Recado passado.

Salvo algum problema sério, é de se esperar que fiquemos mais sábios com o tempo. Sally e Somir concordam que a versão moderna deles poderia contribuir com a versão passada, concordam até mesmo no caminho a seguir, mas não sobre como aproveitariam a chance. Os impopulares preveem a melhor alternativa.

Tema de hoje: se você pudesse dizer só uma frase para você aos 10 anos de idade, qual diria?

SOMIR

“Compre Bitcoin e só venda depois de 2017.”

Pronto, essa é uma informação curta o suficiente para uma criança de 10 anos absorver que garante estabilidade financeira e tranquilidade na vida adulta. E o melhor, sem estragar o desenvolvimento de inteligência, caráter e responsabilidade.

Primeiro, preciso explicar a escolha da frase: eu até podia ser uma criança mais inteligente que a média (que era baixa), mas ainda era uma criança. O grau de complexidade da frase conta muito para ter uma chance de ser compreendida. Eu até pensei em dizer outras datas boas para venda como 2021 e até agora em 2024, mas isso ia adicionar ruído na mensagem. Dizer para comprar Bitcoin e só vender depois de 2017 é curto e entrega todo o valor necessário.

Não tem nada nessa frase que me impeça de continuar pelo caminho da nerdice, e foi esse o caminho que me fez ficar sabendo da Bitcoin ainda em 2010, na época eu era um quebrado, mas com um pouco de esforço eu conseguiria aprender como fazer e investir o suficiente para comprar pelo menos umas 100 delas. Mesmo que eu tivesse um momento de estupidez e vendesse quando batesse 1000 dólares pela primeira vez, confio na minha mente para manter pelo menos metade guardada até 2017. E mesmo que vendesse tudo lá, já estaria com a vida ganha.

Não é sobre garantir que eu me tornasse um milionário, é sobre ter um colchão de segurança que me permitisse viver uma vida mais tranquila depois de adulto. O resto a gente vai levando. Porque o resto sobre relacionamentos e saúde mental é mais importante, mas não é algo que você consiga ensinar para uma criança de 10 anos numa frase.

Tem curso superior de comunicação justamente para isso: achar a melhor forma de passar uma mensagem para um público determinado e garantir que ela seja absorvida. Se você só tem uma chance, uma intervenção no passado, que seja algo curto e memorável. E não que eu seja puramente mercenário, falar sobre dinheiro é o que cabe.

Sabedoria sem experiência é meio que nem frase de biscoito da sorte. Se eu voltasse e dissesse para escutar mais meu coração, grandes merdas. O que uma criança vai tirar disso? Quando ela vai saber como usar? E outra, algo aberto nesse sentido poderia acabar comigo topando experimentar drogas para ficar mais próximo de uma garota que eu gostasse ou algo do tipo. Da infância para a adolescência você fica numa vulnerabilidade enorme de fazer besteira. Mais seguro escutar o cérebro ou adultos responsáveis.

Por isso uma frase que só ficaria na memória do jovem Somir até ser ativada pela inevitável descoberta da Bitcoin, que por sorte é uma palavra que só aparece depois da invenção da Bitcoin. Não teria como eu ouvir sobre o tema antes disso e comprar a “errada”. É um dos poucos investimentos que cresceram nesse ritmo alucinante de te deixar rico em poucos anos, então só de ver ela surgindo e acreditando que daria muito certo sete anos depois, eu já estaria com uma enorme vantagem.

Dinheiro não traz felicidade, mas te ajuda muito a não se enroscar em uma série de problemas que atrasam a vida e trazem coisas como ansiedade e frustração. Deixa o Somir fazer as merdas emocionais que vai fazer, porque elas são aprendizado. Eu ainda prefiro os meus defeitos atuais a ser uma pessoa mais “normal” e nunca abrir a mente para as possibilidades que abri.

E como já disse antes, isso ainda me obriga a trabalhar, porque ainda seriam muitos anos até surgir a Bitcoin e ela realmente dar dinheiro na hora da venda. E para evitar diversos problemas de personalidade que vem junto com muito dinheiro desde pequeno, nada como ter umas contas para pagar e uma preocupação de saber fazer alguma coisa. Mesmo que eu acabasse num modo assassino de Bitcoin assim que visse a coisa aparecendo, eu ainda estaria me desenvolvendo num mercado que não parou de crescer. Talvez acabasse bilionário, mas não sem antes me formar em alguma coisa, aprender como me virar.

