Universo probabilístico.

Há muito tempo a ciência já conhece o elétron. A “partícula” de carga negativa que orbita o núcleo do átomo já foi provada inúmeras vezes, e é até utilizada em microscópios especiais para fazer imagens de objetos pequenos demais para os outros tipos disponíveis. Que o elétron está lá, está. O problema é dizer onde exatamente.

Sally já escreveu aqui sobre o experimento da fenda dupla, onde feixes de elétrons são jogados contra uma parede com duas fendas até chegar num sensor. Eu nem vou entrar na insanidade que é a diferença entre os resultados de acordo com alguém estar observando ou não, nem precisa: o simples fato dos elétrons acabarem no sensor num padrão diferente das fendas na parede já é piração suficiente.

Esse famoso experimento sugere que o elétron é ao mesmo tempo uma partícula e uma onda, porque às vezes simplesmente ignora barreiras no seu caminho, como se pudesse “desviar” da realidade ao seu bel prazer. É claro que a verdade técnica do processo é muito mais complicada do que um mero resumo num blog que fala sobre cus e políticos (ou seja, cus), mas é importante ressaltar que depois de mais de um século de experimentos com equipamentos caríssimos e milhares das melhores mentes da humanidade no processo, a conclusão é que nessa escala do universo, não temos “resolução” para enxergar o que acontece.

Por isso, trabalhamos com probabilidades. Na prática, o elétron circundando o núcleo do átomo não é visto como uma bolinha bem-comportada fazendo uma órbita, tal qual a Terra ao redor do Sol; na verdade, o elétron é tratado como uma espécie de nuvem de probabilidades. Ele pode estar em qualquer posição ao redor do átomo a qualquer momento. A porcaria não para de se mexer, e virtualmente qualquer coisa no universo consegue interagir com ele. O simples fato de observar um elétron significa que você mexeu com ele. Você sabe onde ele estava no momento da interação, mas depois disso, não tem mais como prever.

Alguém com uma mente mais matemática poderia dizer: basta calcular quanto a observação mexeu com ele e prever para onde ele vai, certo? Errado. Em tese seria possível, na prática, tem incontáveis outras nuvens de elétrons nas imediações, e tudo pode acontecer quando um interage com o outro. É mais ou menos como tentar acompanhar uma gota de água jogada no oceano. Depois que caiu lá, não dá mais pra saber o que é o quê.

É muito difícil fazer análises precisas na bagunça que é a nossa realidade. Quanto maior o zoom que você dá nas coisas, maior é a sensação de caos absoluto. Por exemplo, para captar um neutrino, uma das partículas mais minúsculas e leves do universo, precisa coloca o sensor debaixo de toneladas de terra para começar a ter uma chance. O neutrino é tão chato de capturar, que sistemas que custam milhões e milhões de dólares ficam felizes quando percebem 10 por ano. Levante o dedo indicador na frente do seu rosto: no último segundo, passaram 100 bilhões de neutrinos pela sua unha. Conseguem sentir o drama que é capturar apenas algumas dezenas com sistemas supercomplexos?

Quando as coisas são pequenas assim, a lógica de ver e interagir com as coisas vai mudando, entramos num universo probabilístico. Não tem como saber tudo o que está acontecendo, porque mesmo o sensor mais delicado que somos capazes de fazer ainda é uma monstruosidade perto dessa escala. É mais ou menos como tentar mover um grão de areia numa praia com uma escavadeira. Você vai acabar mexendo com bilhões de outros grãos ao mesmo tempo. O melhor que você pode dizer depois é que tem certeza de que aquele grão foi mexido.

E dadas nossas limitações, é o que fazemos com a ciência atual. Tem uma escala onde temos algum controle das coisas, mas ela acaba bem antes mesmo de chegarmos nos átomos. Aceleradores de partículas – com sua precisão monstruosa e quilômetros de tubos calibrados pelos melhores sistemas e cientistas que a humanidade tem a oferecer – são capazes de jogar um monte de partículas umas contra as outras e torcer para elas se chocarem. Fazem isso com o suficiente para a probabilidade chegar perto de 100%, mas mesmo que pequena, a chance delas não se tocarem sempre existe.

Somos dinossauros tentando montar um quebra-cabeça. Não temos cérebro ou habilidade para manipular a matéria/energia em escalas minúsculas assim. E isso não é para tirar sarro da ciência, muito pelo contrário, o que já temos hoje é mais ou menos como ver um gorila montando um relógio suíço com todas aquelas pecinhas minúsculas. É de cair o queixo. Sério, a gente bate muito na humanidade aqui, mas não podemos esquecer que nessa caminhada de poucos milênios descemos das árvores para mapear o universo das maiores galáxias às menores subdivisões da matéria. Não é de se reclamar.

