As pedras do meu caminho – Parte 10

CAPÍTULO 21 – A PEGADINHA DO MALLANDRO

Agora estamos no ano 2000. Pilhão se submeteu a mais um tratamento controverso para combater o vício: um “médico espiritualista”, apenas mais um dos muitos Leôncios Médicos que já colocaram as mãos no nosso herói. Ele acabava de ser liberado e achou uma boa ideia comemorar no programa do Sergio Mallandro, chamado “Festa do Mallandro”. Obviamente a junção do Pilha com Serginho Mallandro geraria um evento memorável.

Pilha chegou e foi encaminhado ao camarim, onde outro convidado do programa também aguardava sua vez de entrar em cena. Começaram a conversar, papo vai, papo vem, o rapaz oferece cocaína para o Pilha, que recusa. O rapaz insiste, Pilha tenta ser correto: “Sai dessa, cara! Você vai me foder, vai se foder… isso é o fundo do poço!”. O rapaz achou por bem responder: “Se alguém entrar aqui, eu digo que a droga é sua!”.

Todo programa, veículo de mídia, imprensa, qualquer forma de comunicação de massa, deveria ter um Assessor de Vai Dar Merda. Eu não sei quem foi que planejou essa pegadinha, mas definitivamente não sabia do que o Pilha era capaz. O mesmo Pilha que tentou atropelar a mãe, que virou chefe do morro no Rio metralhando geral, que pegou o cachê da G Magazine e fugiu sem tirar a roupa… parece uma boa ideia fazer uma brincadeira dessas com o Pilha? Não foi. Na mesma hora que o rapaz disse que colocaria a culpa nele, levou um soco na cara.

E o soco foi só o começo. Pilha continuou socando e também dando pontapés, não me perguntem como. Parecia um personagem do Street Fighter quando entra naquele modo frenético. Por muito pouco Pilha não deu um Hadouken no infeliz. Funcionários da emissora entram no camarim para tentar conter o espancamento, porém, eles acharam que ainda dava para brincar um pouco mais, e não revelaram que era uma pegadinha. Novamente, faltou o Assessor de Vai Dar Merda.

Aí o Sérgio Mallandro vai até o camarim, e o rapaz diz que aquela droga é do Pilha e que ele lhe ofereceu cocaína. Pilha fica ainda mais desesperado, pois uma acusação dessas feita contra alguém com o seu histórico é uma tragédia e bate mais ainda. O ator começa a gritar que tudo não passa de uma pegadinha, enquanto o Pilha enfurecido grita que então ele vai apanhar mais ainda e dá socos e pontapés na cara do infeliz

Essa babaquice durou uns 15 minutos, até os ânimos se acalmaram. Pilha ficou putíssimo, com toda a razão. O espetáculo fez com que a audiência do programa mais do que dobrasse, mas foi de uma crueldade tão chocante que gerou denúncias criminais apuradas pelo Ministério Público, que variaram desde incentivo a uso de drogas até desrespeito à dignidade da pessoa humana.

A imprensa também reprovou a pegadinha, até a revista Veja, que quase nunca se compromete, noticiou o ocorrido da seguinte forma: “Pegadinha sádica prova que não há limite para a falta de escrúpulos de Sergio Mallandro”. Todo mundo condenou o teor da “brincadeira”, e, coincidência ou não, Sergio Mallandro entrou em baixa e sofreu uma forte rejeição do público depois desse evento.

Mallandro tentou se defender e forçou uma barra e disse que fez a pegadinha para “ajudar” o Pilha, pois a partir daquele dia, qualquer pessoa que quisesse oferecer drogas para ele saberia que poderia levar porrada. Só tem um porém nessa argumentação: como ele sabia, antes da pegadinha de fato ocorrer, que o desfecho seria esse? E se o Pilha tivesse aceitado? Ele disse que não haveria prejuízo para a imagem do Pilha, já que o quadro era gravado e se ele aceitasse não iria ao ar e o Pilha ainda levaria um tremendo esporro. Sim, claro, é bem isso que demove um usuário do vício: um esporro do Serginho Mallandro.

Sim, a pegadinha foi bem escrota, mas também não dá para colocar todas as mazelas do Pilha nas costas do Sergio Mallandro. Ocorreram exageros para o lado oposto. Dona Sylvia, como sempre, nos brindando com sua sabedoria: “(…) Não deu outra, passado pouco tempo o Rafael caiu nas drogas. Está claro que essa pegadinha teve influência. Uma pena que meu filho nunca tenha me deixado processá-lo”. Pilha teve dezenas de recaídas ao longo da sua vida, mesmo antes de qualquer pegadinha. Menos, Dona Sylvia, que se a gente for começar a falar de culpa, a criação que foi dada a seu filho é fator muito mais relevante do que pegadinha.

