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Folia indigna.

Folia indigna.

| Desfavor | | 70 comentários em Folia indigna.

Carnaval está chegando. Temos uma surpresa para vocês semana que vem, mas vamos aproveitar esse clima de pré-carnaval para fazer uma pré-reclamação das cenas nefastas que veremos. Sally e Somir discutem o pior dos hábitos dos brasileiros médios em festa de uma forma… natural. Os impopulares sambam junto.

Tema de hoje: Qual o elemento mais indigno do carnaval?

SOMIR

Espécie fascinante, essa. O Brasileirus Medius, conhecido popularmente por Raça Maldita ou Pobre de Espírito, esse animal não é de chamar muita atenção normalmente, aparecendo mais em estatísticas de violência e desrespeito aos direitos de seus pares. Não se destaca em muitas áreas, é tratado com certo desprezo por seus vizinhos, mas… uma vez por ano, o BM (vamos chamá-los carinhosamente assim) cria um dos maiores eventos públicos do planeta: o carnaval.

Quando chega uma determinada data do ano, decidida por um obscuro processo de contagem de dias que a maioria deles mesmos não compreendem, é como se toda a espécie entrasse no cio simultaneamente. Um show de contrastes: alegria, agressividade, pobreza, luxo… o carnaval do BM é impressionante, mas se eu tivesse que definir o aspecto mais fascinante, eu escolheria o hábito de se fantasiar.

O BM não costuma ser um animal atraente se considerarmos a média, a maioria mal cuidada, oleosa e exalando cheiros desagradáveis por causa do forte calor comum em seu território, o que talvez possa explicar que quando sua imensa maioria entra na época de acasalamento, uma das estratégias mais comuns seja transformar a própria aparência, na esperança de em conjunto com a imensa quantidade de álcool consumido, consigam lidar melhor com suas inseguranças e medos de rejeição.

O curioso é que em qualquer outra época do ano, o hábito seria considerado ridículo por seus pares. É só com a segurança da aprovação social que o BM esforça-se para se diferenciar da massa, uma contradição divertida, se me perguntarem. E as fantasias podem ser dos mais diversos tipos, mas sempre lembrando que talvez até pelo clima local, o BM não seja muito dado a gastar energia com nada além do ato do acasalamento propriamente dito. O resultado é um desfile generalizado de preguiça não só nas escolhas das fantasias quanto na qualidade delas.

A tendência é que a maioria ou siga padrões testados em festividades anteriores ou repita um grupo bem determinado de fantasias baseadas em fatos recentes de sua sociedade. E quanto menos trabalho, melhor. Não é incomum que um BM apenas compre uma máscara imitando uma celebridade e perca-a minutos depois pela impossibilidade de beber álcool e vomitar usando uma delas. Na verdade, a fantasia soa como uma substituição do álcool cujo propósito se esvai depois de devidamente inebriado.

Mas isso é muito comum no padrão de comportamento do animal em questão, normalmente há um baixo índice de comprometimento com a maioria das tarefas. O que não quer dizer que todos sejam assim, em muitos casos, a fantasia é motivo de orgulho para o BM. Vide o caso de um grupo cada vez mais numeroso de fêmeas, que vamos chamar de VG, abreviação de Vadias Genéricas. As VG normalmente trabalham boa parte do ano oferecendo os mais diversos serviços para machos abastados, em troca de poderem comprar fantasias mais requintadas para desfilarem diante do resto do grupo.

E se você imaginou que essas fantasias significariam mais material envolvido na montagem, enganou-se. Na verdade, é sinal de status entre elas definir qual está usando a fantasia mais reveladora. Com as mamas frequentemente expostas e pequenas tiras de material recobrindo o mínimo possível de genitália, digladiam-se pela atenção. O sucesso nessa empreitada normalmente é seguido pela exibição remunerada daquele pequeno pedaço de genitália previamente coberto.

No sentido oposto, os machos homossexuais da espécie derivam grande prazer de exibirem-se com as maiores fantasia possíveis, imitando outras espécies como o pavão, mas com padrões de cores muito mais berrantes e incoerentes dos encontrados na natureza. Para eles não há recompensa futura além do reforço público de sua orientação sexual. O que infelizmente o BM só tende a aceitar – a título de curiosidade e com a desculpa de ter bebido demais – durante essa época do ano.

