negativas de quem lhe nega algo. É aquela pessoa que pediu seu carro emprestado uma vez e devolveu-o sujo, arranhado e com tanque vazio, mas quando leva um “não” ao pedir novamente, justifica dizendo que você “está se achando”, que “desde que comprou esse carro virou as costas para os amigos” ou qualquer coisa que te coloque como pessoa egoísta, mesquinha e escrota. Mais fácil isso do que fazer uma autoanálise dos erros que possam ter gerado esse comportamento. Para essas pessoas, é preciso cobrir de merda quem lhes deu uma negativa, de modo a justificar para si mesmas e para terceiros a recusa sem que se presuma nada ruim a seu respeito.

Tem também gente que desaba com não. Vira geleia. Parece que você destrói com a vida da pessoa. Um não vira sinônimo de “eu não gosto de você” e a pessoa se retrai de uma forma que chega a dar pena. Não raro param de falar com quem lhes negou algo, pois acreditam que quem é amigo de verdade não nega nada. Se mega-ofendem. Um mecanismo perverso mais ou menos semelhante a aquele das mamães que acreditam que se você ama o filho, tem que achar tudo inerente à maternidade maravilhoso. Essa pessoa que desaba com a negativa não está fazendo tipo, ela realmente fica magoadíssima, pois sente “perceber” que uma amizade que ela achou real era falsa: “amigos não negam nada uns aos outros”. Taí uma boa pessoa para se ter por perto para pedir dinheiro emprestado…

Tem aquele tipo de pessoa chata, sem semancol, sem adequação que discorda do seu “não”. Gente, “não” é “não”. Não cabe fazer juízo de valor, eu quero que se foda muito se alguém concorda ou discorda do meu “não”, a escolha é minha, ninguém está dentro de mim para avaliar os prós e os contras, o custo que eu como pessoa terei ao aceitar ou recusar. Tenho pavor de gente assim! Gente que fica contestando, recriminando, dizendo que seu não é “sem sentido” e te obriga a se explicar! Não faz muito tempo eu passei muitas linhas explicando um não (do Somir, pior ainda!) para uma pessoa que simplesmente “não concordava”, quando, no meio do processo, percebi o ridículo da coisa. Oi? E se você não explica, a pessoa fica putona e senhora da razão: “tá vendo? Não tem argumentos!”. Mas gente… “não” não precisa de argumentos, é direito potestativo de quem o dá, ou seja, uma decisão unilateral à qual todos os outros tem que se submeter. Você pode sim mover mundos e fundos para tentar reverter o quadro, mas jamais questionando a validade do “não” da pessoa, pois isso é estuprantemente inconveniente.

Tem os sonsos, que você dá o “não”, explica o “não”, explica até os motivos do “não” (um plus que não deveria ser necessário) e acha que está tudo ok. Mas não, a pessoa continua se determinando conforme o que ela acha correto. Em resumo, ela caga para o seu “não” por não concordar com ele e passa por cima. O mais curioso é que costumam ser pessoas sem o menor subsídio para questionar esse “não”, por desconhecer uma série de realidades do seu interlocutor, mas ainda assim, elas se sentem no direito de estar acima desse “não” e continuar fazendo o que querem. Alguns o fazem por não ter limites, outros por não perceber limites. Gente carente, gente stalker, gente desesperada pisoteia em regras mais pela sua própria disfunção social ansiosa do que por maldade. Fato é que se você der uma endurecida e reforçar o “não” de um modo incisivo, a pessoa fica putíssima. Todo o amor que ela tinha por você se transforma em ódio em um piscar de olhos. Já vimos acontecer aqui dezenas de vezes.