Eu trago esse tema porque uma das maiores barreiras ao avanço tecnológico humano está justamente na limitação que o microuniverso nos impõe. Nosso pensamento é binário, não quântico. Calma, eu não vou ir para nada relacionado com autoajuda: quando falo de pensamento binário e quântico, estou falando sobre como a verdade para nós é feita de afirmações positivas ou negativas. Tudo o que você entende sobre o mundo pode ser reduzido a uma série de perguntas cujas respostas são sim ou não. Essa é a lógica do mundo macro: as coisas estão ligadas ou desligadas, quentes ou frias, existem ou não…

E por mais que sempre exista mais o que estudar e refinar, talvez estejamos chegando no fim do que é possível entender de verdade com essa mente binária. No mundo da física quântica, começamos a falar sobre superposições, sim e não ao mesmo tempo. Sim, o elétron está naquela nuvem de possibilidades; mas não, não podemos te dizer onde. O gato vivo e morto ao mesmo tempo na caixa de Schrödinger.

E isso nada tem a ver com mágica, é uma questão de probabilidades. Se você joga uma moeda para cima, ela tem duas probabilidades, cara ou coroa (ela pode cair de pé também, mas é tão raro que ninguém pensa nisso), o experimento começa com um conjunto conhecido de resultados. Quando você olha para o que aconteceu com a moeda, só tem dois caminhos para seguir na mente, caminhos previsíveis antes mesmo de jogar a moeda pra cima.

Já no mundo quântico, não é que alguma coisa sobrenatural aconteça, é que antes de fazer o experimento, não dá para estabelecer uma lista de resultados possíveis. Um mero elétron pode estar em incontáveis lugares do espaço em qualquer momento, então não tem como comparar o resultado da visualização dele com uma lista prévia. O elétron interage com outras coisas ao seu redor, ele emite e absorve fótons o tempo todo, ele bate com outras coisas que não estava no átomo, ele pode ser perturbado por virtualmente qualquer coisa no universo.

Então, para prever onde um elétron vai estar daqui a um segundo, você precisa saber tudo sobre o que interage com ele e processar a informação em menos de um segundo. Entendem o problema? Um computador que seja capaz de pegar e processar toda a informação do universo tem que simular o movimento do elétron mais rápido do que o elétron se move naturalmente. Só que o computador vai precisar calcular isso com… elétrons, de um jeito ou de outro. A natureza tem sua velocidade, e não se importa com o que queremos ou não. Como tudo parece estar conectado, tudo se influencia.

E isso significa que entendimento perfeito, até onde sabemos, não é possível pelas leis da física. A mentalidade binária de sim ou não provavelmente não vai conseguir nos levar muito longe dentro das menores escalas da matéria. O ser humano vai ter que aprender a dar palpites cada vez melhores, e começar a construir toda sua realidade ao redor desses palpites (educados), em camadas de probabilidades que vão se acumulando com o passar de séculos e milênios.

Talvez o ser humano do ano 3.000 sequer pense como nós pensamos agora. Imagine só se toda sua tecnologia se baseia na manipulação de probabilidades? Teremos que ensinar crianças de forma diferente, teremos que expurgar o conceito de certeza da mente das pessoas, porque certezas serão sinônimo de mau uso das probabilidades. O ser humano do futuro pode ser literalmente incompreensível para nós. Será que palavras dão conta de comunicar probabilidades? Será que eles vão ter os mesmos números que nós? O mundo binário tem alta probabilidade de ficar obsoleto nos próximos séculos.

Eu não consigo me imaginar num mundo onde certezas são coisas do passado. Mesmo com todos os avanços da física, a ideia de probabilidades que usamos é uma forma de manter os cálculos binários possíveis. Não sabemos onde o elétron vai estar, mas de acordo com o avanço de um sistema com vários, podemos entender o que aconteceu. E usando essa lógica do que já foi analisado, prever o futuro. Existem previsões matemáticas maravilhosas na ciência, coisa que foi pensada cinquenta anos antes de termos a tecnologia para fazer o experimento, e que na hora H acertou com 99,9999% de precisão.

A gente ainda consegue “domar” a realidade quântica dentro de uma lógica binária limitada da mente humana, mas quanto menor a escala das coisas com as quais lidamos, menos esse sistema de pensamento funciona. Sem abraçar a incerteza, não sei até onde podemos ir. O computador quântico já funciona, e para algumas coisas é mais rápido que o binário (sim, essa é a diferença entre os dois, o binário usa sim ou não, o quântico usa probabilidades), mas ainda está resolvendo questões que as nossas mentes propõem.

Mentes binárias. E a minha mente binária acredita que temos mais um nível de inteligência para alcançar, não sei se ele sai naturalmente ou se vamos precisar de máquinas para isso, mas eu tenho (quase) certeza que ninguém ainda conseguiu ativar seu pensamento quântico, sem certezas, abraçando as nuvens de probabilidade da realidade. E também acho que é esse pensamento que vai mudar o futuro da espécie.

Estou tentando aqui, vai que consigo? Mas não custa nada você tentar também. Pra onde você vai quando sua mente não pensa em sim ou não? O que acontece se a gente não tiver certeza de mais nada?

O tempo dirá. Provavelmente.

Para dizer que quer um pouco do que eu usei, para dizer que é autoajuda que não ajuda (a melhor), ou mesmo para dizer que seu coach quântico aumentou o preço pelo princípio da incerteza inflacionária: somir@desfavor.com

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