Durante os desfiles comuns nessa festividade, podemos ver milhares de BMs subnutridos exibindo-se orgulhosamente em fantasias parecidas. Fere o senso estético de espécies mais evoluídas, mas para o BM é um dos ápices de sua vida. Frequentemente negligenciado pelos líderes do grupo, tem ali sua única chance de atenção. Sentem-se poderosos e confiantes com as fantasias, mas é basicamente isso que elas são: fantasias.

Podemos também ressaltar um outro hábito intrigante: durante o carnaval, muitos machos que se consideram heterossexuais se vestem como membros dos sexo oposto. Parecem confortáveis e seguros imitando os maneirismos das fêmeas, muito embora não sejam particularmente atraentes nessa forma. Teoriza-se que o costume tenha raízes em desejos reprimidos por uma sociedade muito castradora.

O carnaval dos BMs é um festival de cores aberrantes que só agradam aos olhos deles mesmos, mas nada parece fazê-los mais felizes. Suas fantasias são um refúgio momentâneo de suas realidades sofridas, ou mesmo válvulas de escape para a repressão social tão presente em outras épocas do ano. Claro que do ponto de vista de animais mais evoluídos como nós tudo parece muito confuso e hipócrita, mas devemos entender as necessidades desse grupo: fantasiam-se e inebriam-se para lidar sua realidade.

Para dizer que trocaria de canal nesse documentário, para dizer que mal pode esperar para descobrir qual será o menor tapa-sexo da temporada, ou mesmo para dizer que essa espécie já já entra em extinção: somir@desfavor.com

SALLY

Carnaval, vocês devem saber, é época de indignidade. Calor, suor, bebedeira, putaria, vômito, fantasias toscas, música ruim e tantas outros desfavores se fazem presentes nesta época do ano. Entre tantos desfavores, qual é a maior indignidade?

Na minha opinião, é o asqueroso hábito de urinar na rua, em público, onde quer que esteja, tal qual um animal. Eu disse animal? Bem, meu cachorro tinha algumas ressalvas para urinar na rua… São piores que animais.

Tomo como exemplo o Rio de Janeiro, onde foram distribuídos banheiros por todos os cantos da cidade, foi feita uma campanha de conscientização, foi estipulada multa de quase mil reais para quem for flagrado urinando na rua, e, o mais importante, está acontecendo algum grau de fiscalização.

Mais de cem pessoas já foram multadas, entre homens e mulheres, e, ainda assim, neguinho continua mijando na rua. E não é que vão para um canto escondido nem nada. Param onde estão, onde sentem vontade, tiram a roupa que os atrapalha e urinam lá mesmo, diante de todos os olhos curiosos: idosos, crianças, mulheres, homens e quem mais estiver olhando.

Além da nojeira de deixar seus dejetos no meio da rua, onde qualquer um pode passar e pisar, se expõe. Ano passado eu fotografei ostensivamente pessoas urinando e nenhuma delas parecia constrangida nem incomodada de estar sendo fotografada. E, chamem de machista, mas quem mais me choca são as mulheres, pois para elas o custo dessa gracinha pode sair mais caro por causa do modelo social no qual vivemos. Ruim? Injusto? Certamente. Mas não creio que se conteste nem se resolva colocando a buceta para fora no meio da rua.

Primeiro que para uma mulher é fisicamente mais difícil urinar de pé, na rua. Não tem como conseguir essa façanha sem se respingar toda, sem se sujar. Daí a mulher se expõe, levanta a saia, puxa a calcinha para o lado (muitas vezes enquanto é fotografada e filmada por homens), mija na rua e em si mesma, não se limpa, levanta a calcinha e vai para o bloco pegar geral, e provavelmente fazer sexo com alguém nessas condições. Se isso não é o auge da indignidade de um ser humano, eu não sei o que é.

Se um dia houve espaço para fazer uma coisa dessas sem se prejudicar, deve ter sido antes da era dos smartphones. Hoje, acredito que ser conduzida a uma delegacia por policiais aos gritos de “MIJONA! MIJONA!” de toda a multidão à sua volta, ser autuada, ficar registrado para sempre que cometeu a infração de urinar no meio da rua e perder mil reais seja o de menos.

