Antimatéria.

Último dia do mês, dia de tema a pedido dos leitores. E vejam só, alguém pediu um tema que eu já estava interessado em escrever: antimatéria. O que é antimatéria? É matéria, mas… ao contrário. Uma possível fonte de energia perfeita, mas cheia de complicações.

Embora existam outras formas de definir antimatéria, a ideia mais prática e reprodutível é considerá-la baseada em carga. Muitos já devem ter estudado que das partículas que formam o átomo, o elétron tem carga negativa e o próton tem carga positiva. Isso é o que observamos todas as vezes que olhamos de perto a matéria que forma nosso universo.

O elétron tem carga negativa e é matéria, o pósitron tem carga positiva e é antimatéria. Se os dois chegarem perto um do outro, eles se atraem (cargas inversas atraem, cargas iguais repelem) e se aniquilam, virando energia pura em forma de fótons. Mas como podemos ver claramente ao nosso redor, isso não acontece com frequência. Se antimatéria fosse minimamente comum, tudo já teria explodido de forma brilhante muito tempo atrás.

E aqui, a primeira questão interessante: por que existe matéria ao nosso redor e não antimatéria? Não existe nenhuma regra natural impedindo a criação de antimatéria, do ponto de vista do universo, tanto faz elétron ou pósitron. Ou mesmo qualquer outra partícula fundamental com carga. Pode ser de um tipo ou de outro. Mas alguns bilhões de anos depois, cá estamos nós com basicamente só matéria ao nosso redor.

Ainda é uma questão sem resposta definitiva. A teoria mais aceita é que no começo, bem no começo mesmo, milimétrica fração de nanosegundo depois do Big Bang, foram criadas as condições para gerar matéria e antimatéria. A imensa maioria se aniquilou, gerando a energia incrível da explosão inicial, mas por algum motivo, sobrou um pouco de matéria como conhecemos. Esse pouco que sobrou serviu para criar galáxias, estrelas, planetas e… nós. Somos totalmente matéria.

Qual o motivo? Não se sabe. Talvez uma parte da antimatéria tenha ficado presa em buracos negros, escapando da aniquilação e deixando um extra de matéria “normal” para utilização posterior. Faz muito sentido que quase tudo o que foi criado acabou aniquilado e transformado em energia (o universo ainda é mais quente do que o zero absoluto, então tem energia de sobra passeando por aí), mas não porque sobrou matéria.

Só sobrou. Ainda bem, não estaríamos aqui sem esse desequilíbrio inicial. A informação mais importante para este texto é que não é impossível existir antimatéria, tanto que conseguimos fazer minúsculas quantidades dela em aceleradores de partículas. Com muito esforço, é possível até fazer átomos de antimatéria, mais especificamente hidrogênio por sua simplicidade.

E eles fazem exatamente o que se espera deles: se colocar um átomo de antimatéria do lado de um átomo de matéria, eles se atraem e explodem virando energia pura. O que realmente é interessante para uma espécie que adora gerar energia como a nossa. Combustão, uma das formas mais comuns de produção de energia que temos atualmente, tem uma grande eficiência energética se comparada com outras fontes, mas ainda uma piada de mau gosto se comparada com a energia produzida por colisão de matéria e antimatéria.

Seria literalmente aplicar a equação do Einstein: E=MC², 100% (virtualmente) de energia produzida por unidade de massa. Se o seu carro usasse antimatéria ao invés de gasolina, você provavelmente passaria anos sem reabastecer. É absurdo assim. Evidente que se fosse minimamente prático produzir e armazenar antimatéria, já seria a base de toda nossa produção de energia no mundo. Até porque não tem energia mais limpa que essa: é só energia, sem nenhuma poluição.

Mas é claro, antimatéria não é utilizada em lugar nenhum: é o material mais caro de produzir do mundo, até hoje só conseguimos produzir algumas nanogramas, nada que possa ser visto sem um microscópio poderoso. Tem que ser partícula fundamental por partícula fundamental. E tem mais: mesmo que conseguíssemos fazer uma quantidade relevante, ainda tem o problema de armazenar. Antimatéria é um homem-bomba incansável, querendo abraçar matéria comum e explodir o tempo todo.

A única forma de manter antimatéria estável num mundo formado por matéria é através de poderosos campos magnéticos, que não a deixam sequer chegar perto das paredes de qualquer coisa que seja usada como local de armazenamento. Qualquer vacilo e tudo explode, e explode com a maior potência possível pelas leis da Física (de fazer bomba atômica passar vergonha). Um carro com um tanque de antimatéria estaria a uma fração de segundo de ter uma falha de contenção e acabar com a cidade inteira no processo.

Até por isso eu sempre reviro os olhos quando vejo ficção científica usando antimatéria como fonte de energia. Você teria paz viajando numa nave que pode virar o Big Bang Jr. se um sistema extremamente complexo de contenção falhar por um nanossegundo? Acho que nem robôs topariam isso.

Mas é claro, existem outras formas de lidar com isso. Faria muito mais sentido ter a usina de produção de antimatéria e a de energia baseada nela instaladas no espaço, com centenas de milhões de quilômetros de distância do ser vivo mais próximo, e usar lasers para transmitir energia. Inclusive usar lasers para transmitir energia para naves em trajetórias longas é uma das ideias que provavelmente vira realidade num futuro nem tão distante.

