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Bugs mentais.

Você controla sua mente ou sua mente controla você? A menos que você tenha um autoconhecimento profundo e muito treino mental, sua mente te prega peças o tempo todo, criando realidades próprias que muitas vezes te induzem a erro. Esses mecanismos são tão comuns e recorrentes que muitos já ganharam nome e explicação científica e psicológica. Então, fica aqui um guia rápido dos erros de percepção mais comuns que nossas mentes nos pregam. Desfavor Explica: Bugs Mentais.

Não se trata de falta de inteligência, a cognição de todos nós tem falhas que geram distorções no raciocínio. É aquela sensação que a gente tem quando faz uma escolha muito errada, olha para trás e percebe que tinha todos os sinais para perceber o erro, mas não percebeu. Essas falhas do pensamento acontecem com todo mundo e não são evitáveis, vai acontecer novamente com você e comigo. O que vai fazer a diferença é o modo como vamos lidar com elas.

Uma armadilha muito comum que nenhum de nós gosta de pensar que pode cair é o Efeito Manada: uma tendência a repetir o comportamento que está sendo praticado por um grupo de pessoas. O pressuposto truncado que move nossa mente nessa direção é: “se todo mundo está fazendo, então deve ser bom/necessário”. É algo tão comum que existe até atenuante para crimes cometidos sob este efeito. Ninguém gosta de pensar que é tão influenciável assim pelas massas, mas a verdade é que podemos ser.

Como já explicamos em outros textos, se nosso cérebro tivesse que avaliar todas as situações que vivemos e escolher racionalmente o melhor caminho a se tomar, ele colapsaria. Para que continuemos vivos e funcionais, o cérebro coloca boa parte das decisões que toma em uma espécie de “piloto automático”, avaliando o entorno e vasculhando o que tem “arquivado” sobre aquele assunto ou situação sem que nós sequer percebamos e tomando o que ele considera o melhor caminho.

Estima-se que a consciência utilize cerca de 5% do nosso cérebro, os outros 95% são inconsciente e são responsáveis por boa parte das tomadas de decisões. Então, por mais que muitas vezes você ache que está tomando uma decisão racional, não está, está agindo conforme um compilado de informações preconcebidas e armazenadas do seu cérebro – e o que a maioria faz é um fator que ele leva em conta, principalmente em situações que demandam uma ação rápida.

Por isso é tão comum que em aglomerações a coisa saia do controle e, não raro, descambe para a violência física. Se você está no meio de um monte de gente, se há uma confusão acontecendo, se todo mundo está batendo em algo ou em alguém, o cérebro tem um grande alerta de perigo à sua frente e pouquíssimo tempo e informações para compreender o que está acontecendo.

O indício que mais salta aos olhos é que todo mundo está partindo para a agressão. Isso pode fazer com que o cérebro se apegue a essa informação e, na escolha entre lutar e correr, te faça lutar. Não raro, pessoas nessa situação, mesmo sendo muito pacíficas, acabam partindo para a agressão e sequer se lembram do que fizeram depois. Dá um blecaute, um mecanismo de sobrevivência toma conta.

Claro, é um exemplo extremo, normalmente o efeito manda aparece em coisas menores. Quer um exemplo bobo? Pare no meio da rua e olhe para cima. Fique olhando para cima sem parar. Mesmo que não tenha absolutamente nada no céu, outras pessoas vão se juntar a você e ficar olhando para cima também, por mais tempo do que o bom-senso permitiria.

A publicidade explora bem essa falha, botando influenciadores e criando a sensação de que todo mundo tem tal coisa e que se precisa de tal coisa para ser feliz. Milhões de modelos pesando 30kg na capa de uma revista não deixam de causar um efeito manada em muitas meninas e mulheres que pensam que precisam ter o peso de uma criança para serem felizes.

Ainda nessa linha do cérebro presumir as coisas para ganhar tempo e poupar energia temos o Efeito Halo, onde fazemos um julgamento geral da pessoa com base em um único aspecto. Já reparou que a motivação pode ser maior quando o professor/instrutor é muito bonito? Ou que alguém intelectualmente privilegiado pode acabar parecendo muito mais bonito do que é?