Tem gente que parte para a briga abertamente depois de um não. Se sentem os injustiçadões. Ficam re-vol-ta-dos. Entendem o “não” como uma agressão pessoal e não conseguem conter sua raiva. Encaram, inclusive, como falta de educação: “aquela mal educada, ela teve coragem de dizer um não na minha cara, acredita?”. Acredito. Dizer “não” é saudável e necessário. São pessoas que dizem “não” o dia todo, mas quando dizem “não” a elas, não sabem lidar. Pessoinhas bélicas, que não sabem trabalhar nenhum sentimento negativo dentro de si e por isso transformam tudo em raiva. Está triste? Vira raiva. Está com medo? Vira raiva. Está constrangida? Vira raiva. Está frustrada? Vira raiva. O “não”, como qualquer outra coisa que gere desconforto, vira raiva. E a pessoa vem que vem, pra cima de você, na certeza que tem razão. Obrigada ao PT por esses babacas bélicos.

Tem os paranoicos, que depreendem uma dezena de motivos ocultos tenebrosos para esse “não”. Já brota uma teoria da conspiração com coisas horrorosas, que, depois de muito repetidas, acabam assimiladas como verdades pelo cérebro desta criatura. Nem fodendo que ela te confronta com isso, jamais. Conta para seus amigos, seus vizinhos, sua família e seu cachorro, mas nunca para você. Espalha o boato, que, por envolver teoria da conspiração, costuma ser muito suculento, sendo passado adiante com facilidade. Pessoas que não conseguem lidar com as diferenças, pessoas que não conseguem ficar sem compreender algo (afinal, só quem entende é quem dá a negativa) e criam uma história para elaborar esse “não”. Religiosos bitolados, aquele abraço!

Acreditem se quiserem, tem gente que chora quando leva “não”. Chora mesmo, que nem criança. Não sente raiva de você, aceita seu não, mas aquilo é tão inesperado e difícil de lidar que a pessoa começa a chorar. Tenho para mim que o ganho secundário deve ser tentador: muita gente deve repensar o “não” ao começar uma crise de choro. Por tentativa e erro, ainda que seja de forma inconsciente (e não deliberadamente manipulatória), a pessoa é recompensada pela conduta, fazendo com que ela não se esforce para que isso não se repita.

Estou entrando na terceira página, meu tempo está acabando. Consigo pensar em muitos outros tipos de pessoas que não sabem lidar com negativas de forma saudável, mas acho que já me fiz entender. Será que o problema é mesmo de quem dá o “não”? Francamente, eu acho que estamos olhando pelo ângulo errado. O problema está em quem recebe o “não”. Brasileiro não sabe receber “não”, sempre lidou mal com limites. Perda de tempo direcionar esforços para o emissor, é hora de educar o receptor.

Uma prova disso é a forma como brasileiro lida com as leis, que são o grande “não” da sociedade. Não concorda? Não cumpre. Fuma sua maconha de boinha, pois não concorda que seja droga nem que faça mal para a saúde. Suborna o guarda por não concordar que tenha que fazer vistoria no carro. Sonega imposto por não concordar com o valor que é cobrado (não gosta? Mude de país ou conteste o valor dentro a lei). Não vai trabalhar no meio do feriado enforcado e atravessa um atestado médico frio por se sentir explorado… em resumo, o brasileiro está muito, muito, muito mal acostumado. Lei é LEI, concordando você ou não, tem que ser cumprida. Só assim se vive em um Estado Democrático de direito, só assim se faz um país civilizado! Exigem o cumprimento severo da lei para desafetos ou “bandidos” mas eles mesmos não a respeitam!

Nesse contexto, acho muito normal e compreensível que as pessoas tenham medo, dificuldade ou receio em dar um “não”. Estas pessoas que tem esse temor não tem problemas, muito pelo contrário, são muito saudáveis e conscientes da realidade que as cerca. Quem tem problemas são os imbecilóides que não sabem se portar de forma civilizada ao receber uma negativa. Não confundam, não acho que ninguém deva engolir calado. Acho muito válido tentar compreender o motivo do “não”, afinal, entendendo as razões talvez seja possível chegar a uma solução que seja bacana para ambas as partes. Mas contestar? Não aceitar? Questionar a validade de um “não”? NÃO!

