Término x Gestação

Meio que brincando, meio que falando sério, cheguei à conclusão de que términos de relacionamento costumam ser bem semelhantes a uma gestação. Em um primeiro momento, provavelmente, isso não faz o menor sentido para você, mas, se você dedicar dez minutos do seu dia aos meus devaneios e conseguir ler este texto até o final, talvez você concorde comigo em muitos pontos.

Términos não costumam ser repentinos, eles são gestados, por muitos meses. Ok, existem situações extremas nas quais ocorrem términos abruptos, sem aviso, de um dia para o outro (por exemplo, quando é flagrada uma traição), mas a regra geral é a de meses de espera. Assim como também existem gestações em casos excepcionais nos quais a mulher não sabia que estava grávida e descobre apenas quando o bebê nasce. Em todo caso, a regra é gestar.

E meu viés de confirmação quer muito que esse tempo seja de nove meses, para encaixar perfeitamente nesta minha teoria maluca sem qualquer embasamento. Então, querido leitor, conte o tempo a partir do momento em que você percebeu que talvez fosse hora de terminar um relacionamento e data na qual ele efetivamente terminou – mas só compartilhe a resposta conosco se ela for de nove meses, afinal, seria uma pena estragar minha teoria!

Falando sério, existem muitos pontos em comum.

Assim como na gestação, o término começa com algo bem pequenininho, que vai crescendo. Até mesmo alguns sintomas (por motivos diferentes) são semelhantes: enjoo (de olhar para a cara do parceiro, de escutar e voz do parceiro, de fazer coisas com o parceiro), ganho de peso (por falta de motivação para se manter em forma) ou parar de fazer sexo por motivos nada justificados, mas que ambos tacitamente combinam em aderir.

Assim como na gestação, no começo, muitos nem percebem o que está acontecendo. Há pequenos sinais, muito sutis, que podem passar facilmente despercebidos e serem explicados por diversos outros motivos.

E, se a pessoa não quiser aquilo, ela pode entrar em negação e arrumar ainda mais argumentos para se enganar. Se estiver grávida pode achar que seu ciclo é irregular mesmo e não tem problema, que o ganho de peso é por estar comendo demais ou que o enjoo foi a feijoada que não caiu bem. Se estiver sendo gestado um término, pode achar que é uma fase, que todo casal depois de um tempo junto fica assim ou que é excesso de trabalho e a coisa vai se normalizar.

Mas a verdade… ahhhh a verdade… ela não se importa. Os sinais começam a aumentar e os envolvidos na gestação (do bebê ou do término) começam a não conseguir mais negar. Pode até vir uma fase de desespero, de aceitar que a gestação está acontecendo, mas fugir de pensar nisso, adiar o problema e “mais para frente”, quando a coisa de fato de materializar, a pessoa vê o que faz.

Outros, mais precavidos, começam a se preparar como podem. Preparam o corpo para a gestação. Se for de um bebê, tomam vitaminas, passam cremes, controlam a dieta. Se for de um término, voltam a malhar, emagrecem, pintam o cabelo. Também tem os que preparam a mente. Se for a gestação de um bebê, começam a ler livros sobre como cuidar, pedem conselhos a quem já passou por isso, tentam ler blogs ou assistir vídeos sobre maternidade. Se for a gestação de um término, começam a socializar com potenciais novos parceiros, flertam por aí para ver quanto vale seu “passe” no mercado e começam a se informar sobre os protocolos de flerte na atualidade.

Claro que, como em toda gestação, podem ocorrer abortos. Inclusive eles são mais comuns do que a gente imagina, só que ninguém costuma falar muito deles (nem de bebês, nem de términos), pois fica um clima chato quando o assunto é verbalizado em voz alta.

Eu arrisco dizer que todos vocês que estão me lendo agora ao menos uma vez gestaram um término de relacionamento que, por algum motivo, foi abortado no meio do caminho. Um dia você pensa “é, não vai dar, esse relacionamento tem que terminar” e depois algo muda, e o término é abortado. Por motivos óbvios não se comenta, mas existe.

