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Colunas

Carta aos Millenials.

É cada vez mais contestado classificar pessoas de acordo com sua geração: a época na qual a pessoa nasceu não é uma sentença sobre suas características. O que ela é, sua personalidade e a forma como trabalha depende de muitos outros fatores. Por isso, nada do que será dito aqui hoje tem caráter científico nem absoluto. Se servir pega, se não servir passa amanhã que tem texto novo. Vamos conversar, Millennials?

É inegável que existem tendências: determinadas gerações, pelo contexto no qual cresceram, tendem a determinados comportamentos. E os Millennials não parecem estar em um bom caminho, o que é uma pena, pois tem muito potencial. Além de não parecer estarem em um bom caminho, me parecem meio perdidos, sem saber como sair dele. Então, espero de coração que este texto, além de ofender, ajude a alguém.

Para quem não conhece a classificação por gerações aqui vai um breve resumo: os Baby Boomers são os nascidos entre 1946 a 1964 (na explosão demográfica após a Segunda Guerra Mundial: “baby boom”), a Geração X são os nascidos entre 1965 e 1980 (a que vos fala), a Geração Y (ou Millennials) são os nascidos entre 1981 e 1996, a Geração Z os nascidos entre 1997 e 2010) e a Geração Alfa os nascidos a partir de 2010.

Os Baby Boomers tiveram a missão de reconstruir o mundo, muitos em famílias capengas, com mortos pela guerra. Essa realidade os moldou para serem batalhadores, pois não viveram em uma época fácil. Trabalho duro, esforço e planejamento de vida eram essenciais. Criaram seus filhos (Geração X) de forma rígida, com muitas cobranças e proibições.

A Geração X, a seguinte, foi basicamente uma geração que pegou todas as transições importantes, seja na tecnologia, na cultura ou no comportamento. Viu surgir (e teve que se adaptar) a internet, os telefones celulares, os smartphones, a necessidade de sexo com seguro (por causa do HIV), a transição da ditadura militar para a democracia (no Brasil e em outros países) e muitas outras mudanças.

Com um pé em cada barco, é a única geração que de fato vivenciou os dois mundos: aprenderam a valorizar o trabalho duro com seus pais Baby Boomers, mas também aprenderam a melhorar a vida com a tecnologia que surgiu e facilitar as coisas para seus filhos, os Millennials.

A Geração Y, ou Millennials, já nasceu com tudo na mão: internet, celular, informação acessível e tempo de sobra. A vida foi facilitada desde a primeira infância pelo digital, pela abundância de informação, pela abundância de produtos no mercado e por pais melhor estabelecidos (a Geração X passou menos dificuldades do que os Baby Boomers).

Isso fez com que os Millennials tenham uma infância mais confortável do que gerações anteriores que estivessem no mesmo patamar de vida, isto é, um pobre Millenial teve mais facilidades que um pobre Baby Boomer ou um pobre Geração X e um rico Millennial teve mais facilidades que um rico Baby Boomer ou um rico Geração X.

A Geração X, ao criar os Millennials quis, na melhor das intenções, tornar a vida de seus filhos mais fácil, mas errou para o outro lado. Superproteção contra bulliyng, excesso de brinquedos, de permissividade e de prêmios sem mérito. Todo mundo ganha troféu, só por participar. Ótimo para construir autoestima, péssimo para preparar para vida. Existem formas de construir autoestima sem criar um mundo irreal para os filhos.

Pois muito bem, depois dessa pincelada por alto nas diferentes gerações, e sempre lembrando que não é uma sentença, é apenas uma tendência, vamos conversar sobre o atual momento: os Baby Boomers estão aposentados, a Geração X está nos cargos de liderança, mas envelhecendo e se retirando aos poucos. Os Millennials, que são hoje maioria no mercado de trabalho brasileiro, estão prestes a assumir o bastão. E isso me preocupa.

E, não se enganem, isso não é papo de velho, de “minha geração era melhor”, é um papo de “preste atenção onde você tem que melhorar para botar o mercado de trabalho no bolso”. Millennials tem potencial para serem muito melhor do que Baby Boomers e Geração X, mas, me parece que não sabem nem por onde começar.

Se a tendência é que todo mundo seja muito bom em algo e muito deficitário em outras coisas, é justamente nessas habilidades deficitárias que você deve investir, para se diferenciar da multidão. Alguém vai ter que assumir o volante quando a Geração X for embora, portanto, recomendo que se preparem para isso.

Os Millennials são vistos como egoístas, mimados, imediatistas, desestruturados, incapazes de trabalho duro (o que eles consideram trabalho duro não é o que as outras gerações consideram), de imersão naquilo que não gostam e de executar com sucesso projetos de longo prazo.

