15 anos de evolução pessoal.

Finalizando a semana comemorativa dos 15 anos do Desfavor, Sally e Somir fazem mais uma reflexão sobre melhoras e pioras. O tema? Eles.

Tema de hoje: você acredita ter melhorado ou piorado nos últimos 15 anos?

SOMIR

Eu melhorei. Não estou mais rico nem mais saudável, mas olhando para dentro eu consigo enxergar uma evolução. Eu tenho várias restrições sobre falar da minha vida pessoal aqui, e muitas delas vão continuar valendo por motivos de ideologia: o Desfavor é um lugar para as minhas ideias, não necessariamente minha pessoa.

Dito isso, acho que vale a pena compartilhar um estado mental pelo qual passei durante a existência do Desfavor: por alguns anos, eu lutei contra uma espécie de depressão chamada Distimia. Uma espécie, porque ela troca intensidade por duração. Eu ficava sempre abaixo da linha média de humor, mas nunca tão baixo ao ponto de parar de viver.

Até por isso, é difícil de reconhecer. Você é visto como alguém difícil de lidar ou emocionalmente distante, mas sem dar nenhum sinal inequívoco de transtorno mental para aqueles ao seu redor. Como esse problema não limitava de vez minha capacidade de trabalhar, conviver e criar relacionamentos, foi virando uma parte da minha personalidade.

Mas, você acaba vivendo com uma margem de segurança psicológica muito limitada. Ou seja: eu tinha baixa tolerância a dificuldades e frustrações. Existem vários métodos para lidar com essa baixa tolerância, e o meu acabou sendo distanciamento emocional. Quanto mais frias e superficiais minhas relações, mais eu tinha “proteção” contra situações incômodas de fundo emocional.

A verdade é que dá para viver assim. Talvez muita gente passe a vida toda com uma Distimia descontrolada e seja lembrada apenas por uma personalidade estranha, mas que por vezes tinha algo bacana para oferecer. Eu só fui perceber como estava vivendo próximo do limite quando uma questão emocional furou as defesas e me colocou num estado mais próximo de uma depressão tradicional.

O que na prática não era depressão (não a depressão clássica), era apenas uma tristeza pontual pegando uma pessoa que vivia abaixo da linha segura de estabilidade emocional (a Distimia). Fui buscar ajuda – a Sally me ajudou bastante brigando comigo para deixar de ser teimoso e ir procurar ajuda profissional – e acabou que eu consegui sair dessa entendendo bem melhor o que tinha acontecido. A Distimia me deixava perigosamente perto de desmontar e eu tinha montado toda uma vida baseada nessa premissa: evitando qualquer tipo de emoção mais intensa, boa ou ruim, pelo medo de que uma ruim me quebrasse se viesse um pouco forte demais.

A ajuda profissional funcionou. Terapia, remédios e a percepção que o que eu vivia não era saudável e tinha muito espaço para melhoria. Nem trato mais o tema como estar curado ou não, o que mudou é que eu tenho a noção do que está acontecendo e posso tomar decisões informadas quando meu emocional não parece estar indo para um bom lugar. Então, eu posso considerar que melhorei bastante nesses últimos 15 anos: de uma pessoa que não tinha coragem de olhar para dentro para uma pessoa que respira fundo, reclama, faz bico, deseja ser transformada em robô, mas olha quando é importante.

Eu poderia ter considerado o momento no qual parei de tomar remédios como a cura, mas aí entra a sabedoria do tempo: como eu disse antes, é bobagem pensar em cura nesses casos. Você usa o conhecimento científico disponível para ajudar numa fase mais difícil, mas o resultado mais importante do tratamento de questões mentais é saber o que está lá e como você pode lidar com isso. Passei por outros momentos difíceis depois desse tratamento, mas nenhum deles me jogou num buraco do qual eu não soubesse sair.

Porque o buraco é inevitável: o mundo existe ao nosso redor e não controlamos quase nada dele. O que você faz no buraco é o que determina evolução ou não. Eu sou uma pessoa melhor agora do que era quando começou o Desfavor porque tenho algumas cicatrizes de guerra que não tinha antes, e estou aqui para contar a história. Vou cair em outros buracos no futuro, e até segunda ordem, o importante é que eu acredito que saio deles.

E mantendo a relevância do aniversário do Desfavor, estar aqui foi muito importante nesse processo: informação é poder. Se você estiver compartilhando ou consumindo, é poder. Foi muito útil para me manter mentalmente estimulado com o mundo real até na frente do computador, imagino um universo paralelo onde eu possa ter entrado numa espiral de escapismo interminável. A minha imaginação é muito bem treinada e eu vivo na era da internet… um perigo.

