A notícia que o governo planejava derrubar a isenção de imposto de importação para produtos até 50 dólares caiu como uma bomba na popularidade do governo Lula. O brasileiro ficou furioso e reclamou em todas as redes sociais. Eu também não gostei, admito, mas esse chilique público do brasileiro médio tem algo de muito errado…

Para tentar equilibrar as contas do governo, que realmente foram mais arrombadas que o normal pelo populismo eleitoreiro de Bolsonaro, o governo Lula precisa aumentar a arrecadação. Já está tudo errado porque o Brasil é um buraco negro de dinheiro, é impressionante como a gente tem carga tributária de Noruega com serviços públicos da Etiópia. Seja como for, por motivos populistas eleitoreiros, Lula não quer subir nenhum imposto ou mesmo criar novos.

A alternativa mais lógica nesse caso é fazer com quem sonega imposto passe a pagar. A estimativa do ministério da Fazenda é que ao taxar as compras feitas em sites como AliExpress, Shein e similares, consiga adicionar mais 8 bilhões de reais aos cofres públicos. E percebam que eu usei o verbo sonegar no começo do parágrafo.

A compra que vinha do chinês nunca foi isenta de imposto de importação. Porque do outro lado do mundo, você está comprando de uma empresa. A portaria que criava a isenção para produtos de até 50 dólares é a seguinte:

Portaria MF nº 156, de 24 de junho de 1999

§ 2º Os bens que integrem remessa postal internacional no valor de até US$ 50.00 (cinqüenta dólares dos Estados Unidos da América) ou o equivalente em outra moeda, serão desembaraçados com isenção do Imposto de Importação, desde que o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas.

Percebem o que está escrito? Remetentes e destinatários têm que ser pessoas físicas. Não era isso que estava acontecendo no comércio internacional de quinquilharias, eletrônicos e roupas vindas da China. Estávamos comprando de empresas que aprenderam a enviar os produtos como se fossem pessoas físicas e declarando valores de até 50 dólares para não ter imposto e conseguirem oferecer preços baixíssimos.

Só por isso já dava para acabar com a razão de quem está reclamando. Mesmo que o brasileiro acreditasse que o limite de 50 dólares era para compras de empresas também, já estaria errado. Era só se informar para se resignar: a lei sempre foi essa, estavam dando a volta nela, mas vai acabar. Chato, triste, irritante até, mas lei é lei. Se não gosta, pleiteie a mudança dela, mas o que o governo está fazendo está dentro das regras.

Mas isso vai mais longe. Por mais que os chineses sejam muito espertos, alguém teve que contar para eles onde estava esse truque para burlar a legislação brasileira. Uma fábrica de roupas baratas no meio da China não tem equipe jurídica especializada no Brasil, né? Quem foi que contou para o chinês que dava para trazer produtos sem imposto para cá?

Eu vou dizer como eu aprendi: nos comentários de vários produtos eletrônicos da AliExpress. Os brasileiros estão lá explicando como funciona, como tem que fazer, ensinando uns aos outros o que pedir para o vendedor para garantir que seu produto não seja taxado. Várias bandeirinhas brasileiras ao lado de comentários dizendo que era para declarar 50 dólares e mandar como pessoa física. O chinês, bom de negócio, sorriu e concordou!

É muita cara de pau dizer que fomos pegos de surpresa. Todo mundo sabia que era esquema de sonegação de imposto. E não era só sobre produtos que realmente custavam menos de os 50 dólares, cansei de ver comentários em produtos muito mais caros como processadores de computador onde o comprador dizia orgulhoso que o chinês mandou com declaração de menos de 50 dólares e passou sem imposto.

A parte das roupas não é minha especialidade, mal compro no Brasil, mas na parte dos eletrônicos eu posso afirmar que todo mundo sabia qual era a forma de burlar o imposto. Sabiam inclusive quais eram os produtos mais arriscados, como placas de vídeo e outras peças mais substanciosas. A discussão nos comentários dos sites era metade sobre o produto e metade sobre como escapar do imposto.

Eu fico puto de ter que pagar um rim por uma placa de vídeo que preciso para o meu trabalho por causa de impostos absurdos (ninguém produz placa de vídeo no Brasil, estão protegendo qual indústria nacional?), mas não pleiteio o direito de sonegar imposto. Eu teria vergonha de aparecer para o mundo todo na rede social dando chilique porque não posso mais fazer algo ilegal. O brasileiro médio não.

