Clickbait.

Com a Era da Informação, surgiram várias palavras novas no vocabulário do cidadão médio. Clickbait é uma delas. Eu defino como um incentivo (honesto ou não) para que uma pessoa clique num link da internet. Se bem que… talvez o termo já não caiba mais apenas na rede mundial de computadores.

Porque por mais que uma parte considerável da economia mundial já esteja atrás de links de internet, clickbait é o tipo da coisa que vai se espalhando para o resto do mundo por causa do seu sucesso. Não podemos esquecer que a internet como conhecemos já é mais velha que boa parte da população mundial, mesmo que você quiser considerar a banda larga como ponto inicial da rede que conhecemos hoje.

Muita gente já cresceu com a internet, muita gente já mudou de carreira para trabalhar nela. Às vezes esquecemos isso, mas estamos falando de um setor muito maduro da economia mundial. Tem gente com mais de duas décadas de experiência em produção de conteúdo, vendas e propagandas online. E nesse tempo todo, muitas coisas foram tentadas para extrair o máximo de dinheiro possível de cada pixel na tela.

O clickbait atual pode ser visto em chamadas estranhas ou descaradamente mentirosas para artigos que vão te vender alguma coisa, ou no uso de imagens e conceitos apelativos para gerar uma ação do internauta. “5 remédios caseiros para (insira última doença que você pesquisou aqui)”, ou “Essa mãe de (insira sua cidade aqui) ficou rica com esse método surpreendente” e coisa do tipo.

A tecnologia ao dispor de publicitários e influencers é muito mais avançada que o cidadão médio imagina. Podemos criar materiais que se adaptam ao que a pessoa parece interessada, não temos acesso ao quem é quem, mas a rede social sabe tudo e compartilha os dados com quem paga para ela. O clickbait moderno não é só sensacionalismo e apelação generalizada, são coisas que podem estar focadas nas suas últimas ações online. E considerando quanta gente passa o dia todo conectada, é muita informação.

Existem vários truques para atrair atenção de uma pessoa, muitos deles não foram inventados para a internet, afinal, desde que o mundo é mundo tem alguém querendo chamar atenção dos outros. Táticas clássicas como apostar em comida, sexo e violência funcionam como sempre funcionaram, frases curtas que deixam uma dúvida no ar como os jornais sempre fazem em manchetes, listas e conteúdo fácil de digerir como as revistas (lembram delas?). A internet tentou de tudo, em todas as combinações. Por décadas.

O que funcionou seguiu em frente, o que não funcionou foi deixado pra trás. Seleção natural das coisas mais apelativas possíveis para o ser humano. Digo mais, boa parte da forma de se comunicar pela internet já passou por esse filtro também. Ninguém forçou os emojis, eles simplesmente aconteceram. Funcionam como atalhos para conceitos maiores, como uma língua paralela, e também como substitutos de expressões faciais e corporais em conversas. Foram testados e aprovados pelo povão, que evidentemente não ia aprender a escrever melhor só porque tanta comunicação ficou escrita.

Clickbait é um caso parecido: selecionado como vantajoso na guerra evolutiva da internet. Se atenção vira o ativo mais valioso, o dinheiro está na busca dela. Mas a questão deste texto é sobre como o clickbait vai se infiltrando na comunicação humana ao mesmo tempo. Quase todo mundo tinha um parente ou conhecido “meio Bolsonaro” há algumas décadas atrás, aquela pessoa que sempre falava alguma coisa exagerada e fora de tom em reuniões. Hoje em dia não parece que todo mundo ganhou mais uns 15 tios bêbados na ceia de Natal? Bolsonaros de direita, esquerda, centro e tudo mais, não é sobre o alinhamento político, é sobre a falta de tato na comunicação, no berro pela atenção, nos exageros evidentes.

Não é possível que as pessoas tenham mudado tanto assim em tão pouco tempo. E eu argumento que não mudaram. Como eu costumo dizer em vários outros aspectos, o ser humano é basicamente o mesmo, mas hoje em dia a gente vê mais. E isso pode acontecer porque temos mais contatos mesmo, por mensagens, redes sociais e tudo mais; mas também pode ser resultado de uma “clickbaitização” da comunicação humana.

O que acontece com quem é impactado por mensagens extremamente apelativas o tempo todo? Como uma pessoa compete com a internet pela atenção dos seus pares? A minha impressão é que meio sem perceber, o cidadão médio acompanhou a corrida armamentista por atenção que acontecia na mídia mais popular do mundo. A internet virava um território de berros, e quanto mais ela se intromete nas nossas vidas, mais barulho faz mesmo com a autofalante desligado.

Nós que temos acesso constante à internet, e hoje em dia esse grupo é a maioria (mesmo que indiretamente no caso de pessoas mais pobres), estamos sendo cozinhados lentamente nessa panela de sensacionalismo. Não existe fenômeno isolado: se as pessoas aprendem que um tipo de comunicação funciona no lugar X, pode ter certeza que começam a aplicá-la no lugar Y. Sim, eu sei que pessoas normais ainda falam como pessoas normais em vários lugares, mas os descompensados começaram a falar mais alto.

E digo mais: a nossa tolerância com os descompensados foi subindo nesse meio tempo. Você vê a batalha campal das redes sociais e de repente aquela pessoa fazendo discurso aleatório no meio de uma conversa comum não parece mais tão bizarro. E mais, você foi exposto ao assunto uma vez ou outra, normalmente de forma caricata e apelativa. Sem querer já entrou na mente aquele tom exagerado, e discutir alguma coisa nesse nível de baixaria não registra mais como uma quebra de padrão.