Mas cá estou eu, mais experiente e ainda bem ligado no mundo que me cerca. Toda vez que eu vou fuçar em fóruns e chans eu vejo muita gente amarga, raivosa e/ou desiludida com a vida que me liga vários alarmes de “poderia ter sido eu”. Até por isso, mesmo vendo tanta notícia ruim eu me mantenho mais otimista: eu vejo as consequências terríveis de fugir da realidade em pessoas relativamente parecidas comigo.

Tanto que na vida real, eu faço questão de ser a pessoa mais nerd/escapista de qualquer relação: não confio em pessoas com essa inclinação que eu tenho de cuidarem da saúde mental e não se afundarem em personalidades intragáveis. Além, é claro, de manter uma âncora na realidade. Sally é o exemplo que vocês conhecem, mas também o maior exemplo disso na minha vida: sem ela eu provavelmente já teria flutuado sem controle para fora da realidade, seja em escapismo ou raiva da humanidade.

Tinha muita coisa que poderia dar muito errado na minha vida nesses quinze anos, mas não deu. Saí basicamente inteiro, com mais conhecimento e os problemas que tenho eu acredito que possa resolver. Eu acho que é mais do que suficiente para se considerar uma pessoa melhor.

Para dizer que isso explica nada, para dizer que eu ainda passo uma vibe meio estranha, ou mesmo para dizer que não gosta de amigos que não sejam nerds (dá uma chance): somir@desfavor.com

SALLY

A reflexão de hoje é se nós melhoramos ou pioramos nos últimos 15 anos. Eu sigo na mesma linha de raciocínio da semana toda: pode não ser um ponto de vista tão óbvio para a maioria, mas eu acho que eu piorei.

Não que eu prefira ser a Sally de 15 anos atrás, eu prefiro ser quem eu sou hoje, mas quem eu sou hoje é uma pessoa menos apta para viver neste mundo – tanto é que ando cada vez mais antissocial.

“Mas Sally, o importante é ser quem você quer ser”. Sim, tanto é que eu sou. Mas, com isso, estou menos apta para este mundo. Eu me importo? Não. Muito pelo contrário, acho que quanto menos adaptado se está para este mundo, mais saudável se é. Mas não dá para dizer que uma pessoa menos apta para este mundo tenha melhorado, não é mesmo? O conceito de “melhor” e “pior” é do mundo, da média, da sociedade. E, por este padrão, estou pior – com orgulho.

Antigamente eu ainda me dava ao trabalho. Tentava fazer social mesmo desgostando do local, das pessoas ou de ambos. Tentava manter uma relação cordial com pessoas das quais não gostava por razões profissionais. Tentava não dizer o que eu penso em diversas ocasiões para não gerar mal-estar. Tentava muitas coisas que hoje não estou mais disposta. Eu simplesmente desisti. Vai ter quem me ache pior por não ter competência para jogar o jogo da vida, vai ter quem me ache pior por inadequação.

Essa escolha é melhor para mim? Sem dúvidas, em matéria de saúde mental. Mas pior para minha dinâmica de mundo. Hoje eu simplesmente não pertenço. Não pertenço a grupos. Não pertenço a rituais. Não pertenço a este mundo. Estou feliz? Demais, é um alívio pertencer cada vez menos a este mundo escroto. Mas dá para dizer que isso é uma melhora? Aos olhos do mundo, claro que não.

Na dinâmica do mundo, era muito mais simples ser como eu era 15 anos atrás. Inclusive era mais admirada também. Não que eu queira a admiração de alguém, mas abria portas e facilitava a vida. Eu falava a língua do mundo, seguia os códigos do mundo, eu entendia as regras do jogo e jogava, por sinal, muito bem, conseguindo tudo que queria. Agora, cada vez mais feliz, me retiro do jogo. O preço? Não consigo mais tudo que quero. A recompensa? Paz de espírito.

Pode parecer muito bacana e romântico, mas não é. É uma decisão por exaustão. É uma desistência de “tudo isso que está aí” que, se por um lado melhorou muito minha qualidade de vida, por outro me tornou uma pessoa “pior”. Na dinâmica do mundo, é menos provável que eu consiga triunfar agora. Na dinâmica de mundo eu sou uma peça menos valiosa na engrenagem, pois não faço a máquina andar. Na dinâmica social, vai ter até quem me ache disfuncional.

Antigamente eu via uma pessoa desabafando sofrimento em redes sociais e ia me aproximar para tentar ajudar. Hoje eu tento é manter distância de gente insana que espetaculariza sofrimento. Quem é melhor: a pessoa que estendia a mão ou a pessoa que passa reto?

Antigamente eu tinha várias ideias para tentar melhorar o mundo. Hoje eu não movo um dedo a não ser para melhorar a mim, pois não acredito que exista nada fora, tudo se resolve dentro. Quem é melhor: a pessoa que mobilizava, fazia e acontecia para melhorar o mundo ou a pessoa que só pensa em melhorar ela mesma?