Neste ponto os menos evoluidinhos devem estar pensando que o problema é sim do emissor, afinal, tem que “cagar e andar” para a opinião alheia. Vamos colocar uns pingos nos “is”? Se você não termina com a sua namorada para não vê-la chorar você é um banana, se você termina com a sua namorada e está cagando e andando se ela vai chorar, você é um cuzão. Se afetar com o mal, que causa a terceiros é o mínimo que se espera de um ser humano decente. Sendo este mal justificado ou não, afinal, mesmo sem um motivo que você ache válido, o sofrimento é real. Não é para deixar de fazê-lo, mas certamente consigo entender que seja mais difícil ao saber que vai gerar um dano. Então, reforço: acho compreensível quem tem dificuldades em dar um não sabendo que vai ter choradeira, agressão e outros problemas.

Um parágrafo de menção honrosa às mulheres. “Não” de mulher vale merda no Brasil. Por algum motivo, muitos homens acham que “não” de mulher é um “sim” que ela não está querendo dar por charminho. “Não” é NÃO, foda-se se você acha que internamente a mulher queria um sim, se está dizendo “não”, é NÃO e tem que respeitar. A negativa feminina é tudo, menos uma negativa válida: histérica, está de TPM, frígida, mal resolvida, maluca. Tem sempre um bom motivo para qualquer negativa, seja ela ou não de caráter sexual. “Não” de mulher é absurdamente mais difícil do que de homem, não sou militante do feminismo, mas nesse ponto eu lhes asseguro que a vida fica muito mais difícil para nós, mulheres.

Dizer “sim” é sempre mais fácil a curto prazo. Pessoas que dizem sim a tudo são pessoas que não tem trabalho imediato, mas no futuro… no futuro pode ser que tenham ainda mais trabalho do que quem diz “não”. Quando você crava uma negativa firme, aquela questão nunca mais volta para te assombrar. É chato, é sofrido, mas resolve o problema. O “sim” gera obrigações futuras que, se não cumpridas, gerarão putez mais do que justificada e portas abertas para novos pedidos. Contrariando todo o positivismo arco-íris que anda na moda, só digo “sim” em último caso e acho um desfavor essas campanhas estimulando a dizer mais “sim” do que “não”. No Brasil, isso é desserviço.

Fica meu conselho a você, na dúvida, manda uma negativa. “Não” é facílimo de reverter: dá um não e depois, por algum motivo, pensa melhor e converte ele em um sim. O que você é? Heroína, benevolente, deusa, fofa, flexível. Agora faz o contrário. Começa com um sim, e depois converte em um não. O que você é? Uma filha da puta, uma escrota, uma traíra que não tem palavra. “Não” deveria ser a regra, em nome do bem estar social. “Sim” gera muito mais conflito a longo prazo. Mas as pessoas só querem se livrar do problema temporariamente, em vez de resolvê-lo. Dizer não é ótimo, mas dá trabalho. Trabalho ninguém quer.

Acho escroto, acho injusto e acho burro esse peso que se colocou nas pessoas que tem dificuldade de dizer “não”. Estranho seria se, com esse tanto de reação bizarra, as pessoas conseguissem dar negativas como se nada. Em vez de cair em cima delas, que tal começarmos a cobrar dos babaquinhas que não sabem escutar uma negativa? Eles é que precisam de pressão, autoajuda e ensinamentos. Pessoas que tem dificuldade em dizer “não” devem ser libertas, elas não tem dificuldade em dizer não, o resto é que tem dificuldade em ouvi-lo, causando esse processo compreensivelmente sofrido.

Para dizer que é mais fácil mudar de país do que educar o brasileiro, para repensar a reação das pessoas que te cercam a um “não” ou ainda para repensar a sua reação ao ouvir um “não”: sally@desfavor.com

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Etiquetas: , ,

Comments (24)

  • Aprender a dizer NÃO é libertador. A gente se sente mais dono de si mesmo. Dizer NÃO cria em quem recebe um respeito, uma distância muito importante.

  • Não será em certo sentido que essa dificuldade em receber um não está ligada a má educação na infância? Pensando aqui no contexto de Brasil especificamente, né? Vejo muitas mães aí “frouxas” que não conseguem dizer não, ficam com dó de impor limites sob pena de traumatizar a criança de alguma maneira, daí… Acrescente também o fato de sempre terem tudo na mão do jeito que querem, e daí acabam que crescendo essas pessoas sem limites e com dificuldades de lidar com negativas na fase adulta.