Ou, num resumo do argumento: tem cada vez mais gente fazendo clickbait em conversas offline. Novamente usando o presidente como exemplo: Bolsonaro falava as mesmas coisas que fala agora há décadas, mas foi só na era do clickbait que ele começou realmente a ser ouvido. Servia para um grupinho dele que garantia vaga no Congresso, mas o discurso funcionou muito bem para o resto do povo quando as pessoas já estavam acostumadas com essa forma de comunicação.

O clickbait como forma de comunicação ficou popular. E como em todas as formas de apelação, rapidamente ele começa a sair de controle. Fazer um filme pornô é impactante; fazer dez é ter um emprego. E aí, se você quiser continuar atraindo atenção das pessoas, tem que começar a exagerar mais e mais, até um ponto onde pode ser que não tenha mais pra onde ir só na fala. É quando as pessoas começam a se colocar em risco real.

Aqueles viciados em cirurgias plásticas normalmente são pessoas com necessidade patológica de atenção ficando cada vez mais sem ideias do que fazer. Virar um monstro pode ser uma solução. Não digo que sabem conscientemente que estão ficando deformados para aparecer mais, mas que o inconsciente já fez a conexão e está jogando para ganhar. O clickbait talvez seja a fase de incubação dessa doença de necessidade de atenção. O primeiro sinal de que tem algo errado. E quando falo de clickbait, já é a crença (errônea) de que você só vai ter atenção se arrancar ela da outra pessoa.

O clickbait de internet sabe que não tem muito para entregar. Normalmente é um artigo vago que não responde pergunta alguma, está exagerando os benefícios ou malefícios de alguma coisa, está só tentando te vender algo sem comprovação de funcionamento… faz parte do jogo deles apostar todas as fichas no superficial para aparecer. Quando isso chega nas pessoas, podemos traçar alguns paralelos: quais são as pessoas que mais fazem escândalo e se desesperam por atenção? Crianças e adultos sem muitas qualidades. Gente que não tem segurança para se valorizar. No caso das crianças, compreensível; no caso dos adultos… uma tristeza.

Eu não sei se as pessoas estão ficando mais sem graça ou se as expectativas são irreais na cabeça das pessoas. Eu tendo a acreditar mais na segunda opção: com tanta vida “fabricada” em redes sociais e mídia que se baseia nelas, é possível que muita gente comece a achar que uma vida que não rende um post bacana de Instagram por dia não é uma vida bem vivida. Talvez esse senso coletivo de inadequação incentive tantos a radicalizar no clickbait como filosofia de vida.

Não importa o que tem de verdade ali, importa é chamar atenção para conseguir o clique. Mas aí, percebemos uma crueldade do sistema: ninguém gosta de ser enganado pelo clickbait. Ou a pessoa se convence que aquilo ali é valioso para não achar que perdeu seu tempo, ou desconta sua frustração em quem desperdiçou sua atenção. Num anúncio mequetrefe de internet, a pessoa não tem onde aplicar esses sentimentos, mas numa pessoa que se transformou em clickbait… aí sim.

E aí temos tanta gente ficando doente da cabeça por causa do feedback da internet. Ou entram na pilha que tem que ser perfeitos para dar conta das expectativas ridículas de seus seguidores, ficando cada vez mais ansiosos e inseguros; ou são atropelados por críticas e rejeição de quem estava se esforçando para agradar. Ninguém é de ferro. Ver muita gente te criticando dói em qualquer mente, mas é especialmente perigoso se você colocou na cabeça que tem que ser um clickbait ambulante. Sua autoestima está desprotegida no meio do tiroteio.

Quando a gente fala de saber se preservar, não é papo de velho com saudades do mundo antes da internet ou paranoia de quem se acha muito importante, é um aviso sobre saúde mental. É muito bom poder “sair da internet” quando quiser, baixar a poeira e lembrar que são só macacos pelados do outro lado da tela. Quanto mais você deixa a mentalidade do clickbait assumir o controle, mais está se colocando em posição de risco. E na maioria dos casos, não tem compensação financeira nisso. A pessoa faz clickbait sem ganhar dinheiro, só para chamar atenção. E só chama atenção porque foi enganada pela sociedade pós-internet que precisa disso para ser válida. Não precisa.

Ninguém precisa de clickbait para ter uma vida boa. Você pode escolher usar a tática às vezes, é claro, mas sem nunca deixar ela se infiltrar no seu senso de valor pessoal. Crescer é aprender que não precisa fazer tanto escândalo assim para ter o que quer, não é mesmo?

Para dizer que não sabe se o título foi clickbait, para dizer que estava com saudade de ser pego(a) de surpresa pelo rumo do texto, ou mesmo para dizer que quem precisa ler isso não consegue ler isso: somir@desfavor.com

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Comments (4)

  • Repassei o link daqui para algumas pessoas, mas tenho dúvidas se vão conseguir entender plenamente o que o Somir quis dizer no texto.

  • (…) “Com tanta vida “fabricada” em redes sociais e mídia que se baseia nelas, é possível que muita gente comece a achar que uma vida que não rende um post bacana de Instagram por dia não é uma vida bem vivida. Talvez esse senso coletivo de inadequação incentive tantos a radicalizar no clickbait como filosofia de vida.” Acho que isso já está acontecendo, Somir. E é muito triste… Sempre houve pessoas desesperadas por atenção e pela aprovação de outros, mas de uns tempos para cá isso vem chegando a níveis preocupantes.

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