Chocolate.

O chocolate é uma invenção antiga, há registros do seu consumo, ainda que em forma rudimentar, muitos anos antes de Cristo. O primeiro registro confirmado do qual se tem notícia é em uma civilização que habitava a área que hoje corresponde ao México. Em seus primórdios, era consumido na forma de uma bebida, tida como afrodisíaca e estimulante.

Os Maias consumiam regularmente uma bebida, em rituais destinados ao alto escalão da sociedade. Sua matéria prima era o cacau misturado com baunilha e outros ingredientes cujo nome era xocoalt, que deu origem à palavra “chocolate”.

Ao contrário do que muita gente pensa, o cacau não é uma semente nem um grão, é uma fruta. No Brasil, é produzido majoritariamente na Bahia, razão pela qual contenho minha praga de Tsunami: 95% do cacau brasileiro vem de lá. Mas ainda dá para torcer pela Tsunami varrendo o axé do planeta, pois em escala mundial, a Bahia é responsável por apenas 5% do cacau do mundo. O principal produtor atualmente é Costa do Marfim. Na próxima Copa do Mundo vou torcer por eles. Um povo que me dá o chocolate merece todo o apoio do mundo.

O cacau é quebrado e as sementes que ficam do lado de dentro (cerca de 20 a 50 sementes por fruta) são colocadas para secar ao sol por oito dias. Nem cogitem comê-las, elas são amargas. Depois de secarem ao sol, elas são torradas em máquinas especiais, para remover o que resta de umidade, por isso ficam com uma cor marrom, que acabará por colorir o chocolate.

Uma vez torradas, são resfriadas e trituradas, para remover sua casca. Depois de moídas, passam por uma prensa que separa as sementes em dois grupos: a manteiga de cacau e a “torta” de cacau, uma pasta seca e compacta. Para fazer o chocolate tradicional, a manteiga de cacau e a torta de cacau são misturados com açúcar e leite. O meio-amargomistura todos os ingredientes menos o leite. O chocolate branco leva apenas a manteiga de cacau, açúcar e leite.

Essa mistura (que varia conforme os três tipos de chocolates citados) passa por um refinador. O objetivo é triturar os grãos de açúcar, para que o chocolate não fique com uma textura granulada e seja mais agradável de comer. É nesse processo de refino o fator determinante para a qualidade do chocolate. Quanto mais bem dissolvidos os grãos de açúcar, mais cremoso e agradável será o chocolate. Só que refinar o chocolate requer um maquinário caro, quanto melhor o refino, mais caro o custo e, consequentemente, mais caro o chocolate.

Quando os grãos de açúcar já estão imperceptíveis, a mistura vai para um processo chamado “conchagem” onde passam por diversas temperaturas com o objetivo de endurecer gradativamente a manteiga de cacau, deixando o chocolate em uma textura agradável para o consumo. Finalmente, quando a massa está na temperatura ideal, vem o último passo: a moldagem. É colocada em fôrmas e eventuais ingredientes são acrescentados (flocos crocantes, amêndoas, castanhas, etc). É resfriado em definitivo e embalado.

Hoje, para ser classificado como “chocolate” no Brasil, o produto deve ter pelo menos 25% da sua composição de cacau. Ou seja, precisa de muito pouco para se vender um “chocolate” oficialmente. Um produto pode ter 25% de chocolate, 50% de açúcar e 25% de gordura que será chocolate.

Vale a pena ficar de olho na embalagem para fins de silhueta, pois açúcar e gordura são baratos e acabam sendo utilizados em grande quantidade para baratear o produto. Quanto mais cacau e menos gordura, menos você vai engordar. Todos aqueles benefícios que vira e mexe são atribuídos ao chocolate, como ser benéfico ao coração ou prevenir AVC, só valem para chocolates de qualidade, com alta concentração de cacau e baixa concentração de açúcar e gordura.

Na prática, para reconhecer um chocolate de qualidade, uma série de fatores devem ser levados em conta, desde sua aparência e aroma, até sua textura e seu sabor. Um chocolate de boa qualidade possuí brilho, não é opaco. Seu cheiro é de cacau e não de açúcar. Ao ser quebrado, o chocolate faz um estrondo, um barulho seco, não cede de forma mole. Uma dica boa é colocar um pedaço pequeno de chocolate na boca e esperar sem mastigar. Se for de qualidade, em poucos segundos vai derreter, se não for, vai continuar ali, duro feito uma bola de gordura.

