Histeria de gênero.
Quando a semana começou, nem passava pela nossa cabeça trazer o Dia Internacional da Mulher como tema desta coluna. Mas as coisas foram se acumulando, várias notícias bizarras mandando mensagens conflituosas, nos lembrando como tem algo fundamentalmente errado no caminho que a sociedade está seguindo em relação à mulher. E isso sim rende um Desfavor da Semana.
SALLY
– “Lembrei de você, tem uma loja de Curling aqui na esquina da minha casa”
– “Curling me remete a instintos básicos”
– “O frio e a neve?”
– “Não, mulher esfregando o chão”
– “Feliz dia da mulher para você também”
*risos
Esse foi um diálogo real que Somir e eu tivemos, na última quarta-feira, Dia Internacional da Mulher, enquanto resolvíamos algumas pendências de trabalho. Ele riu, eu ri e continuamos conversando como se nada, afinal, eu sei que eu sou muito mais do que esfregar um chão e não me incomoda em absoluto esse tipo de piada: não dói por não ter um fundo de verdade.
Guardem uma coisa para a vida: não é a piada nem o insulto dito por outra pessoa o que te causa dor. É a parte da sua mente que concorda com esse insulto ou com essa piada o que causa dor. A situação da mulher brasileira está uma merda, mas ela está ocupada se ofendendo, por se identificar com tudo lixo que dizem dela. Que maravilha.
O que deveria incomodar, revoltar e gerar comoção são os índices de violência, que não param de subir no Brasil, apesar de uma imensa diarreia legislativa, criando lei por cima de lei, todas inúteis. Como já explicamos detalhadamente em outro texto, lei não educa. O país que insiste em usar lei para educar está fadado ao fracasso.
Um estudo divulgado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) estimou que duas mulheres são estupradas por minuto no Brasil. DUAS POR MINUTO. Isso é inaceitável. E são números muito menores que os reais, uma vez que boa parte das mulheres vítimas de estupro não vão a delegacia reportar o crime por não poder (quando a agressão vem de dentro de casa, a maior parte dos casos) ou por não querer passar por uma segunda violência.
Outro estudo diz que em média, 35 mulheres foram agredidas por minuto no país no ano passado. Novamente, são apenas os números que chegam pelas vias oficiais, ou seja, na vida real, tem muito mais do que 35 mulheres agredidas por minuto no Brasil. Eu posso passar páginas e mais páginas mostrando, com dados oficiais, como é tenebrosa a situação da mulher no Brasil, mas acho que poucos discordarão disso.
O ponto é: o que menos importa no momento é o pronome, o mamilo que a rede social censura, se parabenizar pelo dia da mulher é ofensivo ou não e muitas outras besteiras às quais se está dando mais importância do que se deveria. Então, a mulher brasileira tem responsabilidade pela situação da mulher brasileira estar tão ruim. A mulher brasileira está focando em detalhes e depois fica indignada ao perceber que a realidade não muda.
Às mulheres, eu gostaria de dizer que a maioria está no caminho errado. Da forma como estão se comportando, realmente fica parecendo que são um grupo de intelecto inferior, histéricas, sem um pingo de bom senso. O show de horrores nas redes sociais no Dia da Mulher me envergonhou: mulher puta por ser parabenizada, mulher puta por não ser parabenizada, mulher puta por não parabenizarem trans afinal “mesmo sem ter vagina é mulher”. Umas 400 mulheres foram estupradas no tempo em que essas pessoas ficaram discutindo.
Não sei se vocês perceberam, mas a sociedade não está melhorando por esse caminho. Até meu cachorro sabe retroceder e pegar um caminho melhor quando escolhe algo que gera maus resultados. Essa postura bélica, essa postura de “lutar”, “guerreira” e cia está levando para consequências muito ruins. Não é por aí. Isso é um caminho de ego, que só serve para medir forças, polarizar e para a pessoa receber aplausos da sua bolha – não para melhorar o mundo.
O que se consegue com tanta luta, ameaça e combate? Confundir as pessoas. Assustar as pessoas. Mulheres continuam sendo muito menos contratadas do que homens – e eu sou uma que não contrato mulher se for desconhecida, pois sei que tem grandes chances de me causar problema. Tudo é assédio. Tudo é discriminação. Tudo é motivo para vitimização. Existem exceções? Óbvio, muitas delas. Mas na vida a gente conta com a regra geral, se vier uma exceção, é lucro. Depois reclamam. Ora, ora, se não são as consequências dos meus atos!