  • O pior é que muitas vezes é mais fácil dar um motivo qualquer do que dizer que vc disse não simplesmente pq quis (dar o fora em alguém é melhor exemplo disso) pessoa não aceita que vc simplesmente não quer. Tem que existir um motivo maior uma explicação de outro mundo para que ela possa aceitar do contrário como dito no texto se sentem injustiçadas, ofendidas.

  • “Não” é difícil de assimilar pela latinada por causa da sua passionalidade exacerbada inerente, que faz brotar tragédia, choro e ranger de dentes por dá cá aquela palha. Os civilizados teutônicos e germânicos dão “não” com tanta naturalidade quanto os que o recebem aceitam-no sem maiores contestações. Digo isso com a experiência de quem viveu no meio deles seis anos, tanto aqui como lá; por isso que eles são tão objetivos e focados.

  • Esse texto resumiu claramente o verdadeiro problema referente a dizer não aos outros: às vezes temos de lidar com interlocutores que, ou são muito burros ou querem ser malandros, questionando seus motivos (que são só pertinentes a você), ou apenas pelo gostinho de contrariar sua vontade (parece que tem gente que sente prazer em contrariar e emputecer as pessoas)

    Este texto jogou uma luz sobre outro ângulo de um problema que eu conheco muito bem…

    • A culpa é dos porras mal educados que não sabem ouvir um “não”. Ninguém é obrigado a ter paciência de ficar se explicando a casa”não” que tiver que dar!

  • Isso é a mais pura verdade. A maior prova pra mim foi quando um rapaz, ao saber que eu era bissexual, pediu pra ficar comigo. Eu namoro e disse NÃO. Ele soltou: se você não quer ficar comigo, então você não é bissexual.

  • Sally querida…qual parte do Não você Não entendeu?…rs
    Não, não me incomoda que alguém fique o que ficar, seja triste, chateado, enfurecido…enfim…isso vale para tudo e todos (família, desconhecidos, amigos, aliens, pets,CHEFES…), inclusive pra mim. Ou acha que não me respondo NÃO? Ahhh…são tantos…

    • Eu também distribuo “não”, apesar de me incomodar em causar sofrimento nos outros. Uma coisa não vincula a outra.

  • Sally, estou procurando um texto parecido com este que vc escreveu anos atrás. Era sobre foras. Que a maioria das pessoas leva um fora e fica questionando o pq do fora. Vc era enfática dizendo “Não pergunta, não questiona o pq do fora”.
    Vc lembra qual era o título/tema deste texto?

    • Certamente era um Sally Surtada, busca no Google Sally surtada + fora, eu nao lembro desse texto. Mas penso assim: se a pessoa não me quer mais, pouco me importa o motivo, eu não quero estar com quem não me quer!

  • Não tenho problema nenhum, dou um belo não (pra qualquer situação), se a pessoa insiste ou tenta me convencer do contrário, ou simplesmente quer bater boca, pergunto: “qual parte do NÃO você NÃO entendeu??”, acaba com a discordância na hora!

  • Adorei o texto, ainda não tinha pensado por esse lado e realmente, o problema está muito mais com os ofendidos que não conseguem receber o “não”.

    Eu mesma tenho certa dificuldade de soltar “nãos”, apesar de o fazer quando sinto que o “sim” vai me prejudicar.
    Agora, a pergunta que fica é: quando e como será possivel educar o brasileiro, para que as pessoas decentes saiam do confronto entre ser a chata do “não” ou falar sempre “sim” mesmo não querendo?

    É um desfavor ter que viver com a preocupação de lidar com ofendidos chorões, até porque em várias situações ligar o foda-se e negar tudo nao é a melhor opção.

    • Não acho que seja possivel, por agora. A massa não tem o básico, quando voce nao tem o basico, nem sonha em conseguir se preocupar com essas sutilezas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: