Brazilian dreams.

SALLY

Bolsonaro se preparava para receber o Embaixador da Argentina na sua casa, quando surge uma visita inesperada: do nada, sem aviso prévio, Dr. Rey decidiu bater de surpresa na porta do Presidente eleito, na intenção de pedir para ser Ministro da Saúde. Senhoras e Senhores, eu os convido a um dos Desfavores da Semana mais diferentes e malucos que vocês já leram.

A notícia em si já é sui generis… A imprensa se referindo ao Dr. Rey como “quase pré-candidato à Presidência”, Dr. Rey chegando em um táxi de uma cooperativa de Duque de Caxias, jornalista fazendo a ressalva “não é piada” em sua reportagem, Dr. Rey dizendo que “a conversa foi ótima” sendo que ele não foi recebido… Tudo muito suculento. Mas isso vocês conseguem lendo qualquer portal de notícias. Vamos para nosso objetivo: um ponto de vista diferente que mais ninguém dá.

Antes de mais nada, realiza a cena: tá o Poket na sua casa, assistindo TV, quando toca o interfone:

Porteiro: Seu Bolsonaro, tem um rapaz aqui de camiseta transparente
Bolsonaro: Quem é, porra?
Porteiro: O nome dele é “doctorrei”
Bolsonaro: Hã? O que ele quer?
Porteiro: Ele tá dizendo aqui que quer ser Ministro da Saúde…

Não é algo que se veja todo dia, não é mesmo? Desde o começo do ano, quando uma orca disse “hello”, que a gente está avisando: 2018 está estranho. Estamos vendo coisas nunca antes vistas e que nunca sequer conseguiríamos cogitar. Esta é uma delas. Quando li as notícias, tive taquicardia de felicidade: é sonho, o Dream Team, é bom demais para ser verdade! Só que não. Parece que a Madame decidiu que Dr. Rey não é bom o bastante para integrar seu Ministério. Permitam que eu explique minha revolta.

Quando eu votei no Bolsonaro eu não queria um bom Presidente. Não queria um bom Governo. Não queria nada remotamente parecido com o que as pessoas julgam “o bem do país”, não um bem imediato, pois eu já testei isso várias vezes e percebi que não funciona. Eu votei no Bolsonaro porque acredito muito sinceramente que quanto mais cagada ficar, estruturalmente, a democracia, mais fácil será derrubá-la e instaurar um novo sistema que de fato funcione, seja a ontocracia evolutiva, seja outro.

O enfraquecimento máximo das atuais instituições e sistemas que, diga-se de passagem, já estão falidos e ineficientes, permitem que eles terminem de ruir e abram portas para algo novo. Eu votei no Bolsonaro para destruir o sistema de vez (ainda que de forma involuntária), de modo a que tudo isso que existe hoje seja adubo para plantar algo completamente novo, mais compatível com o que queremos e precisamos. Ao ponderar entre Bolsonaro e Haddad, eu pensei “Qual destes dois vai destruir a porra toda mais rápido?” e cravei 17 na urna.

É um pensamento fora do padrão. Normalmente as pessoas buscam o bem imediato, qual dos candidatos fará um melhor governo. Eu não acredito em nada bom vindo deste atual sistema, enquanto ele não for substituído e der lugar a outra forma de funcionar, todos estaremos muito mal. E de fato a postura, as ideias e as promessas de Bolsonaro convergiam para este plano: quebrar o sistema, não propositalmente, mas de forma colateral.

Por isso eu comemoro quando acontece qualquer coisa nesse sentido, não porque eu queira ver o país na merda, não porque eu goste de ver o circo pegar fogo, mas porque, dentro do meu raciocínio, uma danação imediata é também um ganho a longo prazo, um aceno às mudanças profundas que precisam ser feitas.

Aí, quando surge uma oportunidade de ouro de andar várias casas nessa direção no Jogo da Vida Desfavor, vai o Poket e me caga tudo! Porra, não tem nada mais alinhado com o que o Bolsonaro é do que colocar o Dr. Rey como Ministro da Saúde! Ambos são cria do Superpop, passaram as últimas décadas batendo boca com o Pilha, com travecos e com Agnado Timóteo, ambos são uma piada para o público e ambos são adoradores vorazes de um excesso de liberalismo. Qual foi, Bolsonaro? Não votei em você para que você seja mainstream não!

