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Patriarcado?

Hoje, sob um altíssimo risco de acabar bostejando em quatro páginas, vou desenvolver a seguinte ideia: a marcha do mundo moderno rumo à igualdade não é sobre empoderar mulheres, muito pelo contrário, é sobre retirar delas o poder de modelar a sociedade. Não é uma rebelião contra o homem, e sim contra a mulher. E isso tende a ser ruim para todo mundo.

Conhecendo o público do Desfavor, eu aposto que você já está tentando prever para onde eu vou, um pouco pela experiência de textos anteriores, mas muito mais pelo o que já pensa sobre o tema. Eu provavelmente vou atacar o feminismo histérico que reclama de banalidades e faz vistas grossas para abusos vindos de classes consideradas marginalizadas. O clássico de exigir mulheres gordas em propagandas de moda e esquecer que os refugiados que aceitam de braços abertos praticam mutilação genital feminina…

Não era um mau palpite. Mas, eu quero ir mais fundo do que isso. Vamos pensar sobre o tecido social humano: como as pessoas se organizam em comunidades e como as estruturas de poder se formam. Convencionou-se dizer que quase toda nossa história foi marcada pelo patriarcado: homens em posições de poder e mulheres em segundo plano. E, com raras exceções, é isso que os registros da antiguidade demonstram e ainda nos dias atuais como boa parte do mundo pode ser descrita.

Homens tendem a ter mais posições de poder na nossa sociedade. Agora, o que eu quero colocar em dúvida aqui é quão prático é esse poder. Por tudo o que entendemos desde a pré-história, os papeis sexuais da humanidade numa comunidade eram bem definidos entre homens e mulheres, eles tentando prover, elas tentando cuidar. Não se engane vendo séries como Vikings e achando que mulheres tinham posição ativa fora de casa como guerreiras, comerciantes e líderes, simplesmente não é o que os registros apontam; com pouquíssimas exceções, são fabricações dos tempos modernos.

Eu não estou falando sobre a capacidade de fazer as coisas, estou apenas mencionando o que se sabe sobre a história da nossa espécie. Dizer que homens e mulheres em geral são melhores ou piores numa atividade normalmente é terreno arenoso: talvez na média, mas sempre tem muita gente fora da média. E às vezes é complicado definir exatamente porque a média funciona de um jeito ou de outro, existem muitos fatores, alguns genéticos, mas muitos outros sociais. E aí, a complexidade explode de tal forma que fica complicado testar as hipóteses.

Será que homens são realmente mais indicados para lutar em guerras? Será que mulheres são realmente melhores em cuidar de crianças? Tudo indica que sim, mas ainda não temos resultados em larga escala o suficiente para dizer que o inverso não seria melhor. O ser humano se habituou a fazer as coisas de um jeito, provavelmente o jeito mais fácil, já que essa costuma ser a regra de ouro da natureza.

E é aqui que eu volto para o ponto da praticidade desse poder masculino definido pelo patriarcado. Por um lado ter as estruturas de poder ao seu dispor faz muita diferença sim, mas por outro, gera uma carga de responsabilidades igualmente diferenciada. Pense no seguinte: decidir como sua família vai usar os recursos do dia a dia te coloca sob uma pressão totalmente diferente de decidir como todas as famílias da sua região vão utilizar as reservas de grãos da vila. Bobagem discutir o que é mais importante, mas é essencial perceber a diferença fundamental.

E nem precisa poluir a mente com guerra dos sexos aqui: imagine o grupo A, que age em escala mais familiar, e o grupo B, que age numa escala comunitária. O grupo A conhece as pessoas com as quais convive, tem laços poderosos de afeto com elas, mas até por isso acaba enxergando pouco do que acontece fora desse núcleo familiar. O grupo B lida com gente que não conhece e entende muito bem, quase sempre completos desconhecidos com ideias e desejos opacos para observadores externos. Isso infelizmente ocupa a pessoa de tal forma que também a torna meio cega ao seu próprio núcleo familiar.

O grupo A toma decisões mais bem informadas sobre pessoas que tendem a aceitar suas escolhas e perdoar seus erros. O grupo B toma decisões mais frias e técnicas, com uma chance muito maior de desagradar, mesmo quando não cometem erros (e cometem muitos erros). Se você tivesse que escolher entre grupo A e grupo B para ter ferramentas de controle sobre outras pessoas, qual deles parece mais necessitado? Se você tivesse que fornecer uma educação mais robusta para um grupo em detrimento do outro, qual seria o grupo que mais parece tirar proveito disso?