Anos depois, Pilha foi convidado para participar do quadro Porta da Fama, no programa da Luciana Gizmenez. No quadro, havia uma porta fechada e um convidado surpresa do outro lado. Quando Pilha desconfiou que pudesse ser o Sergio Mallandro não se acanhou e começou a gritar antes mesmo de abrirem a porta: “Sacanagem o que você fez comigo, Cara! Se estiver aí atrás, vai levar porrada!(…)”. Um cheiro de merda no ar e uma movimentação estranha fizeram com que o programa vá para os comerciais.

Sim, era Sérgio Mallandro do outro lado da porta, mas diante dessa reação, acharam melhor não abrir a porta. Colocaram o Mallandro para falar por um telão, onde ele se desculpou pela pegadinha, jurando estar bem intencionado. Pilha estava putão e contou “A revolta me fez machucar o ator. Bati muito na cara dele. Ele gritava ‘Para, é pegadinha’ e eu dizia ‘ah, é pegadinha? Então vai apanhar mais ainda!”.

Depois de muita conversa via telão, quando perceberam que o Pilha tinha se acalmado, abriram a porta. Sergio Mallandro começou a alfinetar o Pilha, dizendo que se ele achou tão ruim, não entendia por qual motivo o Pilha autorizou a pegadinha a ir ao ar (argumento válido). Continuaram se alfinetando, quando, Sergio Mallandro, sem amor à vida, chamou o Pilha de amargurado. Climão. Até hoje Pilha credita mais uma de suas recaídas a essa pegadinha.

CAPÍTULO 22 – TRANCADO NO HOTEL COM 200 PEDRAS DE CRACK E UM REVÓLVER

Pilha teve uma recaída terrível. Consumia 60 pedras de crack por dia e, segundo seu próprio depoimento “Passei a assaltar pois precisava de 700 reais a cada 24 horas para poder comprar tudo isso”. Sim, Pilha gastava 20 mil por mês com drogas. Na verdade, 600 reais eram crack e 100 reais para bebida e cigarro. Reparem no tempo verbal: “passei a assaltar”, algo habitual, da rotina. Estou perdendo as contas de quantos crimes do Pilha ficaram impunes, algo que chama a atenção quando a pessoa se diz perseguida.

Esta rotina doentia acabou se tornando insuportável para o próprio Pilha. Ele decidiu comprar crack e um revólver, disposto a acabar com esse sofrimento. Se hospedou em um hotel determinado a “fumar até explodir”. Em três dias, consumiu 200 pedras de crack e, para fechar com chave de ouro, decidiu fazer roleta russa na sua cabeça.

Mas, na hora de dar o tiro, não conseguiu. Teve uma crise de choro e decidiu pedir ajuda. Para quem vocês acham que ele ligou? Para Dona Sylvia, a boa mãe que está sempre com o celular ligado? Não. Ligou para quem chegaria mais rápido: o DENARC. Telefonou dizendo onde estava e que se não fossem busca-lo em 20 minutos o encontrariam morto. Chegaram a tempo, mas fizeram uma crueldade sem precedentes: o levaram para internação em uma clínica de “cura evangélica”, deixando um viciado a cargo de pastores, orações e tratamento que só pode ser descrito como tortura.

Quando chegou no local, Pilha começou a oferecer resistência. Não queria se internar. Tentaram sedá-lo, mas ele começou a se debater. Aplicaram um sedativo e o levaram desacordado. Foi mais uma internação infernal: o obrigaram a recolher bosta de vaca com as mãos como teste de humildade, suas convulsões por abstinência eram tratadas com louvores e orações “para expulsar as forças demoníacas” em vez dos remédios necessários. Ele era trancado em um quarto escuro por muito tempo caso não se comportasse direito e, para finalizar, sofria constante assédio de um enfermeiro que lhe oferecia cocaína em troca de favores sexuais. Foram 14 meses de horror, que serão contados na próxima postagem.

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Etiquetas:

Comments (4)

  • Nossa, Sally, agora fiquei com dó do Pilha. É verdade que ele aprontou tudo o que tinha direito e mais um pouco (acho que vou precisar de umas vinte vidas para igualar o número de encrencas em que ele se meteu), mas o cara também sofreu horrores…

    • Não só ele, como qualquer viciado em drogas nessa época passou por horrores indescritíveis. Viciados eram tratados como malucos ou vagabundos, sem o menor respeito.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: