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Path of Exile

Path of Exile é um RPG de ação online lançado em 2013 e que continua firme e forte até hoje, em 2021. Para quem tem algum conhecimento de games, basta dizer que é Diablo para quem acha Diablo muito simples. Para quem não liga muito para games, é uma excelente análise sobre como o ser humano encontra diversão nos lugares mais estranhos…

Criado pela neozelandesa Grinding Gear Games (todo mundo chama de GGG) e comprado recentemente pela gigante chinesa Tencent, Path of Exile tem horas e horas de história em texto e gravações de excelentes atores e atrizes interpretando diversas personagens num mundo complexo em constante mudança. Mas, se você sabe um pouco sobre RPGs de ação do estilo Diablo, sabe também que história é um bônus. Esses jogos são todos baseados na mecânica.

Se for divertido jogar, você se importa com a história, se não for, ela não tem como salvar uma jogabilidade ruim. Path of Exile entrega uma versão turbinada do estilo, com o jogador clicando e apertando teclas de forma frenética para fazer inimigos explodirem na tela dos jeitos mais malucos possíveis. Nas partes mais avançadas do jogo, é tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo que você mal enxerga onde está a sua personagem!

E se você tiver inclinação a lidar com sistemas complexos, Path of Exile entrega uma infinidade de habilidades, pontos de evolução e itens que garantem que nem mesmo veteranos de quase uma década de jogo conheçam todas as combinações possíveis. O mecanismo de evolução da sua personagem é um emaranhado de habilidades possíveis, que se misturam com os milhares de itens que podem aparecer aleatoriamente durante o jogo.

Numa análise rápida: se você gostar do que está fazendo nos primeiros minutos de jogo, provavelmente vai gostar do resto. Se começar a ficar frustrado com a dificuldade ou com o excesso de opções logo no começo, nem precisa teimar: só vai ficar pior, muito pior. E o clima do jogo é aquele de ultraviolência e mundo cão mesmo, não fica melhor. Como quase tudo nessa vida, é questão de gosto.

Eu já tive diversas fases de jogar e desistir de Path of Exile, minha personagem mais antiga é de 2014! Da primeira vez que joguei, não sabia o que estava fazendo e eventualmente o jogo ficou impossível de avançar. Fiquei com raiva e desisti. Voltei mais algumas vezes com o passar dos anos… sempre criando novas personagens e melhorando um pouco. Faz parte da alma do gênero de RPG de ação a repetição. Quanto mais você repete uma coisa, melhor você fica nela.

Foi só durante a pandemia que eu finalmente entendi o que fazer no jogo. Não, não significa que você vai precisar de 6 anos para aprender a jogar, se eu tivesse teimado das primeiras vezes, teria conseguido pegar o jeito em alguns meses. Precisa de alguma dedicação e até mesmo ferramentas externas para fazer os cálculos necessários para jogar num nível mais difícil (e mais recompensador). No final das contas, você está apenas fazendo com que números subam nas habilidades da sua personagem para que você consiga pegar itens mais poderosos, e assim por diante.

Mas como é de costume, eu não faço esse tipo de review se não tiver um tema maior para integrar. Havia uma primeira etapa de diversão nesse jogo, que era clicar nos monstros e matar eles, tentar não morrer, perceber sua personagem ficando mais forte… isso é o clássico desse estilo. O que o pessoal da GGG descobriu é que havia um nicho do público que se divertia muito também otimizando essa experiência. Não era só apenas sobre completar o conteúdo do jogo, era sobre tirar o máximo possível de poder da sua personagem para abusar das mecânicas do jogo.

Não era só sobre conseguir matar um chefe de fase, era sobre fazer isso 1 segundo mais rápido e com menos risco. Era sobre fazer de um jeito que desse mais itens, ou que usasse uma mecânica obscura do jogo para fazer isso de um jeito que ninguém mais tinha feito. O jogo era o cenário onde a criatividade do jogador se desenvolvia. Pegaram o que tinha de mais popular sobre Diablo e elevaram a complexidade ao cubo para atrair esse tipo de jogador. Considerando que o jogo é de graça e só ganha dinheiro com itens cosméticos e doações dos jogadores, oito anos em crescimento constante é algo para se comemorar! Hoje em dia a GGG é uma empresa com muitos funcionários, que desenvolve expansões para o jogo a cada 4 meses, sem falta.

Deu certo apostar na complexidade. Porque complexidade não precisa ser inimiga de diversão. Vou usar meu exemplo: às vezes, quando eu quero desligar o cérebro do mundo, ao invés de ir atrás de uma fonte de entretenimento clássica, eu simplesmente abro um programa “simulador” de personagens do Path of Exile e bolo uma nova construção que faça os números aumentarem um pouco mais. É o tipo de coisa que seria chatíssima se eu fosse obrigado a fazer por trabalho, mas é muito divertida se for feita por vontade. É uma brincadeira de juntar blocos para conseguir um resultado específico.

Muitas vezes ficamos com uma ideia bitolada sobre diversão, que é algo que precisa ser feito de acordo com alguns parâmetros: sair de casa e ir beber no bar é diversão, mexer no excel para mudar alguns números não é. Oras, se tem uma coisa da qual você não pode escapar, é da sua mente. Se naquele momento o que te interessa fazer é algo que outras pessoas não consideram diversão, não muda o fato que é o que te interessa.