Vai começar a se levar a sério agora, Poket? Vai querer montar uma equipe competente de Ministros? Vai tomar no cu, me sinto fraudada! Não senhor, pode colocar Dr. Rey Ministro da Saúde e o Pilha Ministro da Cultura. Se o Bolsonaro se levar a sério teremos, além do fracasso retumbante do seu governo, uma demora ainda maior em ruir este sistema podre e obsoleto.

Um cara que levanta a camiseta, mostra uma bolsa de colostomia e diz “Num vô, tô cô bolsa de cocô, tá ok?” não pode querer se levar a sério. Vai botar quem como Ministro da Saúde? José Serra? Vai se foder! Para fazer as coisas desse jeito seguro e tradicional, que atrasa a queda do sistema, eu não votava nele, votava em alguém que não tivesse todos os ônus que ele tem.

Bolsonaro só serve para fazer diferente de tudo, porque hoje, para quebrar com esse sistema, com a pressão social, com o status quo, tem que ser um louco varrido ou um extremo idiota, uma pessoa normal não faz. O fato dele ser um descompensado nos mais diversos níveis só tinha algum aspecto positivo se sua loucura gerasse uma mudança na marra. Se é para jogar conforme a cartilha bota alguém que não fique mostrando a bolsa de cocô a toda hora.

Reflitam com carinho sobre este ponto de vista: quanto mais merda Bolsonaro fizer, melhor. Sei que pode ser assustador em um primeiro momento, mas qualquer organismo contaminado precisa de uma puta diarreia para expurgar o que está lhe fazendo mal. Eu quero quatro anos de diarreia explosiva para limpar este sistema imundo e ineficiente e ninguém melhor para provoca-la que o tosco do Bolsonaro.

Parem de pressionar o homem por normalidade, por padrões, pelo conhecido e socialmente aceito. Deixem o Bolsonaro ser louco, inconsequente e ousado, é isso que pode, quem sabe, fazer tudo ruir e nos levar para um lugar melhor.

Para dizer que ver Pilha e Dr. Rey em destaque na mesma semana te faz sentir Desfavor Raiz, para dizer que não acha que seja necessário destruir para reconstruir ou ainda para dizer que você queria José Serra Ministro da Saúde por causa das fotos: sally@desfavor.com

SOMIR

Impossível não traçar paralelos entre Bolsonaro e Trump, a ascensão meteórica de piada a presidente, a tendência conservadora e a língua solta unem os políticos, mas na hora da consistência a versão tupiniquim já está demonstrando que o produto nacional tem menos qualidade. Bolsonaro foi eleito com a promessa de que “tem que mudar isso daí, ok?”, cada um colocando nisso o seu significado preferido. Nós aqui do desfavor esperávamos um pouco mais de palhaçada, afinal, para “mudar isso daí, ok?”, o Brasil de Bolsonaro não pode perpetuar o sistema habitual de má gestão resultado para perpetuar a corrupção, e sim a má gestão moleque baseada em decisões insanas.

Dr. Rey serviria como uma luva para esse propósito. Já considero a primeira traição do presidente eleito não ter sequer recebido o cirurgião plástico no armário. Bolsonaro se acha sério demais para tratar com a piada ambulante que é Dr. Rey? O mesmo que queria o Magno Malta de vice? Tudo bem que o plano de Dr. Rey de acabar com o SUS mataria alguns milhões de brasileiros e provavelmente criaria uma guerra civil, mas dispensar uma estupidez dessas sem ao menos ouvir é coisa da política antiga. A nova que elegemos deveria ouvir e pelo menos dar um frio da barriga no mercado, mídia e outros políticos.

Mas esse ângulo está muito bem coberto pelo texto da Sally, eu quero aqui sair um pouco pela tangente e analisar o momento político que fez com que Dr. Rey realmente achasse que poderia ir lá pleitear o Ministério da Saúde na cada de Bolsonaro. Por que alguém – mesmo alguém insano como o Dr. Rey – sentiu o momento favorável a oferecer um plano de revogação do sistema de saúde universal no Brasil? Bom, apesar de Bolsonaro provavelmente ter um Q.I. de dois dígitos, está trazendo consigo Paulo Guedes, ferrenho defensor da liberalização da economia brasileira. O que na prática significa reduzir enormemente o tamanho do Estado e passar boa parte do funcionamento do país para a iniciativa privada.