Isso acontece por um motivo muito simples: o cérebro humano é capaz de julgar, analisar, concluir e definir uma pessoa a partir apenas de uma característica, determinando um estereótipo universal para ela, com base em um único elemento, como aparência, forma de se vestir, falar, postura, entre outros fatores. É por isso que uma pessoa confiante nos faz presumir que ela é boa no que faz, mesmo que não seja. Uma baita armadilha.

Então, se a pessoa tem alguma característica muito marcante, positiva ou negativa, nosso cérebro tente a generalizar e presumir que a pessoa é toda muito boa ou muito ruim. Além de gerar uma infinidade de preconceitos e injustiças, isso nos torna alvo fácil de estelionatários, pois basta que alguém se apresente com algum aspecto positivo acentuado para ganhar uma presunção positiva rapidamente.

É uma forma de poupar tempo e energia: se a pessoa tem uma característica marcante boa ou ruim, então o resto também deve ser bom ou ruim. Parece uma presunção idiota de se fazer, mas todos nós fazemos em algum nível. É um erro/engano tão comum que há até ditos populares para nos relembrar de não fazer isso: “não se julga um livro pela capa”, por exemplo.

Além de tentar poupar tempo e energia, nosso cérebro é obcecado por padrões. Já falamos sobre isso também, é um resquício evolutivo, quem detectava certos padrões majorava suas chances de sobrevivência e vivia para passar seus genes adiante. Todos nós que estamos aqui agora somos cria de antepassados que tinham uma tendência a ver e decifrar padrões naquilo que viam, antevendo o perigo, se salvando dele e vivendo para procriar.

Porém, às vezes acabamos vendo padrões onde não tem. É o caso da Pareidolia, quando interpretamos um estímulo vago como algo com um significado muito preciso. A obsessão por padrões é tanta que isso acaba sendo explorado pela psicologia e pela psiquiatria, para entender o tipo de padrão que aquele cérebro tende a construir, e, como consequência, ter uma leitura melhor da pessoa.

É o caso do teste de Rorschach onde se mostra à pessoa manchas de tinta e se pede que a pessoa diga o que está vendo. Ele foi criado para explorar a Pareidolia como forma de revelar o que há na mente das pessoas. Não, aquelas manchas não significam nada, o que conta para o resultado é o significado que o seu cérebro vai dar a elas.

A Pareidolia pode ser inofensiva, no máximo faz você ver uma carinha onde está uma tomada ou uma nuvem com formato de algo conhecido. Mas, se a sede por padrões é desmedida, a coisa começa a ficar prejudicial e pessoas começam a ver mensagens onde não tem, como por exemplo Jesus em uma mancha de mofo no pão ou na sujeira de uma janela. Um exemplo bastante famoso foi uma foto divulgada da superfície de Marte, onde todo mundo viu um rosto no solo. Não é um rosto, é sua mente te pregando uma peça.

Se a Pareidolia é um engano mental inofensivo, existem outros que provocam danos em escala mundial. Um deles é a Falácia do Jogador, um dos principais responsáveis por perdas financeiras no mundo dos jogos de azar. Ela consiste em acreditar que eventos relacionados à probabilidade podem ser influenciados por eventos aleatórios anteriores. Calma, vamos dar um exemplo e vai ficar mais claro.

Você está jogando uma moeda e apostando no “cara” ou “coroa”. Todo mundo sabe que há 50% de chances de dar cara e 50% de chances de dar coroa, certo? Agora vamos supor que você jogou a moeda três vezes e nas três vezes deu coroa. Vai ter que pense que, depois disso, a probabilidade de dar cara é maior, afinal, saiu coroa três vezes seguidas, e aposta com força que as chances de cara são maiores. Assim a humanidade vai à falência.

As chances de dar cara ou coroa são de 50% a cada vez que se joga a moeda, não importa o que aconteceu antes. A probabilidade não “acumula” ou muda com base em eventos anteriores. A cada jogada de moeda ela zera e recomeça, 50% para cada lado. Este engano é basicamente a raiz que faz com que as pessoas percam muito dinheiro em jogos de azar e é conhecido e explorado por cassinos e instituições que vivem de dinheiro oriundo de jogo.