Sim, tem muitos argumentos pelos quais é defensável a ira com a decisão de Janjo e sua equipe econômica de taxar as compras vindas da China, especialmente as que não tem concorrência direta aqui no Brasil, mas quando o ponto do argumento é querer que o governo faça vistas grossas para algo ilegal que todo mundo sabia que era ilegal, estamos apenas reforçando a ideia de que esse país é uma bandalheira.

A verdade é que nunca foi correto deixar de pagar imposto em compras feitas de empresas chinesas. Se se declarassem como empresas, até compra de 1 dólar seria taxada. E como existe esse valor mágico de 50 dólares, é claro que acharam mil e uma maneiras de passar tudo abaixo desse valor. Desde separar a mesma compra em vários pacotes até mesmo mentira deslavada na hora da declaração. O chinês não está nem aí, não vai ser preso por declarar valor falso, e o governo chinês está ao lado deles nessa ideia de exportar a qualquer custo.

Se essa gente que está xingando muito na rede social se lembrasse de quem elegeu para deputado e senador, talvez conseguissem emplacar uma reação verdadeira e criar novas leis que os permitissem continuar não pagando imposto em produtos de pequenos valores. Mas não lembram. Não tem noção nenhuma de organização legal, só de xingar muito no Twitter. Os nossos políticos provavelmente não vão barrar essa mudança, porque estão no bolso de empresários que perdem dinheiro com a competição chinesa e porque mais arrecadação significa mais dinheiro para dividirem entre eles.

Sim, quem comprava produtos do exterior de pessoas físicas até 50 dólares perdeu a isenção, mas sejamos realistas: se o brasileiro médio estivesse fazendo as coisas dentro da legalidade, ninguém nem pensaria nesse limite. O problema é que as pessoas estão comprando o que não podiam comprar sem imposto, pedindo para falsificarem declarações, e em muitos casos, comprando para revender usando esse truque de declarar valores menores e receber em várias remessas.

É uma sacanagem vir atrás de quem compra máquina de cortar cabelo tosca e roupa barata? É sim. Mas é uma sacanagem que está dentro das regras do Brasil. Ainda não vimos nada de decente para onerar mais os ricos, vieram justamente para cima da classe média e classe média baixa. Se a sua reclamação é essa, eu entendo. Mas não muda o fato de que nunca foi legal fazer os esquemas com os chineses.

Tinha um buraco na lei de importação que era explorado por milhões de brasileiros para não pagar imposto em coisas que tinham imposto, e que vai ser fechado pelo governo. Não seja essa pessoa que pede para o Estado ignorar as leis que te incomodam, seja a pessoa que vai no pescoço dos políticos que elegeu até eles agirem de acordo com as suas vontades.

Estava errado. Era ilegal. Vai ficar mais caro montar um computador para o trabalho, vai ficar mais caro comprar quinquilharias eletrônicas, vai ficar mais caro comprar produtos chineses… mas estava barato de forma artificial. E como as pessoas estavam abusando com centenas de milhares de pacotes vindos da China o tempo todo, o governo resolveu olhar para essa fonte de renda. Bolsonaro não ia mexer porque era impopular e ele não podia se arriscar, Lula só mexeu porque está no começo do governo e dá tempo de recuperar a popularidade depois.

Eu não gosto do Lula, mas a verdade é a verdade. O problema sempre foi o protecionismo sem sentido em indústrias que nunca se desenvolvem no Brasil. Em um mundo ideal, os impostos recairiam sobre produtos que conseguimos produzir de forma competitiva para estimular a indústria nacional, mas como o Brasil continua vivendo de vender matéria-prima, a gente nunca ganha a contraparte dos impostos absurdos que temos sobre importação.

A lei sempre foi ruim, o fato de ter uma escapatória dela por causa de um esquema não era uma solução. Era só uma válvula de escape que poderia ser fechada. Todo mundo sabia que era sonegação, só não tinham incentivo o suficiente para peitar a impopularidade de acabar com as vistas grossas. Décadas de populistas que gastam dinheiro que não tem para aumentar suas chances de reeleição garantem que estejamos sempre quebrados e desesperados por novas fontes de renda. Era apenas questão de tempo até alguém vir pegar esse dinheiro dando sopa.

Pode reclamar, eu também estou reclamando, mas reclame da coisa certa. Não seja visto por aí pedindo para poder sonegar impostos que sabia que existiam. Todo mundo sabia do esquema do chinês, ou no mínimo desconfiava que tinha algo estranho nesses preços ridiculamente menores que os de produtos de outras lojas.