E mais importante, é algo que eu controlaria de acordo com a minha capacidade de adulto. Se for uma pancada como o que a Sally pensou, não se sabe o efeito cascata de uma mudança de vida extrema logo na infância. Se eu estou satisfeito com a mente que eu formei hoje, não para sempre, é claro, mas do caminho que me fez chegar aqui, eu não gostaria de fazer alterações drásticas.

Até por isso, eu acredito que eventualmente entenderia o motivo pelo qual passei essa informação e não outras que teoricamente seriam mais importantes para a minha vida na parte de relacionamentos, família, amigos e etc. Primeiro que se eu dissesse algo como tentar evitar a morte de alguém ou impedir uma tragédia, acabaria com a saúde mental de uma criança. Não se coloca esse peso em quem tem 10 anos. A ideia da Bitcoin tem uma recompensa bacana e não coloca nenhuma pressão numa criança. 2017 daria no mesmo que 2217 naquela idade, zero pressão por estar muito mais longe que alguém com 10 anos consegue conceber.

E no final das contas, se eu não quero ser uma pessoa diferente, a melhor coisa é ter um dinheiro extra para emergências e bobagens.

Para dizer que esse lance de Bitcoin vai dar errado (possível, mas eu já estaria rico com dinheiro de verdade), para dizer que mandaria seu eu de 10 anos nunca usar um celular, ou mesmo para dizer que daria um conselho emocional complexo para quem nem sabe limpar a bunda direito: comente.

SALLY

Se você pudesse voltar no tempo e encontrar a você mesmo quando era uma criança de dez anos e só pudesse dizer uma frase a você, qual seria?

Talvez vocês estejam pensando em frases nobres, frase de efeito ou até lições de vida… Eu não faria isso. Acho que ninguém que entenda como funciona o Efeito Borboleta (ou que tenha visto o filme) faria isso.

Apesar de já ter me fodido muito na vida, apesar de já ter visto morrer pessoas que amo muito, apesar de já ter cometido inúmeros erros dolorosos com consequências igualmente dolorosas, eu não alteraria a minha história, por um único motivo: ela me trouxe onde estou e hoje, mentalmente, estou bem. Estou feliz com a minha vida.

Além disso, quais seriam as chances de uma criança de dez anos de idade compreender uma mensagem muito profunda? Talvez causasse mais medo do que benefícios. Talvez a mensagem simplesmente se perdesse. Diante do risco de causar um dano a mim e à minha história, prefiro não dar conselhos de vida. Prefiro viver como o resto dos mortais, aprendendo com os erros. Isso constrói caráter e nos torna mais fortes, não quero ser poupada de nada não.

Então, se tivesse que dizer alguma coisa a mim mesma, seria dar os números da Mega Sena acumulada do sorteio da semana passada. Seria uma forma de não alterar a minha vida e de me assegurar que ganharia muito dinheiro quando já tivesse maturidade mental e estabilidade emocional para lidar com isso.

Certamente eu viveria tudo que vivi, pois uma suposta promessa de ganhar na loteria décadas depois não altera a vida de ninguém, preservaria minha história, minha jornada, e garantiria um conforto financeiro na última metade da vida. Me parece uma escolha bastante razoável.

A escolha da Mega Sena é providencial: nada como ganhar um prêmio no Brasil quando não se mora mais no Brasil. Eu relutaria em ganhar um prêmio em qualquer país que vivesse, pois acho que isso pinta um alvo na sua testa.

Além disso, é tudo dentro da lei e, por mais que tenha a parte desagradável dos impostos, é relativamente fácil de se retirar o prêmio. E é algo estável. Não flutua, não oscila. É aquela quantidade em reais, você pega o dinheiro e faz o que quiser com ele. E é um dinheiro que não dá trabalho, pode botar na poupança, o investimento mais preguiçoso do mundo e viver de boa só de renda.

Já que me é dada essa oportunidade de acessar algo líquido e certo, jamais a gastaria com algo incerto, trabalhoso ou que oscila. Olha para a minha cara e me diz se eu vou usar essa única chance de forma falha! Bitcoin hoje dá certo, amanhã não dá. Dizer que vai dar certo não basta, pois ainda seria uma taquicardia definir quando se desfazer dele.

Fora que… tem que minerar essa merda. Ou seja, antes mesmo de ganhar dinheiro tem que ter um computador foda e tem que saber fazer. Não, obrigada. Não quero incerteza e trabalho, não quero ter que contar com as oscilações do mercado, ter que estar atenta a diversos fatores externos que não dependem de mim e sobre os quais não entendo e não tenho aptidão para entender.