Também são vistos como acostumados a ter tudo muito fácil, como pessoas sem foco (multitarefas com dificuldade para focar em uma coisa só e trabalhar nela por horas, principalmente quando não tem interesse nelas), impulsivos e sem senso de sacrifício.

Já foram chamados de geração “eu, eu, eu”, pois tudo é sobre eles e de “a geração perdida”, pois muitos pressupõe que os cargos de liderança pularão dos X para os Z.

Lembro até hoje de uma das pessoas mais competentes com as quais trabalhei que, cada vez que uma pessoa nessa faixa etária se portava dessa forma gritava “MALDITOS MILLENNIALS!”. Eu não sei como os Millennials se sentem, mas a visão que o mercado tem deles não é das melhores.

O resultado tá aí, os Millennials com dificuldade em assumir as rédeas e a Geração X se mantendo nos cargos de liderança, com dificuldade para sair, por não ter quem colocar no lugar. Se você não vê boas notícias aqui, permita-me desenhar para você: quando a maioria é muito ruim em algo, basta você se tornar muito bom nesse algo que estará à frente da sua concorrência e será facilmente valorizado. Então, o desgraçamento da sua geração pode ser um puta trunfo para você.

Tem uma frase muito boa usada para descrever os Millennials: “não aguento mais não aguentar mais”. No geral, é bem isso; baixíssima tolerância à vida adulta. Muitos cargos ocupados pela Geração X vão vagar e poucos Millennial terão o que é preciso para substituí-los. Percebe a oportunidade? Se você for um dos poucos aptos para isso, muitas portas vão se abrir.

Então, o que é preciso para ocupar as lacunas deixadas pelas gerações anteriores? Para responder a essa pergunta, temos que olhar melhor para eles.

Antes de mais nada, é preciso aprender a se autogerir e auto motivar, ser capaz de ser sua melhor ferramenta de trabalho, sem depender de computador, de tutorial, de vídeo, de coach ou de chefe que te passe um planejamento pronto. O que vai demandar alguma capacidade de frustração (nada sai como a gente queria e no tempo em que a gente queria), disciplina e planejamento.

Eu pertenço à Geração X, uma geração para a qual nada nunca foi fácil em matéria de aprendizado. Provavelmente a vida dos Baby Boomers foi mais dura, pelo período de escassez e estresse mundial, mas a Geração X é a única entre todas que teve que aprender dobrado: sabemos pesquisar em enciclopédia e sabemos pesquisar na internet. Sabemos usar máquina de escrever e sabemos digitar no computador. Sabemos escrever à mão (um livro, se precisar) e sabemos digitar. Sabemos fazer conta no papel e sabemos fazer conta na calculadora.

Da X para trás, o pessoal não sabe o digital. Da X para frente, o pessoal é escravo do digital. Se antes de prezava pela produtividade e resultados, depois parece que a única coisa que importa é a criatividade, sem método ou organização. Para completar, fomos forjados no fogo do bullying, da vivência e da bizarrice. Quem foi criança na década de 80 é um sobrevivente. Então, versatilidade, independência e uma boa armadura social serão indispensáveis para passar o bastão.

Então, a Geração X não teve que se virar apenas aprendendo um novo modo social de funcionar, graças a doenças, tecnologia e mudança de sistema de governo. Ela teve que se virar SOZINHA. Os Baby Boomers não podiam nos ensinar sobre internet. Nem sobre democracia. Nem sobre HIV. Nem sobre a maior parte das coisas que aprendemos. Aprendemos sozinhos, batendo cabeça, errando, acertando, errando novamente.

Não tínhamos tutorial para dizer como cada coisa funciona. Muito menos abundância de informação (a internet era bem precária no começo). Ninguém nos pegou pela mão, ninguém nos ensinou nada. E a recompensa por essa vivência é aprender a se autogerir e não precisar de ninguém que te pegue pela mão para porra nenhuma.

Se antes da Geração X se prezava pela produtividade e resultados, depois parece que a única coisa que importa é a criatividade, sem método ou organização. Se você já trabalhou com um Millennial, sabe do que eu estou falando. Muita criatividade, muito fluxo de ideias, mas pouca autogestão, organização e ação racional. Criatividade, imaginação e inventividade não são nada sem organização, planejamento e autogestão.

Vejo muito Millennial e posteriores fazendo curso de “desbloqueio criativo”, de “desbloqueio intuitivo” e similares. Meus queridos, vocês não precisam disso. O que vocês precisam é retornar às origens e catar o que havia de bom ficou para trás dos Baby Boomers e da Geração X. A parte criativa, engajada, disruptiva e social vocês já têm de fábrica. Todos vocês têm, todos vocês são muito parecidos nisso. O grande diferencial será na parte de planejamento, organização, no racional e no hard work. Invistam NISSO, pois isso sim é um diferencial.