Por isso, no começo da gestação (do bebê ou do término) não se costuma comentar com ninguém, ou com pouquíssimas pessoas de confiança, já que ainda não se sabe se de fato aquilo vai adiante e seria muito chato anunciar algo que não acontece e depois ter que explicar que não vai acontecer. Abortos ainda são tabu.

E os abortos, tanto de gestação como de términos, podem ser voluntários ou espontâneos. Um aborto voluntário de gestação ocorre quando a mulher decide não a levar adiante e faz algo para efetivamente interromper a gravides ou, no caso de términos, quando a pessoa que estava prestes a levar um fora toma consciência e reverte a situação, se redime e te reconquista.

Já no caso de aborto espontâneo, na gestação ele ocorre quando ninguém faz nada e a gestação se interrompe por motivos de força maior, bem como no de aborto de um término espontâneo, quando você simplesmente percebe que a vontade de terminar nunca existiu de verdade, foi apenas fruto de um momento de ira, raiva ou insanidade e a relação nunca esteve em risco real.

Se não houver um aborto, o bebê continua sendo gestado, bem como o término. Os sinais ficam cada vez mais inequívocos, até mesmo para pessoas de fora, quem nem sequer conhecem os envolvidos. Assim como em determinado ponto da gestação ninguém tem dúvidas de que aquela mulher está grávida, nem mesmo um estranho que a vê em um restaurante, em determinado ponto da gestação de um término ninguém tem dúvidas de que um casal está condenado ao fim, nem mesmo um estranho em um restaurante. Pode até demorar mais do que se imaginava para o nascimento (da criança ou do término) mas se sabe que é questão de tempo.

Assim como na gestação de um bebê, na gestação de um término costuma existir um momento no qual a pessoa busca ajuda em outras, pela complexidade do futuro evento. Pode ser ajuda profissional, no caso de uma grávida, um obstetra que realize exames ou ajuda de leigos que já passaram por isso, como uma doula que aconselhe, uma conversa com a própria mãe para ouvir a voz da experiência. No caso da gestação de um término, a pessoa também pode recorrer a ajuda profissional, como um terapeuta de casais ou até uma terapia solo para passar melhor pelo momento, ou de leigos, como conversar com amigos ou pessoas que passaram por isso recentemente.

E assim como na gestação de um bebê, na gestação de um término tem sempre um lado que tem mais controle e percepção do que está acontecendo e outro que apenas acompanha sem entender muito, mas tentando estar presente. E o desgaste costuma ser bem maior para o lado que tem mais controle e percepção. Em alguns casos, ignorância é mesmo uma bênção.

Por exemplo, na gestação de um bebê, normalmente a mãe está mais ciente de tudo que acontece. Ela compartilha sensações, planos e temores com o pai, que geralmente fica meio aéreo por aquilo ser muito abstrato para ele. A ficha só cairá quando o bebê nascer e ele também puder experimentar aquilo que lhe foi descrito, só então o “em tese” se tornará real. Já na gestação de um término, geralmente vemos um lado infeliz, pressionado, insatisfeito e comunicando isso, enquanto o outro parece alheio a essa abstração, muitas vezes sem entender, outras sem dar bola… até que o término nasce e a pessoa pode experimentar o que lhe foi descrito (sofrimento, desamor, tristeza) e o “em tese” se torna real.

No final da gestação (do bebê ou do término), a situação é quase incapacitante. Há dificuldade até para dormir. Há ansiedade. Há uma taquicardia de receber um telefonema a qualquer momento. Há a expectativa de uma dor que parece ser muito grande e inevitável para um dos lados. Há até uma sensação de só querer que isso termine logo para ir para a próxima etapa da sua vida.

E, no final, como em toda gestação, vem o parto. No caso de mães, o parto do verbo parir. No caso de término, o parto do verbo partir. Partir para outra casa, partir o coração de alguém e, algumas vezes, até mesmo os bens pela metade.

Até o pós-gestação tem coisas em comum: as primeiras noites são muito maldormidas, tem muito choro e tem muita merda na sua vida. O novo assusta e inevitavelmente se sente saudades da vida anterior, que podia nem ser tão boa, mas ao menos era conhecida. Existe a sensação de “será que eu vou dar conta?” e às vezes até uma depressão.