Me chame de velha (estou ficando), mas eu quero algo palpável. Uma abstração com valor oscilante não me convence. Quero dinheiro na conta. Algo que eu posso colocar em um pendrive e o pendrive se perder ou estragar (sim, minha referência de bitcoin é “The Big Band Theory”) não me satisfaz.

“Mas Sally, com bitcoin você ganharia mais”. Meu anjo, o prêmio da Mega Sena ultrapassava os 200 milhões, eu realmente não preciso de mais do que isso. Tá ótimo, tá lindo, sem trabalho algum e com muito mais segurança. Me deixa fazer as coisas old school, que é o que eu sei fazer bem. Não vou inovar nem ousar em uma oportunidade única como essa.

Pode vir com o argumento de vantagem financeira que quiser, eu prefiro ficar em terreno seguro, no qual eu sei as regras e sei me proteger do que ganhar mais em um terreno que não domino. Bitcoin é invenção do jovem (nasceu em 2008), e o jovem, como todos sabem, é idiota e tem que acabar. Quanto menos coisa do jovem eu me vincular, melhor. Podem rir, vocês também vão chegar nesse raciocínio mais cedo ou mais tarde.

“Ain conservador, negando o progresso, negando a era digital”. Sim, estou escrevendo isso diretamente da minha máquina de escrever! Não é sobre negar a modernidade, é sobre ter consciência das próprias limitações. Eu tenho das minhas e faço as melhores escolhas com base nisso, para não morder mais do que posso mastigar.

É muito fácil criticar quando as limitações são sobre algo que você domina. Garanto que se um jovem tivesse que fazer um trabalho buscando em uma enciclopédia ele também migraria para a outra opção, pois é a coisa inteligente a se fazer: se conhecer, entender quais são os pontos fortes e jogar com eles.

É como se na vida todos tivéssemos um “cinto de utilidades” do Batman, com diversas ferramentas, o que nos torna muito bons para algumas coisas e muito bons para outras. Podemos adquirir ferramentas novas, mas isso demanda esforço e nem sempre conseguimos manejá-las como maestria. Então, quando falamos de uma oportunidade única, nada mais inteligente do que vinculá-la a aquilo que somos melhores, para não correr o risco de perdê-la.

Bitcoin é o caralho.

Para dizer que eu estou ficando velha (eu já sei, você não precisa me dizer), para dizer que poderia pelo menos jogar em alguma loteria americana para pegar o prêmio em dólar (novamente: vou no seguro e conhecido) ou ainda para dizer que somos dois mercenários: comente.

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Comments (10)

  • Eu faria igual aqueles escritores experientes que escrevem frases enormes com várias vírgulas e faria uma palestra pro meu eu do passado, hahahahahah

  • Minha frase seria: “ouça os seus pais e siga tudo que eles te disserem até os 21”. Teria me poupado de arrependimentos até hj

  • “Compre um pente com dentes largos”
    Cuidados com cabelo cacheado não eram tão disseminados na época, então sofri muito durante a infância toda hora de pentear o cabelo porque nem minha mãe e nenhum cabeleireiro sabia lidar com cabelo cacheado, só faltava arrancarem a minha cabeça de tanto puxar! Demorou muito pra eu descobrir a existência de pentes largos.
    Se fosse falar de bitcoin, eu não entenderia nada e esqueceria no minuto seguinte.

  • Provavelmente também iria dizer para o meu eu de 10 anos investir em bitcoins e só vender depois de 2017, no ápice. Eu tinha um pouco mais do que isso quando vi um anúncio a respeito, custava menos de 100 reais. Estava na minha fase de “vou guardar toda minha mesada e comprar algo que realmente queira depois” e cogitei pesquisar mais, mas perdi o interesse por achar difícil demais. Se tivesse tido um pouquinho mais de paciência, talvez chegasse sozinha à decisão de comprar, e meu eu do futuro dizendo isso seria providencial. Meu eu de 2017 teria podido aproveitar mais oportunidades se recebesse aquele dinheiro também, mas até que não me virei mal com o que tinha na época.

    Verdade seja dita, investi bem pouquinho em bitcoins uns anos atrás. Tive a sorte de ver meus trocados dobrarem. Acabei vendendo e talvez investisse mais se tivesse uma margem maior de dinheiro que posso perder sem fazer falta.

  • Meu maior arrependimento é não ter sido um adolescente muito aplicado na escola, principalmente em exatas, então eu falaria VAI ESTUDAR MAIS, VAGABUNDO!

  • Assim que bati o olho no título pensei “teria dito a mim mesma pra comprar Bitcoin”, e eis que o Somir também pensou o mesmo!

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