Quando a gente fica furioso com a coisa errada, gasta toda a energia no lugar errado. Era só o que me faltava o Lula ser criticado porque o brasileiro quer fazer coisa ilegal e ele não deixa, né? A mensagem que isso passa para os políticos é que pode tudo se der um jeitinho. A gente rouba aqui, eles roubam ali, e todo mundo fica feliz, né?

Deu certo até hoje? Pois é. Lei é lei. Ou o brasileiro enfia isso na cabeça ou vamos continuar nessa zona toda.

Para perguntar se eu recebi mais ou menos que o Felipe Neto, para dizer que é injusto (não é, é escroto, mas não é injusto), ou mesmo para dizer que isso vai estimular a indústria do contrabando: somir@desfavor.com

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Comments (12)

  • Msis uma vez, o brasileiro, em vez de travar um debate sério sobre a loucura tributária e falta de abertura econômica, decide dar piti porque não pode ser malandro.

    Temos muito o que mudar em termos de comércio internacional, mas pra isso, o povão tem que levar esse país minimamente a sério.

    • “O brasileiro, em vez de travar um debate sério sobre a loucura tributária e falta de abertura econômica, decide dar piti porque não pode ser malandro”. Você já resumiu muito bem toda a questão só com essa frase, Gui.

  • FORA Impostômetro nos comendo pelas pernas!

    O que pago de imposto vai pra onde mesmo?
    Volta pra mim em forma de benefícios?
    NAOOOOOOO.

    Vai pra dar boa vida prum bando de gente que faz nada para o povo.
    Se puder e der, escolho sonegar.

    • Fazer o L ou fazer arminha não fazia quase nenhuma diferença

      Volta pra manter as aparências dos apaniguados no “serviço público” e pros nossos políticos direcionarem a obras e marketing com vistas a manter o seu gado eleitoral juntinho pra futuras eleições.
      Achou ruim? Azar o seu, até por que você não tem poder de decisão quanto a isso, sendo que é essa política de doçuras e travessuras que é a nossa questão tributária que ajuda a manter a pose dos mais aquinhoados de nossa trágica BELÍNDIA.

  • Conheço bem os impostos no Brasil, a área tributaria é obscena, dá nojo!!
    Um estudo realizado em 190 paises na ordem crescente indo dos melhores para piores no quesito impostos, o Brasil ocupa o lugarejo de 184 em burocracia e alta carga tributária.
    Então é isso, entendo a legislação (louca e com receita de miojo no meio dos textos) e entendo a fúria (louca tbm, mas sem miojo pra consumir)

  • Brasileiro vira casaca muito fácil. No meu trabalho vi petistas fanáticos declarando amor ao Bozo ainda dizendo : Faz o L agora, jumento. Os mesmos que foram jumentos votando no 13. Eu me divirto. Não comprava coisa importada mesmo.

  • Olhando pela perspectiva desse texto, por um lado estou feliz que o “jeitinho brasileiro” finalmente foi punido. Por outro lado, sim, a escrotidão de pegar as classes média e média baixa.

    Porém, convenhamos, só recorremos a esses “truques” porque nosso país tá quebrado, nossa moeda não tem poder de compra, e por vários outros fatores que dificultam nossa sobrevivência. Não é justificativa, mas consigo ver de onde isso vem.

    Acredito que se o Estado se preocupasse em melhorar mais a qualidade de vida brasileira e o poder de compra, além de aquecer a indústria em geral, talvez só entusiasta de produtos chineses usariam plataformas Aliexpress da vida, boa parte da população daria de ombros por haver outras opções tão ou mais rentáveis quanto.