Outro mecanismo explorado pela indústria do jogo e também por religiões é a “Ilusão do Controle”. É uma tendência bem burra que temos em acreditar que podemos controlar ou, pelo menos, influenciar acontecimentos sobre os quais não temos nenhum controle: soprar os dados antes de jogá-los, usar a camisa da sorte no dia que seu time vai jogar ou qualquer talismã, simpatia ou mandinga.

Por isso somos criaturas supersticiosas, cheias de manias, de rituais que podem gerar um excesso de confiança (ou, ao contrário, uma insegurança monstruosa quando não se tem acesso ao objeto que confere sorte ou controle). A ideia de que existem coisas que não controlamos, da aleatoriedade, não é muito bem digerida pelo cérebro, ele tenta controlar tudo o tempo todo e entender algum padrão onde o futuro possa ser previsível.

Graças a essa falha crendices grotescas exploram pessoas, coisas como horóscopo, numerologia, simpatias e ignorâncias no geral. Obviamente não demoraram a aparecer pessoas para explorar isso e tomar dinheiro alheio: se pagar para colocar um ebó na encruzilhada você vai conseguir aquele emprego, se colocar um Santo Antônio na geladeira você vai casar, se você usar a máscara ungida não vai pegar coronavírus. E nessa as pessoas acabam perdendo muito dinheiro, pois algo dentro delas (um bug cerebral) lhes diz que tudo pode ser controlado.

E falando em maus negócios, a ambição do nosso cérebro pode nos gerar perdas de outras formas, como por exemplo no bug da Gratificação Instantânea, também conhecida como Desconto Hiperbólico. Como o próprio nome já diz, ele nos faz escolher um benefício imediato pequeno em vez de um ganho a longo prazo muito maior. É um imediatismo burro.

Se eu te perguntar o que você prefere, ganhar dez reais hoje ou cem reais amanhã, óbvio que você vai preferir cem reais amanhã. É um exemplo grotesco demais para que esse mecanismo de gratificação instantânea consiga se sobrepor. Você consegue visualizar, sentir o prazer do benefício a longo prazo, afinal, ganhar cem reais amanhã não é algo tão distante. Mas, se for uma coisa mais sutil, seu cérebro pode ratear.

Quem quer emagrecer, um projeto a longo prazo, mas não resiste ao prazer de comer um chocolate que o diga. Quem quer comprar algo, mas não tem o dinheiro e faz um parcelamento pagando juros que lhe custam quase o dobro do valor da coisa em vez de juntar dinheiro, esperar uns meses e pagar a vista também. Quando o benefício está distante o suficiente para não ser sentidos pelo cérebro, ele tende a nos empurrar para a escolha mais gratificante no presente, mesmo que não seja a melhor opção.

E, para terminar, um dos mais famosos bugs cerebrais de todos os tempos: o Efeito Placebo. Acontece quando uma substância sem nenhuma propriedade medicinal é dada a um doente com a promessa de que irá curá-lo e acaba realmente melhorando os seus sintomas. Ele é tão poderoso que pode gerar alterações fisiológicas na pessoa, mas não resolve o problema, pois é passageiro.

Ele é tão eficiente que é levado em conta em qualquer estudo sério sobre medicamentos e vacinas, onde é feito um esquema de “duplo cego”: um grupo recebe o medicamento real e outro recebe um placebo, para distinguir o que há de efeito real naquela substância e o que há de sugestão na mente das pessoas que tomaram. A autossugestão é mais poderosa do que imaginamos.

Este texto não é para que você lute contra o seu cérebro e contra os bugs que ele produz, nem tente, você vai perder. Estes bugs são um preço bem pequeno pela agilidade e capacidade cerebral do ser humano. Fatalmente todos nós vamos cair em um erro de interpretação por causa deles. A diferença é: quando você sabe que isso pode acontecer, fica mais fácil de detectar e corrigir ao errar.

Errar, todos vamos errar. Como e quando você vai perceber e corrigir esse erro é que faz toda a diferença.

Para dizer que tem que fazer recall do ser humano, para dizer que você não erra ou ainda para dizer que faltou o efeito Pigmaleão: sally@desfavor.com

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cérebro, comportamento

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