Quando as coisas melhoram, as similaridades continuam: vem a fase da hiperexposição em redes sociais. Se foi uma gestação de um bebê, trocentas fotos do bebê fazendo coisas desinteressantes, como uma bolha de baba, ou fotos tenebrosas evadindo a privacidade, como a hora do banho, a troca de fralda ou uma vomitada pós-refeição. Se foi uma gestação de um término, trocentas fotos da pessoa fazendo coisas desinteressantes, como ela malhando, por exemplo, ou até fotos tenebrosas evadindo a privacidade, como a hora do banho, a troca de roupa ou uma vomitada pós-balada.

E, que ninguém nos ouça, há ainda mais uma similaridade: nós, os amigos, fatalmente ficaremos de saco muito cheio, mas não diremos nada, por amor à pessoa, por saber que é uma fase de insanidade temporária. Não aguentamos mais ouvir falar sobre isso e ver os devaneios que a pessoa comete, mas a gente está lá, firme, tentando não julgar e não criticar. A gente sente até receio de abrir as redes sociais da pessoa, pois já sabemos o que vamos encontrar e pensamos que 1) sua vida não é assim tão importante/interessante e 2) já era hora de a vida ter entrado em estado de normalidade.

E, na maioria das gestações (de bebês ou de términos) o saldo que fica é o mesmo, quase sempre de extremos: ou aquilo se torna a melhor decisão que você já tomou na vida, ou um eterno e silencioso arrependimento.

Então se você está em um relacionamento que está te chateando, te aborrecendo, te dando mais problemas do que coisas boas e está se recriminando por não terminar logo, lembre-se da Tia Sally: o fim de uma relação é um processo, é como uma gestação, da qual nasce um término. Geste este término, se prepare para ele da melhor forma que você puder e depois que ele ocorrer, seja gentil e retome à normalidade – ou ao menos pare de encher os ouvidos do outro falando e mostrando como está sendo sua vida após o evento.

Para dizer que novamente estou mexendo com santa instituição da maternidade em vão, para dizer que às vezes é como prisão de ventre pois acaba saindo uma enxurrada de merda ou ainda para dizer que é questão de tempo para que roubem este texto para um monólogo de stand up comedy (não será o primeiro nem o último): sally@desfavor.com

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Comments (8)

  • Eu acho que passei por esse período de gestar um término quando percebi que um relacionamento anterior estava falido e me dando mais trabalho que alegria. Foram alguns meses um tanto doloridos ruminando que ele tinha de acabar, mas quando de fato terminei, a sensação de leveza foi muito compensadora.

    Acho que talvez a gente geste várias mudanças ou catalisadores de mudanças na vida. Às vezes, olhamos para trás e sementinha de uma mudança de hábito ou outra transição foi plantada meses antes da transição de fato acontecer.

  • Já roubaram teu texto pra um stand up, Sally? Como tu ficou sabendo? Não me diga que tu mesma assistiu?

    Sobre o texto, eu já li a respeito, alguns psicológicos comparam o termino de uma relação com o processo de luto, afinal, é como se fosse uma morte simbólica mesmo, e há todo um processo a ser atravessado, nem tanto de “cura”, mas sim um processo. A questão é saber lidar da melhor maneira com isso e não fazer da vida dos outros um saco, torrando a paciência alheia.

    • Já roubaram e eu assisti ao vivo a pessoa fazendo. Tá tudo certo, não deixa de ser um elogio ao nosso trabalho quando alguém o acha tão bom que quer se apropriar dele, né?

      Sim, comparação de término com luto eu já tinha visto, mas o texto é justamente o oposto: é com nascimento. Esse eu ainda não vi. Talvez em breve em algum stand up… hahahaha

  • Só de ver um story/foto no feed do Instagram já dá pra saber quando a pessoa está recém-solteira hahahahaha Segue um padrão mesmo

      • Isso com certeza, mas acho que é tão normalizado que a pessoa nem para pra pensar que está se expondo ao ridículo

        • Além de se expor ao ridículo, ela atrai para si pessoas e situações muito ruins. Uma pessoa madura, centrada, equilibrada, vê uma coisa dessa e não chega perto. Aí depois a pessoa reclama que “só atrai maluco”. Óbvio, com suas atitudes ela está espantando as pessoas sãs…

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