Na vida pessoal, esse caminho de luta, ameaça e combate também está mostrando consequências trágicas. Cada vez mais vemos homens com receio de se aproximar, sem saber como lidar, com medo de serem expostos, escrotizados, avacalhados. E estas mesmas mulheres vomitando em redes sociais que homens não chegam perto delas pois “tem medo de mulheres seguras”. Não, meu anjo, homem tem medo é de encheção de saco mesmo.
Além da clara dificuldade em flertar, conhecer pessoas legais, estabelecer um relacionamento (sim, é uma reclamação constante das mulheres) temos ainda o nascimento de grupos de homens que preferem ficar sozinhos a ter que lidar com certo tipo de mulher, a se arriscar a sair randomicamente e calhar de ser esse certo tipo de mulher. Se isso não mostra que estamos em um caminho muito errado, então eu não sei o que dizer.
Por fim, cada vez mais é sobre quem faz ou quem fala e não sobre o que se faz, o que se fala. A mulé do Presidente ganhando holofote em tv pública, paga com dinheiro do contribuinte, sendo chamada de empoderada. Haja paciência. Uma mulher que vive de papagaio de pirata do marido, babá do marido, relações públicas do marido, cuja vida é seguir o marido para tudo quanto é lado e é considerada empoderada? Se fosse em outra situação (em vez do político de estimação), se fosse de um cantor ou ator, estaria sendo esculhambada.
Quem eu gosto = pode tudo, linda, empoderada, fada sensata. Quem eu não gosto = não pode nada, toda errada, escrota. Sabe o que isso gera? Desaprender o que é um comportamento aceitável ou não aceitável, pois não se exercita mais uma avaliação dos fatos, e sim das pessoas.
As pessoas estão desaprendendo o que é ou não é aceitável e acham que, por serem aplaudidas na sua bolha, podem fazer o que quiserem. Cedo ou tarde essas pessoas vão levar um choque de realidade. E eu não vou sentir pena, eu vou achar bem-feito e vir aqui dizer “ora, ora, se não são as consequências dos meus atos”.
Se humorista fala uma coisa, é machista, misógino, babaca, escroto, agressor. Se é aquele esquerdomacho que leva 15 namoradas para ver Bacurau fala algo similar, é descontruído, bem-humorado, disruptivo. Assim fica difícil. Se portar assim é agir de um lugar de retardo mental, de burrice e má-fé. Depois, dá errado e a culpa toda recai nos homens, no patriarcado e no machismo estrutural. Bora começar a habitar o mundo real? Pode vir, tem seus lados negativos, mas no fim das contas, compensa!
“Ain mas você está jogando toda a culpa nas mulheres”. Não. Todo mundo tem culpa, mas eu estou pedindo que as mulheres melhorem, pois, nessa situação, o único grupo que pode reverter esse quadro são as mulheres. Se nós não o fizermos, mais ninguém vai fazer, pois mais ninguém tem interesse em mudar as coisas.
Mulheres: melhorem. Melhorem ao escolher suas batalhas, melhorem ao escolher seus parceiros, melhorem ao criar seus filhos, melhorem vocês suas vidas, em vez de ficar chiando para que outros se encarreguem disso. “Fulano não pode dizer isso, Fulano não pode sentar de perna aberta, Fulano não pode me criticar”. ESQUECE OS OUTROS. FAZ O SEU. Só você pode mudar a sua realidade.
Tá chato, tá escroto, tá inclusive humilhante. Melhorem, mulheres.
Para dizer que eu sou machista, para dizer que hoje os incel vão me aplaudir de pé, ou ainda para se ofender com a piada do Somir: sally@desfavor.com
SOMIR
No dia 8 eu fiz uma postagem sobre o problema de desumanização da mulher, dizendo que jamais deve-se tratá-las como algo diferente de um ser humano como qualquer outro. Afinal, virtualmente todas as desgraças de fundo social da nossa história tem essa base.
A piada que a Sally descreveu no texto dela é um “benefício” que eu dispenso apenas às pessoas que eu vejo como iguais. Adoro fazer piadas autodepreciativas e conheço o tipo de pessoa que entende esse tipo de humor. Assim como eu, ela entende que o ridículo, o patético e o vergonhoso são parte integrante da humanidade. Não nos define como pessoas piores, é só algo que acontece e faz bem lidar com isso, de preferência com leveza.