Percebem onde quero chegar?

A menos que sua visão seja muito alinhada com a minha, eu deixei de ser generosa e passei a ser egoísta. Eu deixei de ser proativa e passei a ser egoísta. Eu deixei qualquer coisa considerada “boa” pelo mundo de lado em nome de outro sistema de crenças que quase ninguém, compartilha e que é taxado de egoísmo. E a avaliação geral quem faz é a maioria.

Se eu te digo que uma girafa é um animal pequeno e branco, você e o resto do mundo me dirão que não, que uma girafa é um bicho grande e de pescoço comprido. Se eu insisto, a maluca sou eu. Está convencionado que uma girafa é um bicho grande e de pescoço comprido neste mundo e é isso o que vai prevalecer, pouco importa o que eu pense. No mundo, eu sou a lunática que confunde uma girafa com um poodle. Se isso não é uma piora, eu não sei o que é.

Não podemos confundir o fato de eu estar mais feliz hoje com o fato de estar melhor ou pior. “Melhor” e “pior” são conceitos do mundo, portanto, regidos pelas regras do mundo. E, por essas regras, está melhor quem está mais adaptado, mais bem-sucedido dentro desses padrões. E certamente não sou eu. E não faço questão de ser. Prefiro ser observadora do que partícipe deste mundo.

A coisa fica ainda mais gritante quando a gente olha para o Somir. 15 anos atrás Somir era uma criatura inapta para viver em sociedade, talvez até para viver. Com o passar dos anos ele foi se socializando um pouco, entendendo e respeitando algumas regras de convivência (eu disse “algumas”) e hoje a coisa se inverteu: ele é muito mais capaz de viver em sociedade do que eu. Ele sim evoluiu.

Ele gosta? Não. Desgosta tanto quanto eu. Mas aprendeu a fazer sem se incomodar. Ponto para ele, ele está na minha frente. Eu sabia fazer, me incomodava, desisti de fazer, o que é ótimo, pois não me violento, mas ainda não cheguei no patamar superior de fazer e não me importar. Por enquanto, Somir está na minha frente em matéria de melhora. Quem diria que, 15 anos depois, Siago Tomir estaria mais bem adaptado ao mundo do que eu…

Talvez você, na sua cabeça, com uma opinião totalmente isolada, ache que eu melhorei (e fico muito feliz por isso), mas, na opinião geral, a Sally 2008 era melhor.

Para dizer que se juntar os dois dá um ser humano normal, para dizer que uma pessoa egoísta não escreve 15 anos grátis (vai explicar isso para o mundo…) ou ainda para perguntar como Somir conseguiu melhorar: sally@desfavor.com

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Comments (10)

  • Pra mim os dois melhoraram muito. Só o q posso avaliar são os textos e para mim foi como ver adolescentes se tornando adultos.
    Eu vim atrás da Sally lá do Corporativismo Feminino (eu acho q era esse nome).
    Tem tantos textos q me influenciaram q posso dizer q tbm faço parte dessa melhora rs.
    Uma coisa q eu acho incrível é ainda estar aqui pq é o único “lugar” q eu frequentava naquela época e continuo interessada. Por mais 15 anos “juntos” .

  • Sally, tu podia ensinar como “conseguir tudo o que queremos”. Por que quem teve tudo pode abrir mão, mas e quem nunca “chegou lá”? Dá umas dicas: como conseguir TUDO o que queremos?

  • Vou dizer, eu sinto falta um pouco da Sally do passado, amarga, ironica e com uma boa dose de humor ácido… Mas entendo que os tempos mudaram, as pessoas também mudam, então…

    E quanto ao Somir, eu lembro lá nos idos de 2010 que os textos dele eram difíceis de ler, ele pagava de cult e um tanto elitista, fazia questão de que aqui fosse um lugar elitizado, pra manter longe certas pessoas daqui. Lembro até que numa época aí isso foi debate entre Sally e Somir, sobre ela ser mais populacho e ele ser mais elitista.

    E poxa, nunca imaginei que o Somir sofresse distimia! Eu lembrava mais ou menao dos siago tomir de antigamente que ele era realmente difícil de lidar e conviver em sociedade…

    Aliás, a quantas andam os gatos do Somir? Ele continua tendo um monte? Tem algum persa?

    • Foi só uma Cruzada contra os infiéis. Depois que conquistamos Jerusalém eu relaxei sobre o elitismo. E como eu disse no conteúdo de ontem: eu escrevo melhor agora do que escrevia no começo. Isso ajuda a deixar os textos mais compreensíveis.

      Eu não falo sobre meus animais de estimação porque eu acredito que eles tem direito à privacidade. E porque toda vez que eu falo a Sally briga comigo por alguma coisa que eu não estou fazendo direito…

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