Hoje, o pior é que aquilo fica imortalizado dentro do celular de alguém, e pode ser facilmente disponibilizado para o mundo todo. Mas, até aí, ok, quais são as chances de alguém ligar o fato à pessoa? Bem, todo mundo tem inimigos. Todo mundo tem pessoas que além de desgostar, fariam muito para prejudicar, um vizinho chato, que seja. Então, um vídeo que está circulando por aí, ganha nome, telefone e endereço assim que uma pessoa que não te quer bem põe os olhos nele. Alias, nem precisa, basta ser um espirito de porco que diga nos comentários: “Ih! Olha lá a Fulana”.

Pronto. O vídeo ganhou seu nome e sobrenome. Estará para sempre no Google (boa sorte tentando remover esse conteúdo do ar, não está na lista de coisas que o Google tire). Dali para frente, qualquer entrevista de emprego, qualquer colega de trabalho, qualquer pessoa que você comece a sair e decida saber mais sobre você, poderá facilmente ter acesso a esse vídeo. É isso que as pessoas ainda não perceberam: os tempos mudaram, as cagadas que fazíamos nas décadas de 80 e 90 hoje nos acompanham, como acessórios malditos, como apêndices da vergonha. É hora de começar a se portar de acordo com essa nova realidade.

Mas aí entra outro fato: álcool. Fica difícil se portar de forma racional quando está um calor de 40° e a pessoa está bebendo sem parar para suportar o incomodo do programa. Apontem uma pessoa que frequenta bloco de carnaval, esse inferno, sóbria. A pessoa bebe, vai perdendo a inibição, vai perdendo o discernimento, vai sentindo os efeitos diuréticos do álcool e, em algum ponto, acha que não tem nada de mais fazer aquilo.

Brasileiro tem disso, mais do que o resto do mundo. Se acha esperto, acha que com ele não vai dar errado, acha que não vai acontecer nada. Na hora, parece seguro. Na hora parecia uma boa ideia. Isso se chama Irresponsabilidade. Não é saber aproveitar a vida, não é ser relax, não é ser descolado. É ser irresponsável. Vai lá e mija na rua (e em si mesmo ou em si mesma), tem o ato documentado e ainda fica revoltado se achando cheio de direitos, tipo Chico Buarque que foi fotografado pegando mulher casada na praia e depois disse que estavam violando sua privacidade. Quem faz isso no meio da rua está dando publicidade ao ato.

Os desdobramentos de mijar na rua são absurdamente nojentos no momento e absurdamente humilhantes depois. Não vejo nada nesse mundo que bata esse combo de indignidade. Além de tudo, de quebra, ainda expõe “sexualmente” falando, pois uma mulher arreganhada mijando ou um homem com pinto de fora não serão tratados como pessoas praticando um ato fisiológico pela internet, sabemos bem disso.

Tenho uma conhecida que foi filmada em uma situação dessas uma década atrás e os coleguinhas do filho na escola acharam o vídeo e o exibem dia sim, dia também para todos. O filho dela é chamado por apelidos como “Filho da mijona” e tem que escutar dos colegas que “eu vi a buceta da sua mãe mijando”. Já trocou de escola duas vezes. Parabéns para a mamãe, que por um ato impensado de dez segundos está tornando a infância do seu filho tortuosa. Esse é o problema de atos documentados, eles voltam para te morder na bunda quando você menos espera e respingam em todo mundo que está à sua volta.

Mijar na rua é preguiça, não necessidade. Existem bares, restaurantes, inúmeros estabelecimentos comerciais que permitem que se use o banheiro, nem que você tenha que consumir uma água. Se você não paga cinco reais para não passar por essa humilhação, bem, você a merece. Para a cervejinha todo mundo tem dinheiro! Também existem banheiros públicos. Existe a opção de segurar até chegar a um local próximo com banheiro. Existe a opção da casa de um amigo nas redondezas. Existem muitas outras. Fazer suas necessidades fisiológicas no meio da rua não é necessidade.Enganem-se se quiserem, a mim não enganam.

É se expor demais, se colocar em uma situação nojenta do ponto de vista sanitário, criar um risco futuro de humilhação e degradação para sempre. Mijar na rua é sem dúvidas a maior indignidade do carnaval.

Para dizer que o carnaval em si é uma indignidade, para achar que nunca vai acontecer com você ou ainda para pedir que por favor não falemos mais em carnaval pois você já está de saco cheio antes mesmo de ter começado: sally@desfavor.com


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