O ser humano pode até ser extremamente parecido em média, mas cada pequena diferença na personalidade pode terminar em comportamentos absurdamente diferentes. Eu estou dizendo que comecei a me divertir fazendo combinações numéricas num jogo, mas tem gente que joga com dez programas abertos e se diverte com um grau de otimização incompreensivelmente maior do que eu. Do meu ponto de vista, parece um trabalho chato, mas do ponto de vista deles é justamente a graça do processo. Alguns até ganham a vida com isso, jogando ao vivo para uma plateia e desenvolvendo planos e analisando questões do jogo, ganhando com visualizações e doações.

Talvez o grande tema deste texto, mais do que um jogo, é uma transformação da economia e da sociedade com foco cada vez maior em nichos. Pessoas que nasceram cem anos atrás não tiveram um milésimo das chances que nós tivemos de explorar interesses diferentes da média local. Pra quem viveu antes mesmo até do rádio, ou o campo de interesse estava muito próximo, ou a pessoa nunca ia ficar sabendo dele.

Hoje em dia, quase que por pura probabilidade, algum interesse muito específico seu é capaz de aparecer na sua frente. E pela natureza cada vez mais conectada da humanidade, não só você entra em contato com esse interesse como rapidamente consegue encontrar muito mais gente que compartilha dele. No passado, você provavelmente não conseguiria tocar sua vida concentrando-se em gostos muito pessoais, mas hoje em dia é muito mais provável.

A indústria dos jogos e dos jogadores profissionais só estava um passo à frente dos influenciadores. Agora que as redes sociais permitem que uma pessoa possa viver de fazer análises de batons, começa a ficar mais clara essa nova era de hiperespecialização do ser humano. Muitas vezes dizemos aqui que o profissional do futuro deve ser capaz de entender e conectar muitas informações diferentes, mas havia uma contraparte acontecendo ao mesmo tempo: o especialista teve que se reinventar no século XXI. Muito do conhecimento que se considerava especializado está disponível para qualquer um em qualquer lugar do mundo com uma conexão de internet.

O especialista muitas vezes só era especialista porque era uma oportunidade de trabalho ou jeito de se conectar com pessoas próximas. Isso não precisa mais ser a verdade hoje em dia. A sua posição geográfica já não importa tanto. Um pessoal da Nova Zelândia bolou uma variação de um jogo dos EUA que eu gostei, e vendo os vídeos de um croata e de um russo, eu aprendi como jogar melhor. Nada nos meus arredores permitia ter acesso a essa diversão, mas como especialistas podem surgir em qualquer lugar agora e eu não dependo de acesso local a eles, as oportunidades aumentaram exponencialmente.

Mais do que o ponto sobre diversão ser o que você bem entender e não o que os outros acham que é, tem esse também sobre especialização em tempos de internet. Sim, é útil ter conhecimentos gerais e capacidade de adaptação, mas existem caminhos para quem se diverte com algo muito específico. O problema é que as barreiras são maiores: você não precisa ser especial só dentro do seu círculo de conhecidos regionais, você precisa se destacar em nível mundial. A informação está lá. Mas você vai ter que enfiar a cara nesse conhecimento e “buscar o 1% a mais de dano” na sua personagem.

O conceito de especialista se especializou. Você ainda pode se concentrar nisso, desde que entenda que não é mais para quem quer saber só um pouco mais que seus pares. Para ser especialista em tempos de internet, é importante que você consiga conectar aquela parte do seu cérebro que realmente se diverte com o tema. Eu me divirto jogando o jogo em questão, mas se for cobrado para jogar por tempo determinado ou para ser melhor nele por um minuto que seja, perde a graça na hora.

Se tem alguma coisa na qual eu acharia divertido ser especialista de verdade, eu ainda não achei. Por isso fico no campo do generalista. Mas quase sempre que eu preciso de informação, eu procuro pelas pessoas que parecem mais obcecadas pelo tema. Gente que parece que está sempre animada para falar de algo ao ponto de ser meio repetitiva. Esses são os especialistas do século XXI: não quem decorou informações sobre um assunto, mas quem larga tudo para fazer o que gosta depois de achar o que gosta.

Especialização era sobre quantidade de informações, mas não é mais. É sobre gosto. É sobre diversão e prazer com a área de conhecimento. Talvez você consiga reconhecer algo que goste tanto de fazer ao ponto de virar especialista, talvez você seja como eu, dado a interesses absurdos momentâneos que logo desaparecem, aí o caminho do generalista é mais interessante. Tem espaço pra todo mundo. Bobagem dizer que a humanidade toda só tem um caminho, até porque toda tarefa que pode ser feita por um computador e um robô vai acabar sendo feita por um computador ou por um robô.

E até segunda ordem, apenas seres humanos tem essa capacidade de foco por diversão. Esse é o diferencial, essa é possivelmente a economia do futuro: economia da diversão. Seja para quem quer fazer de tudo um pouco e precisa de guias para ajudar, seja para quem quer ser muito específico e precisa de gente para consumir seu conteúdo. Não é papo furado de “esperar por um trabalho que te deixe feliz”, é agir de acordo com o avanço da sociedade humana: preste mais atenção no que te diverte. E não ache que diversão é só balada, se algo consegue te cativar naturalmente por muito tempo, por mais que não pareça, é diversão.

Eu faço os piores reviews de jogo, né? Tudo bem, eu me diverti escrevendo.

Para dizer que deve ser muito chato (é o quanto você quiser que seja), para dizer que sua diversão é dormir (tem gente ganhando dinheiro com isso), ou mesmo para dizer que duvida que um robô vá procrastinar tão bem quanto você: somir@desfavor.com

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diversão, internet, jogos, mercado de trabalho

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