O chocolate deve ser conservado em temperaturas entre 15 e 20 graus, pois se for mais quente derrete e se for mais frio fica esbranquiçado. Isso acontece graças à manteiga de cacau, que em baixas temperaturas migra para a superfície do chocolate. Mas não se preocupe se seu chocolate ficou branquinho, não costuma interferir no sabor.

Independente da qualidade, o chocolate é muito consumido por uma série de fatores. O mais rudimentar está ligado à nossa evolução. Quando éramos homens das cavernas e precisávamos caçar para sobreviver em períodos de incerteza alimentar, as chances de sobrevivência eram maiores se estocássemos gordura. Quem tinha gordura estocada sobrevivia a eventuais períodos de intempéries.

Por isso nossos cérebros desenvolveram um mecanismo de recompensa poderosa (papo técnico: liberação de endorfina) que nos estimulam a comer gordura e açúcar, estoques energéticos eficientes. O chocolate é rico em ambos, sobrevivência garantida. O que nosso corpo não contava é que não precisaríamos mais andar quilômetros para conseguir alimento e que não teríamos mais períodos de fome. A recompensa por estocar energia virou uma armadilha, a obesidade.

O chocolate também aumenta a produção de serotonina, uma substância responsável pela sensação de prazer. Funciona como uma “droga natural” que aumenta a sensação de bem estar, atenuando sintomas ligados à depressão e ansiedade. A serotonina acalma e a endorfina melhora o humor. Uma combinação quase que irresistível. Mas, infelizmente, pode estar com os dias contados.

O cacau só cresce em regiões quentes e precisa de uma série de particularidades ao ser cultivado, por isso apenas países na faixa central do planeta conseguem cultivá-lo. Como o consumo de chocolate é mundial com grande demanda e o cultivo se restringe apenas a algumas regiões, a demanda superou a produção. Isso aconteceu pela primeira vez em 2001, quando foram produzidos 2,8 milhões de toneladas e foram consumidos 3 milhões e só vem aumentando. Alerta vermelho, chocolate está estrando em extinção. Não sei o que os cientistas andam fazendo, mas no que depender de mim, larga tudo, cura do câncer, busca de vida em outros planetas, o que for, e foca em uma forma de aumentar a produção de chocolate, porque né, prioridades.

O maior problema é que esses países da faixa central do planeta, mais precisamente 10 graus de latitude ao norte ou ao sul do equador, são países pobres. Isso reflete no cultivo do cacau: lavouras precárias que não estão preparadas para combater pragas ou sobreviver a imprevistos climáticos. Pior ainda: a precariedade gerou plantações com pouca variação genética, ou seja, a praga que mata uma planta mata todas. Qualquer imprevisto é devastador em larga escala.

A Bahia é um claro exemplo do que essa precariedade é capaz de causar: na década de 80 era a terceira maior produtora de cacau do mundo, mas uma praga chamada “vassoura de bruxa” dizimou três quartos da produção. Se isso acontecer hoje na África, 65% do cacau do mundo some. E some por um bom tempo, já que o cacaueiro, depois do plantio, demora cerca de cinco anos para que comece a produzir alguma coisa.

Não é improvável de acontecer, já que os três maiores produtores de cacau do mundo (Costa do Marfim, Gana e Indonésia), são países pobres, em guerra civil ou com um tremendo azar no que diz respeito a desastres naturais. Além disso, os trabalhadores são muito mal remunerados (cerca de três centavos de dólar por cada barra vendida), fazendo com que cada vez menos pessoas queiram trabalhar no seu plantio. Não quero estragar a alegria em comer chocolate, por isso não vou entrar em detalhes, mas se quiser saber as atrocidades que são cometidas para nós possamos comer um Lollo, basta assistir a este documentário.