    • Fazer o L ou fazer arminha não fazia quase nenhuma diferença

      Aquecer a indústria? Bah! Indústrias hoje em dia empregam relativamente pouco e buscam áreas com logística privilegiada e relativamente barata, sendo que pelas peculiaridades locais, não é muito vantajoso investir aqui a não ser, é claro, tendo em vista o atendimento a demandas que não seriam atendidas adequadamente com a produção fora do país.
      Temos aqui a anacrônica Zona Franca de Manaus (um apinhado de indústrias que se mantém no coração da floresta amazônica) que se sustenta graças a subsídios aferrados a nossa Constituição em uma disposição “transitória” que como várias outras, deve permanecer vigente por mais algumas décadas, sendo que o grosso dos subsídios a indústria no Brasil está concentrado nas empresas lá localizadas, que hoje em geral não passam de meras linhas de montagem com suprimentos provenientes do exterior.
      Claro, se tem a vantagem de economia de escala para o transporte aéreo, que tem nas linhas cargueiras tendo origem e destino em Manaus uma rota bastante rentável, mas a população da região norte em si nem tira tanto proveito da produção regional tirando, é claro, os empregos na linha de montagem para os manauaras.
      Em outras indústrias, também se tem políticas de subsídio tributário a nível infraconstitucional, como a lei de informática, que a despeito dos esforços, não vem sendo suficiente para segurar empregos e base produtiva no país, mesmo que tal base produtiva na prática também não passe de meras linhas de montagem com componentes em parte provenientes do exterior.

  • Fazer o L ou fazer arminha não fazia quase nenhuma diferença

    Ir no pescoço dos políticos? O brasileiro médio tem influência bastante limitada na formação da composição do Congresso, das Assembleias Legislativas e das Câmaras Municipais, sendo que o modelo de voto proporcional faz com que saia mais de 8000 candidatos a cada eleição sem a menor condição de ser eleitos só pra levantar coeficiente com o objetivo de legitimar a posição dos “cabeças de chapa” do grupo partidário em si, sendo que os partidos brasileiros mal passam de consórcios de interesses com vistas aos pleitos eleitorais e a construção, por parte dos disputantes em condição mais privilegiada, daquilo que chamamos por “carreira política”, dado que nos cargos legislativos, não há qualquer limite a reeleições futuras.
    E no senado, bem… No senado, o mais votado no estado leva a melhor (no caso das eleições com uma vaga por estado) ou os dois mais votados levam a melhor (no caso das eleições com duas vagas por estado), independente do mais votado ter levado a maioria dos votos ou ter levado menos de 20% dos votos (quadro possível de ocorrer numa eleição pulverizada com muitos postulantes ao cargo). E caso o senador deixe o cargo por qualquer motivo que seja, quem entra em cena é o muitas vezes desconhecido SUPLENTE.

  • Fazer o L ou fazer arminha não fazia quase nenhuma diferença

    Lula foi pelo caminho mais fácil. Tributar “grandes fortunas” ou mesmo o IR de dividendos por exemplo poderia render problemas do ponto de vista jurídico com pessoas que tem posição privilegiada, além, é claro, de causar uma inconveniente “crise de confiança”. Rever benefícios como os da Zona Franca de Manaus, além de ser uma medida impopular, ainda dependeria de PEC. Tributar no varejo, jogando a malha fina nas importações por meio de Ali Express e Shein se mostrou mais interessante, ainda mais com os interesses dos varejistas locais, que ficam fazendo pose de laissez faire pela frente mas por detrás foram em muitos casos alavancados com empréstimos com juros subsidiados pelo BNDES.
    E esse é mais um contínuo na política tributária de doçuras ou travessuras presente no país, dado que fazer cortes nas despesas é uma medida impopular, possíveis “privatizações” demandam um processo de preparação que pode ser boicotado até com relativa facilidade pelos “funcionários de primeira classe” (profissionais que desfrutam de estabilidade no emprego a par com o funcionário público propriamente dito depois de passar pelo “probatório”) com medo de perderem os privilégios na condição que desfrutam em tais empresas caso os mesmos tenham organização e lobby para tanto e uso do expediente do cortes orçamentários não passa na prática de mais que o trabalhoso esforço de usar da chave do cofre para tentar manipular o congresso a votar em favor das pautas governistas.
    Como a isenção, que já tinha sido reduzida em 1999 se encontrava precarizada, foi a coisa mais fácil de mexer no sentido de reforçar (ainda que de forma modesta) as receitas.
    E tem outra coisa, Bolsonaro depois de reeleito e empossado muito provavelmente faria o mesmo caso fosse ele no lugar do Lula

  • Eu NÃO escolhi sonegar

    Mas ainda tem uma brecha que pode ser explorada, que seria a boa e velha triangulação, se utilizando de países do Mercosul para tanto. Nos anos 90 era a rota padrão para a muamba e ainda que não seja tão acessível pra quinquilharias como as que um brasileiro pegaria na Shein, é viável para quem vai comprar produtos com alto valor agregado.
    De qualquer forma, tá cheio de brasileiro médio que bate no peito cheio de orgulho com lemas na linha de EU ESCOLHI SONEGAR

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