O grupo B, não? Trabalham com uma margem de erro muito menor por não terem laços afetivos com a maioria dos impactados por suas decisões, por isso dependem de um nível superior de poder para sobreviver. E como suas decisões são mais abrangentes, a capacidade técnica para suas funções precisa ser muito maior. O grupo A é essencial para manter as famílias viáveis e por consequência permitir a existência da comunidade, e é aí que entra o grupo B, que muda seu foco para fora de casa para dar conta das inúmeras dificuldades que surgem a partir desse desenvolvimento social.

Alguém tinha que sair de casa, e pareceu mais óbvio colocar o homem nessa função. Afinal, eles já tinham uma função muito mais externa antes disso. Essa sim altamente influenciada por questões genéticas. Cérebro para tomar decisões técnicas e até mesmo frieza para as escolhas difíceis as mulheres têm, mas quando a questão era basicamente sobreviver com caça, coleta e enfrentamento de predadores e/ou adversários o tempo todo, os músculos extras realmente faziam a diferença. Depois de muitos milhares de anos, a humanidade acabou muito mais especializada: mulheres excelentes em manter coesão social e cuidar dos mais novos, homens excelentes em enfrentar perigos e desenvolver estratégias de sobrevivência.

Era óbvio que colocar o ser humano moldado a ferro e fogo pela evolução numa casa do lado de um plantação não ia mudar toda essa lógica. Quem já era bom em tocar a unidade familiar continuou fazendo, quem tinha maior potencial de gerir as coisas fora dela foi se especializando também. Homens e mulheres sempre trabalharam horrores, muitas vezes na mesma função. O ponto nunca foi sobre quem se esforçou mais, e sim para onde esse esforço estava apontado. Pra dentro de casa ou pra fora de casa.

Leitores e leitoras mais inquisitivos podem estar começando a preparar uma bateria de “quem disse?” em cima do meu argumento. “Quem disse que homem precisa fazer uma coisa e mulher a outra?”, “quem disse que precisamos levar isso em consideração no século XXI?” e muitos outros. Questões válidas, claro. Mas, o meu ponto não é um apelo à tradição ou uma exigência da manutenção de papéis sexuais milenares. É uma análise sobre o que isso fez com a humanidade e sobre como isso se desenrola a partir daqui.

Eu estou montando o meu argumento com as seguintes bases: esses papéis sexuais clássicos não são uma invenção aleatória e sim um resultado previsível da evolução humana, e também que muito do que se chama de patriarcado atualmente são as ferramentas que permitiram que homens mudassem sua especialização durante essa evolução. Esse era o preço do poder. Preço que durante muitos e muitos séculos, mulheres não precisaram pagar. A especialização em manter núcleos familiares vem com ônus e bônus.

Não há diferença genética entre curiosidade e capacidade intelectual (óbvia) entre homens e mulheres, em tese elas poderiam ter seguido esse caminho para fora de casa também, especialmente depois do aperfeiçoamento do Estado para protegê-las da lei da selva. Mas, elas não o fizeram. Ficaram em casa. E aqui, você pode enxergar as coisas por dois caminhos: no primeiro, os homens usaram de violência (física e psicológica) para prendê-las dentro de casa, como parece ser a visão mais comum entre as pessoas da era moderna. Mas existe outro ângulo:

As mulheres expulsaram os homens de dentro de casa porque era a posição mais vantajosa e elas já tinham muito mais experiência (e vantagens evolutivas) para fazer esse serviço. Pense comigo: entre sair de casa para enfrentar estranhos, muitas vezes em guerras ou ficar em casa para cuidar da sua família, o que gera a maior chance de sobrevivência? O que gera o maior conforto no longo prazo? Trocar espadadas com inimigos raivosos ou cuidar de galinhas e crianças? Só homem mesmo para achar bacana arriscar a vida ou viver sob pressão de desconhecidos sem nenhum laço afetivo com você. É óbvio que a posição mais valiosa nessa dicotomia de sexos da humanidade é a posição de ficar em casa.

O ponto de vista masculino, que eventualmente domina toda a nossa cultura (quem estava fora de casa fazendo essas coisas?), diz que enfrentar perigos desnecessários ou ter um carreira de muito prestígio com estranhos é sempre o objetivo mais valioso. Será que é mesmo? Será que ser a dona de uma casa e ter todos os membros da família e comunidade mais próxima vivendo sob sua influência, tudo isso protegida de vários perigos da mundo externo, não é algo que vale pelo menos tanto quanto?