Some-se a todos estes problemas o fato de que a venda de chocolate está em expansão, pois países que tradicionalmente não o consumiam por não ter acesso a ele, estão começando a fazê-lo. Dois exemplos são China e Índia, que, por um acaso, são os dois países mais populosos do mundo. Cambada de asiáticos desgraçados, comendo nosso chocolate!

Coma todo o chocolate que puder hoje, pois cientistas estimam que em vinte anos o chocolate vai ser mais caro do que caviar. Já estão estudando técnicas para desenvolver cacaueiros mais resistentes, que possam ser plantados em regiões frias (no planeta Terra, quanto mais frio, mais civilizada a sociedade), mas até isso acontecer, a demanda vai inflacionar em muito o preço do chocolate. Coma todo o chocolate que quiser, porque esse aumento de preço pode acontecer no mês que vem, se algum imprevisto acontecer nas republiquetas que o plantam. Não se prive do chocolate, ele está entrando em extinção.

Para se desesperar como nunca com o risco de extinção do chocolate, para se empenhar em ganhar muito dinheiro pois não vive sem ele ou ainda para me xingar por ter fornecido um bom motivo para comer desmedidamente: sally@desfavor.com

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Comments (21)

  • Esse documentário sobre o lado negro do chocolate me fez pensar no tráfico de pessoas, no trabalho infantil e na escravidão que existem em praticamente todos os setores industriais. Me revolta ver como essas gigantescas indústrias se isentam da responsabilidade do cultivo e extração de matéria-prima!

    Mas quando tento encontrar alguma solução de como posso viver sem consumir nada que envolva essas atrocidades, só me vem à mente eu vestida como hippie no meio do mato. A contragosto, então, volto à rotina comum de qualquer cidade grande.

    • Difícil, o que resta é o que todo mundo faz: se anestesiar e esquecer de onde vem os produtos que estamos consumindo. Muito triste.

  • Poxa, esse discurso no final do texto (atentem, não é lá uma crítica negativa!) é digno de quem é viciado em chocolate, viu? haha
    Aliás, fico imaginando o mundo sem chocolate… Pobre de nós!

    Sobre os que aprecio: das marcas “comuns” curto Nestlé e Laka. Garoto nem pensar!
    Kopenhagem também é muito bom, apesar de caro. E no mais, só sobra para os importados, suiços e alemães…

    • Também não aturo muito chocolate da Garoto. Prefiro Nestlé e Lacta (se bem que aqueles Joy da Lacta andam bem cagados). Fora esses, recomendo altamente reservar uma graninha a mais para, ao menos uma vez na vida comer uma barra da Lindt. É caro pra caralho, mas é outro nível de chocolate, recomendo!
      PS: não, não ganhei nada da Lindt

    • Eu vi uma boa resposta pra isso: o chocolate te engorda, a pele estica e as rugas somem.

      Eu não acredito em nada “fácil”… :S

  • Ótimo texto! Infelizmente tenho tendência a engordar, então não posso comer todo o chocolate que quero.

    Eu gosto muito de língua de gato, chocolate ao leite e chocolate amargo da Kopenhagen. Como são caros, compro de vez em quando. Mas não sei dizer se são realmente de qualidade e valem o que cobram. São?

    • Experimenta a língua de gato da Brasil Cacau (que e a loja “pobre” da Kopenhagen). Pra mim é muito boa é bem mais barata.

      Da Kopenhagen, além do capuccino, gosto muito do 70% cacau com laranja e o original.

      Quando puder gastar um pouco, experimenta as trufas da Chocolat Du Jour. São pequenas e custam um monte mas já me dá coisas só de pensar… Por que é tão bom? Rs

    • Não gosto dos chocolates da Kopenhagen porque acho que têm gosto de manteiga. Dos nacionais, gosto do Talento e Mundy, da Garoto e o Shot, da Lacta. Gostava do Milka e do Nutella fabricados aqui até conhecer os importados. São outros chocolates! Lindt também é maravilhoso.

        • Esse vermelho com recheio cremoso e a bolinha lindor vermelha são os melhores chocolates da vida!

          Na inauguração da primeira loja da Lindt em São Paulo, ficaram 3 dias seguidos distribuindo bolinhas lindor pra quem passasse em frente a loja. A pobre aqui aproveitou como se não houvesse o amanhã…

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