Trace você mesmo seu mapa e aprenda a seguir a rota sem se perder. Quantos projetos a longo prazo (= mais de um ano para execução) que dependiam apenas de você, você já concluiu na vida? Pergunto isso por saber que os Millennials sequer acham que tem um problema com autogestão, organização e planejamento – mas a maioria tem.

“Mas Sally, tudo isso que você está narrando são traços de personalidade, ou você tem, ou você não tem”. Não, querido Millennial, tudo isso são construções. Você pode não ter, mas trabalhar e construir. Não é rápido, não é imediato, não é online, mas pode ser desenvolvido sim, e, se você o fizer, vai te ajudar muito no mercado de trabalho. Inclusive temos vários textos no Desfavor que podem te ajudar.

Esta mudança não é um adestramento, como se fossem focas com bolas no nariz. Ela é de dentro para fora. Menos foco em mudar o mundo, mais foco em mudar a sua vida. “Mas Sally, qual o problema em querer melhorar o mundo?”. São basicamente dois grandes problemas: o primeiro é que seus recursos pessoais (energia, disponibilidade, força de trabalho etc.) são limitados, ou seja, se seu foco for mudar o mundo não vai sobrar muito para melhorar você e a sua vida. O segundo é que não se muda o mundo assim.

Hora de revisitar alguns conceitos. Ser ambicioso não necessariamente é sinônimo de ser um crápula que pisa nos colegas. Ser proativo significa de fato fazer algo, não ter muitas ideias. Ideias boas todo mundo tem alguma vez na vida, o grande diferencial é conseguir executá-las. Execução é a palavra-chave.

E execução pressupõe erros, e está tudo bem em errar, desde que não seja de forma irresponsável e nociva a terceiros. Alguns aprendizados não podem ser conseguidos na teoria, apenas na prática, através de erros. O problema não é errar, é errar e não aprender com seus erros. É cair e não conseguir levantar. A época do troféu por participar acabou. Agora é vida real.

Chega se serem conhecidos como geração mimizenta, ou, como são chamados oficialmente, “a geração deprimida” (que engloba os Millennials e a Geração Z, os maiores consumidores de tarja preta do Brasil). Qualquer um que coloque seu foco em mudar o mundo e em construir um mundo mais justo vai se deprimir. O mundo se muda pelo exemplo. Seja a mudança que você quer ver no mundo e você terá contribuído com o grão de areia que pode contribuir, mais do que isso é utopia – e um convite à depressão e à estagnação.

Conectem-se com pessoas. De verdade. Ao vivo. Olho no olho, sem migrar a atenção para telas ou eletrônicos. Não falo de conversar ou jantar com alguém, realmente conectem-se. Criem laços, cumplicidade, projetos. Criem relações significativas, mesmo que são sejam amorosas. Tenham parceiros para vida, pessoas que, não importa o que, vocês sabem que podem contar. Conexões verdadeiras, profundas, sólidas, que te permitam conhecer melhor o outro e se conhecer no processo. Não criar conexões verdadeiras e profundas é um estopim para ansiedade social e depressão.

Hora de colocar o pé no chão, ser mais racional, concreto, objetivo, executor e resistente. Hora de reagir, Millennials. Até a Geração Z está com vergonha de vocês e fazendo piada. A Geração Z, aquela que protagonizou vários vídeos chorando feito bebês quando informados que teriam que fazer hora-extra. Sem condições, não? Continuem assim e vamos pular uma geração no poder, o poder vai passar da X para a Z.

Potencial vocês têm, Millennials, o que falta é casca, é couraça para não se abalar tanto com a vida e pé no chão, foco, concentração e racionalidade. A boa notícia é: tudo isso pode ser conseguido por vocês mesmos, sem depender do ensinamento de ninguém.

É só se desconectarem um pouco e viver a vida real. Cair, levantar. Ouvir críticas e aprender a não se importar com o que estranhos dizem. Esquecer um pouco o mundo e focar nas suas vidas (não, isso não é egoísmo, é a única forma de melhorar o mundo: melhorando você). Hora de virarem adultos, e não crianças grandes que tem seu próprio apartamento.

E, por último, aproveitem os anos de convivência com a Geração X que ainda lhes sobra, vocês podem aprender muito com ela. Acreditem, as coisas importantes vocês não aprendem online.

Eu realmente torço pelos Millennials, espero que eles consigam essa volta por cima.

Para dizer que eu sou velha (fica à vontade), para dizer que estamos com a última geração responsável ao volante ou ainda para dizer “Malditos Millennials!”: sally@desfavor.com

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comportamento, millenials, sociedade

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