Então, eu nem estou falando de igualdade num sentido de sexo, raça, crença, intelecto, riqueza ou qualquer coisa do tipo, eu vejo ela como igual na compreensão da natureza humana. É algo bem profundo, vai muito além dos rótulos sociais comuns, algo que você só desenvolve depois de muita convivência e troca de ideias com um ser humano específico.
Tanto que nem me passa pela cabeça fazer piadas de cunho machista para mulheres que eu conheço menos. A pessoa nem me conhece para saber que a graça é dizer algo errado, e eu nem conheço a pessoa para saber se isso não vai soar como uma agressão. Mesmo antes da grande histeria do Século XXI, eu já tinha algum cuidado com isso. Não faz sentido maltratar os outros aleatoriamente.
Mas essa é uma versão avançada da relação entre seres humanos: o que se diz ou não para quem você conhece. Na maior parte do tempo, não estamos lidando com gente próxima. O que eu quero trazer aqui é um pouco do que mudou na minha relação com mulheres desconhecidas nos últimos anos: elas viraram uma categoria à parte.
Hoje eu me pego considerando que “pessoas normais” são homens. Para lidar com mulheres aleatórias eu sempre meço minhas ações e palavras. Eu sei que vai parecer papo de redpill, mas tem uma diferença fundamental aqui: eu sei que é injusto com elas. Eu não quero tratar mulheres como algo diferente do que julgo um ser humano normal, mas não foi nem algo pensado, foi acontecendo.
Já me preocupa ficar sozinho com uma mulher numa situação de trabalho, já me pego pensando se devo ou não criticar uma quando vejo fazendo ou dizendo algo errado, já prefiro ficar quieto ao invés de fazer uma piada que considero “limpa”, já estou evitando fazer e dizer várias coisas para e com elas que nunca me pareceram estranhas falar e fazer com um ser humano antes por causa dessa mudança de clima social.
E isso é um problema sério porque eu sempre fui muito educado e respeitador em situações normais. O meu limite sempre foi muito razoável. Não porque eu tenha nascido especial, mas porque eu fui criado num ambiente de pessoas que se respeitavam e sempre tive muito acesso a informação sobre o que é positivo na relação entre pessoas.
Eu tenho certeza de que meu grau de respeito é perfeitamente seguro para a imensa maioria das mulheres desse mundo. Certeza. Eu só ouvi críticas femininas à minha distância até hoje. Quer dizer que sempre que eu errei, errei no sentido de dar mais espaço do que elas queriam que eu desse. Agora, vejam só o problema: eu estou vendo o campo minado na relação entre os sexos também. Não era para ser meu problema.
Era para ser o problema dos homens que abusam dos limites das mulheres. Eu? Eu acho dar beijinho no rosto uma invasão de espaço da mulher que não tem intimidade com você! Não era para cair na minha conta. Mas caiu. Os homens que fazem tudo errado me fizeram pagar o preço junto. Eu sei que não vou fazer coisa errada, mas não sei mais como a mulher aleatória vai reagir. Se vou cair na mão de uma razoável ou se vou lidar com uma maluca contaminada pelo clima bélico do feminismo moderno. Não sei se ela vai reclamar na hora ou esperar anos até me expor na rede social.
Então, vejam só: uma pessoa que entende claramente como ser respeitosa está sendo colocada num grupo de “estupradores opressivas”, e não pode tratar normalmente uma mulher porque ela está colocada num grupo de “histéricas malucas”. Não é culpa minha e nem culpa da mulher aleatória com a qual eu tenho que lidar, mas nós dois estamos perdendo por causa desse clima social.
E o pior: os piores homens e mulheres estão fazendo a mesma merda de sempre. Os abusadores continuam abusando, as malucas continuam tendo chiliques sem motivo. Não impediu o pior do comportamento de ambos os sexos e criou uma divisão desnecessária entre homens e mulheres que tem a cabeça no lugar. Eu, homem com mínimo de bom senso, e você, mulher com mínimo de bom senso, fomos colocados em camisas de força ao invés das pessoas descompensadas que causam os problemas.
Nós estamos aqui pisando em ovos, homens tentando mostrar que não são abusadores, mulheres tentando mostrar que não são malucas… fazendo esse sacrifício todo para um bando de filhos da puta fazerem tudo errado enquanto culpam uns aos outros em batalhas barulhentas em todos os cantos do nosso ambiente cultural. Estamos sofrendo para quê? O que estamos ganhando com isso?