Tem o que fazer com antimatéria para avançar e muito a tecnologia humana, só não é uma boa coisa para se manter por perto do que você não aceita que exploda eventualmente. Se não nos explodirmos por outros motivos antes disso, eu confio nesse mínimo de bom senso dos humanos de um futuro distante. Ou está aí a resposta para o Paradoxo de Fermi (se o universo é tão grande e tão antigo, por que não estamos vendo alienígenas?), talvez uma parcela das explosões que atribuímos às supernovas sejam civilizações alienígenas fazendo besteira com antimatéria e se destruindo no processo.

Mas, se você tem uma mente curiosa como a minha, deve estar se perguntando por que matéria é matéria e antimatéria é antimatéria. Por que uma é positiva e outra negativa (ou vice-versa)? Vamos primeiro para a parte semântica da coisa, a única constante entre matéria e antimatéria são características fundamentais invertidas. Carga positiva e negativa podem trocar de nome e dar no mesmo. É a mesma coisa que se perguntar por que cima é cima e baixo é baixo, são só nomes que demos. Se as palavras fossem ao contrário, ainda saberíamos que estamos apontando para duas direções opostas.

Se duas coisas se atraem por causa do campo eletromagnético, tem cargas opostas. Se duas coisas se afastam por causa do campo eletromagnético, tem cargas iguais. Pode chamar de positivo e negativo, pode chamar de esquerda e direita, pode chamar até de Sandy e Júnior que a lógica sempre é a mesma.

Agora, tem uma questão mais profunda que eu tentei responder e não consegui: o que faz uma coisa ser negativa ou positiva em relação a sua carga no campo eletromagnético? Sim, sabemos que existem dois lados, mas quem escolhe o lado? Bom, no caso do próton, que tem carga positiva, podemos usar a explicação dos quarks que formam o próton: a soma da carga dos quarks é positiva. Só que só avançamos uma casa, não? Por que os quarks têm a carga que têm? E o elétron? Por que é negativo?

Aí entra o problema da partícula fundamental: chegamos no limite da divisão da matéria. Todas as características que conhecemos do que está ao nosso redor surgem da combinação das partículas fundamentais delas. Mas quando você chega na menor divisão, fica difícil explicar os porquês. As coisas só são daquele jeito. Carga é uma característica fundamental da matéria, ela está lá. Ela nasceu desse jeito.

E como nesse universo nada se cria, nada se destrói, tudo se transforma, as partículas fundamentais já saíram do Big Bang desse jeito. Não tem como afirmar o que fez a matéria ser matéria e não antimatéria, porque em tese, e aqui uma bela de uma insanidade, ela nem deveria existir. A lógica conhecida de funcionamento da realidade diz que essas partículas sempre se manifestam em pares, feitas para se aniquilar.

O elétron é negativo porque é a forma dele se aniquilar com o pósitron (carga positiva), se por algum acaso o elétron não encontra um pósitron, ele ganha o direito de existir. A realidade é um erro ainda inexplicável. Antimatéria é algo fascinante porque ela falhou em cumprir seu papel bilhões de anos atrás e deixou um restinho de matéria na realidade. Essa distração momentânea foi o suficiente para pintar o céu de pontos luminosos e encantar macacos pelados num planeta rochoso.

A partir da revolução da Física Quântica, muitas de nossas certezas foram jogadas no lixo. Ainda estamos tentando entender o que diabos acontece nas menores escalas da matéria (e até mesmo nas maiores, o que é matéria escura?), e uma das explicações para isso é a existência de campos permeando toda a realidade, um deles o eletromagnético. Flutuações nesse campo geram as características básicas da matéria e governam como as coisas interagem. Não sei se você sabe, mas é a resistência eletromagnética dos seus átomos que faz com que as coisas sejam sólidas. Seus átomos não batem nos átomos da parede, eles são repelidos antes de encostar. Até porque átomos são basicamente espaço vazio, e vazio por vazio você poderia atravessar qualquer coisa sem a repulsão eletromagnética.

O campo eletromagnético interage com o elétron de forma a criar uma carga negativa. Se fosse o contrário, o pósitron, interagiria criando uma carga positiva. Por que ele faz isso, não sei. E considerando que eu vi algumas explicações que precisavam de Teoria das Cordas para tentar fazer senso disso, duvido que eu tenha passado reto por uma explicação muito bem aceita. A explicação que eu li tinha a ver com a forma do elétron (que era oco) e a do próton (que era preenchido), dentro da lógica da Teoria das Cordas, mas eu admito que passou muito do meu limite. Fica só como sugestão de pesquisa para quem quiser trazer informações novas para cá.

E só relembrando: chegar no ponto de não ter uma resposta comum aceitável na Ciência é a beleza dela. Não tem “porque sim” como resposta se você estiver disposto a se aprofundar. Prefiro mil vezes bater numa parede dessas do que ouvir alguém inventando respostas mágicas para o que nunca estudou.

Se você quiser tomar o título de nerd alfa do Desfavor, favor trazer uma boa resposta para o porquê das partículas fundamentais terem uma carga ou outra.

E mais importante: não coloque antimatéria no seu tanque de gasolina, pelo menos não se você morar mais ou menos perto de São Paulo (o estado).

Para dizer que foi um texto anti-interessante, para dizer que foi Deus que fez assim, ou mesmo para dizer que meu cérebro é antimatéria: somir@desfavor.com

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