O que vai no sentido oposto da mentalidade histórica dos governos brasileiros, mesmo os governos de FHC, acusado de privatizador pelos petistas, não mudaram a lógica de funcionamento do país de manter um Estado grande e controlador atendendo mal à população. Atender bem não é uma possibilidade, tenha em vista até mesmo o setor privado. Não somos um país bom de serviços, e isso demora muitas gerações para corrigir. De qualquer forma, mesmo que Bolsonaro pareça não entender de verdade o que está trazendo para o seu Ministério da Economia, a tendência do Brasil é novamente liberal. O mercado gostou e os resultados da Bolsa de Valores não me deixam mentir aqui.

Na prática, isso significa que estaríamos sim mais abertos a medidas de transferência de responsabilidade do Estado para a iniciativa privada, mas para que na cabecinha de Dr. Rey se tornasse aceitável ir pedir o Ministério da Saúde, tem algo ainda maior acontecendo: uma bizarra ilusão de que ao eleger o Trump tropical, deixamos de ser o Brasil. As coisas não funcionam assim. Especialmente para quem acha que viramos os EUA. Os sistemas deles funcionam dessa forma há séculos, um país onde os dois partidos são de menos e mais direita não serve como parâmetro para um onde até mesmo a ditadura militar fazia cabide de empregos e criava estatais sem parar.

Mas ninguém avisou isso para Bolsonaro e sua turma. Até porque percebe-se claramente que toda essa discussão passa um pouco acima da capacidade de compreensão dele. Para termos uma noção disso, a declaração de transferência da embaixada brasileira para Jerusalém foi cópia da que Trump fez, mas bem mais desastrada. Primeiro que os EUA tem poder para tomar esse tipo de decisão, segundo que existem muitas proteções internas no sistema deles para evitar que um arroubo presidencial torne-se ação. Bolsonaro já tomou bronca coletiva do mundo árabe por essa, esquecendo o quanto exportamos pra lá.

Além disso, macaquito viu e macaquito copiou o discurso áspero de Trump contra a China. Tomou bronca de novo. Só que dessa vez do maior parceiro comercial do país no mundo. A China tem que respeitar os EUA, mas o Brasil? Não tem guerra comercial com eles, tem um massacre. É quase uma volta da política internacional ridícula do Lula, mas apontada para a outra direção. O problema é que o país continua irrelevante.

Nessa sanha de querer parecer com os EUA sem ter nada para bancar essa pose, gente como o Dr. Rey se sente em casa e vem bater na sua porta com qualquer baboseira que acharem válida para manter esse projeto de Estados Unidos falsificado. Assim como Lula perdeu completamente a linha com uma ideia de Estado de Bem-Estar Social aplicada à fórceps numa República das Bananas, Bolsonaro parece estar empurrando um Estado Liberal num país onde as pessoas não tem dinheiro nem para se locomover até um hospital público!

Essa fantasia de querer ser tudo menos o Brasil só trocou de lado. E vai atrair cada vez mais malucos em negação como Dr. Rey. Sim, queremos ver Bolsonaro dar uma cagada nas instituições podres brasileiras para que algo de melhor saia depois, mas não queremos ver essa moleza de fingir que é sério do nada e fazer a gente voltar para mais uma era de bravatas inúteis em prol de um sistema utópico e nenhuma ação concreta para gerar mudanças. Um dos maiores problemas do governo do PT fora a questão ética foi justamente quando Lula e seus postes não sabiam mais o que fazer, deixando o país estagnar, acumulando dívidas impagáveis.

Se for pra fazer liberalismo pra americano ver e continuar com o país estagnado no governo Temer, nem precisa se dar ao trabalho.

Para dizer que não sabe o que eu quero, para dizer que Dr. Rey vai sair do armário e virar petista depois dessa, ou mesmo para dizer que pelo menos o Trump merda com convicção: somir@desfavor.com

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