Sabe que às vezes eu acho que as novas gerações estão todas virando bissexuais e/ou transsexuais por causa disso? Que é uma tentativa inconsciente de solução do problema, matando os papéis sexuais antes que a divisão nos mate. O bizarro é que o problema não são as expressões de gênero tradicionais que estavam erradas, não é difícil ser um homem ou mulher padrões e ainda sim conviver muito bem com o outro sexo. Gente que aprendeu respeito desde cedo e vive em ambientes com igualdade de direitos consegue conviver muito bem.
Mas estão pagando o preço pela pior parcela dos seus grupos, afinal, os grupos ficaram mais importantes que o indivíduo: eu olho para as “mulheres em geral” quando vejo uma, e acho que elas enxergam um “homem em geral” quando lidam comigo. Depois de tantos anos de campanhas para sujar a imagem dos sexos, funcionou. Homens enxergam o pior das mulheres, mulheres enxergam o pior dos homens.
Sally pediu para as mulheres serem melhores, eu peço para os homens serem melhores também. Está faltando autocrítica, está faltando olharmos para nossos grupos e pedir para parar essa palhaçada. Não vai funcionar se as mulheres não controlarem suas histéricas, não vai funcionar se os homens não controlarem seus histéricos.
Essa guerra é inútil e só está ferindo as pessoas que não precisavam dela. Os piores homens e mulheres estão aí se divertindo com a baixaria toda, piores que nunca, e nós aqui pagando o pato por eles.
Para dizer que é típico de homem não falar de mulher num texto sobre mulheres, para dizer que se sentiu ofendida por ser chamada de histérica maluca, ou mesmo para dizer que nem entendeu a piada: somir@desfavor.com
Maya
Falar sobre autorresponsabilidade pra qualquer grupo “”minoritário”” hoje em dia é que nem andar em campo minado… No fim das contas, ninguém quer evoluir, só querem que o outro evolua
Anônimo
Tem tanta coisa pra ser complementada aqui.
Por exemplo, a militância feminista está cheio de complexada por ter sofrido abuso sexual e picareta que usa do discurso padrão da questão do abuso sexual e da exploração por parte dos homens para efeitos de autopromoção.
E a tentativa de aparelhar grupos assim com a questão do lesbianismo ou mesmo com os interesses egoístas por parte da turminha do movimento negro pós-moderno é lugar comum em tal ambiente.
No meio LGBT, tá cheio de gente puta com as Beta Fala da vida defendendo a pseudociência chamada Teoria Queer em nome de tirar vantagem nas relações privilegiadas que essa pessoa tem na alta roda pra tirar vantagem financeira e política em favor de seus interesses egoísticos.
A parada do TODES é a versão 2.0 do infame TODXS, que vem sendo vendida aos quatro ventos como uma pretensa linguagem inclusiva por meio de engenharia social (pra não dizer ESTELIONATO) tendo como alvo os incautos que não tem noção direito do que há por trás de tal jogada ardilosa, cujo interesse é inicialmente tornar isso uma linguagem tolerada para depois transformá-la em norma padrão da língua para que os promotores de tal engenharia social (de novo pra não dizer que é ESTELIONATO) usam para tirar onda de arautos da virtude contra a pretensa “transfobia”.
E se por acaso você não ceder ao assédio da “mulher trans” (mesmo que seja um predador sexual que foi pelo caminho da “transição sexual” com vistas a ter mais vantagem na hora de mirar suas “presas”) você estaria sendo transfóbico, sendo que usam do bebê monstro daquela vergonhosa ADO querendo dar paridade a discriminação por motivação sexual as mesmas discriminações hoje previstas na lei 7716/89, que originalmente só previa a discriminação por raça e cor e teve vetos inclusive considerando o desvio de foco no texto original, mas que depois de várias reformas, passou a prever vários outros tipos de discriminação e inclusive a criminalizar a divulgação do nazismo.
Sério, preferiria mil vezes que a PLC 122/06 tivesse sido aprovada no senado e tivesse ido a sanção presidencial do que o fato de termos a questão dessa ADO dando monta a uma caça às bruxas de ególatras querendo dar mote a conceitos pseudocientíficos usando do ambiente de redes sociais e da situação política do país pra ter sucesso em seus intentos egoistas.
Depois acham ruim dos bolsonaristas achar que o pessoal do STF abusa da posição passando por cima da lei, mas nesse caso infelizmente os bolsonaristas tem razão.