E aí, a dúvida central deste texto: será que o feminismo moderno não é baseado no que os homens acham melhor? Um dos erros mais comuns ao analisar a história da humanidade é achar que as pessoas eram idiotas. Mulheres não eram imbecis passivas por milhares de anos e só passaram a usar o cérebro depois que uma queimou um sutiã. Foram milhares de anos vivendo nesse mundo, analisando a cada geração o que era mais vantajoso. Não dá para tocar a humanidade sem as mulheres, é literalmente impossível avançar a civilização sem a cooperação quase que total delas. Se a nossa história fosse apenas opressão sem nenhuma contraparte para elas, você não conseguia segurar uma vila funcionando, quanto mais um país. Quando as casas começam a se desfazer, a comunidade vai junto.

Alguma coisa quebrou esse pacto entre os sexos, especialmente nas últimas décadas. O valor de ser a dona de uma casa ficou menor. E aí, parece uma conjuntura de fatores: a vida nas cidades começa a tornar impossível o foco no núcleo familiar, o acesso à educação acaba demonstrando que na prática a mulher consegue sim fazer funções consideradas masculinas, e muito provavelmente tantos e tantos anos de indústria cultural valorizando as características do “grupo B” tenham finalmente surtido efeito.

Acabamos com uma ideia bem paradoxal: o feminismo é a revolução contra a mulher. Coloca num pedestal valores historicamente masculinos e rejeita o que sempre foi uma identidade feminina como algo inferior. Eu juro que não quero fazer uma provocação, mas a conclusão é que feminismo é uma teoria de supremacia masculina. “Para ser uma mulher de valor, seja um homem”.

Mas… nem tanto. Isso sim é uma provocação: enquanto as mulheres tiverem direito ao voto, nunca teremos alistamento militar obrigatório para elas. Resquícios da parte esperta que há alguns milênios mandou o homem ir caçar alguma coisa e parar de encher a paciência na casa dela. A questão aqui é que o patriarcado tem um preço para os homens: as vantagens recebidas eram compatíveis com as dificuldades encontradas. As mulheres da antiguidade sabiam que nada viria de graça: quem estivesse fora de casa teria oportunidades enormes, mas correria riscos equivalentes. Para cada bônus, um ônus. Essa coisa de não querer encarar os problemas decorrentes de um novo papel social sugere que não foi algo realmente planejado por elas.

O problema é que isso não se resolve só com igualdade. Essa identidade histórica masculina pode até ter caducado como exclusivamente masculina, mas ainda não foi definida para as mulheres. O quanto elas estão escolhendo agir dessa forma e o quanto é uma enorme confusão causada pelo mundo moderno? O homem abraçou a ideia de ser coadjuvante do lar e correr riscos cada vez maiores, havia uma predisposição. Mas vendo todos esses problemas de mulheres infelizes com essa vida “fora de casa”, parece que foram enganadas. Acharam que teriam as vantagens da escolha antiga com as vantagens da nova escolha. Ou pior: não foram avisadas que estavam fazendo uma escolha diferente de seus antepassados. Aliás, posso pensar em algo pior: não era uma escolha. A economia moldou as coisas de tal forma que o papel feminino clássico não podia mais se sustentar.

Então deixa eu voltar para redefinir aquela frase sobre o feminismo: o feminismo é a adaptação da mulher a um mundo que ficou sem lugar para ela. O patriarcado não vai cair porque as mulheres não o querem mais, vai cair porque elas não conseguem mais sustentá-lo. Era a única coisa que mantinha uma divisão e permitia uma escolha. Matriarcado só seria uma inversão de grupo A com grupo B.

Quando a escolha acaba e você vê uma sociedade de mulheres focadas em trabalho, liderança e até mesmo defeitos masculinos clássicos como promiscuidade e desapego à própria integridade física, dá a impressão que dos dois modelos de papéis sexuais, o historicamente masculino venceu por unanimidade. Eu acho que tem algo de muito errado aí que já está influenciando as novas gerações… o Estado vai ter que segurar a bronca de núcleos familiares cada vez mais fracos. Não sei se vai ser algo muito natural para uma sociedade cada vez mais “masculinizada”.

Veremos.

Para dizer que foi um jeito criativo de dizer que queria uma mulher para lavar minhas cuecas, para dizer que seu sexo sofre mais ou menos que o outro, ou mesmo para dizer que o futuro é aquela cor marrom que aparece quando se mistura todas as tintas: somir@desfavor.com

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feminismo, sociedade

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