Todos queremos o mesmo.

Outro dia me perguntaram qual é o critério para a gente responder de forma ríspida, de forma normal ou ignorar os comentários aqui do Desfavor e isso me fez refletir. Queria compartilhar esse critério com vocês, pois acredito que ele possa ser útil e aplicável para o dia a dia de algumas pessoas.

Em tempos de polarização extrema, nos quais quem discorda de você tende a ser colocado como inimigo, é muito fácil a gente entrar nesse modo defensivo/combativo e desferir um revide, uma agressão, uma patada quase que automática. O entorno nos afeta, querendo ou não. Então, como fazer para não ser sugado por essa espiral de raiva e agressividade? Como saber a melhor forma de responder?

Meu critério para a vida (e isso inclui o Desfavor) é observar quais eram as intenções do interlocutor. Bora explicar melhor.

Vamos usar como exemplo o tema mais polarizado da atualidade: política. Eu sinceramente acredito que eleitores de todos os lados querem, em essência, a mesma coisa: um país melhor, um país mais seguro, um país com mais oportunidades, um país decente para se morar.

Eu não acredito que alguém se dê ao trabalho de ir até a urna pensando “vou votar nesse aqui, que vai tirar um monte de emprego, que vai tornar o país mais violento e com mais homicídios, que vai piorar a vida de todo mundo”. Por mais “errado” que a pessoa vote, quando ela vota por convicção íntima, ela deve acreditar que aquele candidato é o melhor.

Nem sempre é. A pessoa pode votar na melhor das intenções e na maior das convicções de que é o melhor candidato e esse político piora o país absurdamente quando assume o poder. Mas, isso quer dizer que a pessoa se enganou, não que a pessoa deliberadamente desejava o mal para o país.

E sim, a pessoa pode continuar se enganando por anos, sem ver os erros do seu político de estimação, pelos mais diferentes motivos. Isso quer dizer que ela quer o mal para seu país? Não. Isso quer dizer que a pessoa está com problemas para ver a verdade. Atribua esses problemas a o que você quiser, isso não muda o fato de que a pessoa não está tentando causar um mal deliberado. Ela ainda acredita que está fazendo o melhor.

Talvez para alguns tudo que eu disse até aqui seja uma obviedade, mas, no dia a dia, com discurso de ódio jorrando pelos poros de todos que nos cercam, isso pode ser esquecido.

Já vi muita gente boa dizendo que determinadas pessoas que votam em certos políticos querem “acabar com o país”. Não, não querem, assim como você, essas pessoas estão fazendo o seu melhor e votando em quem elas acham que será melhor. Provavelmente elas pensam o mesmo de você. E enquanto for assim, o Brasil terá políticos unidos e um povo desunido, uma mistura desastrosa. Acredite: por mais que não pareça, em essência, queremos todos o mesmo. E as pessoas estão fazendo o seu melhor.

O melhor de algumas pessoas é uma grande bosta? Sim, mas, ainda assim, a intenção não é sacanear ninguém nem destruir o país. Dificilmente alguém que está no mesmo barco que você vai fazer um furo no chão do barco de forma voluntária e consciente.

Lógico que tem os que não estão no mesmo barco que você. Gente que não vota por convicção íntima e sim em troca de favores, suborno ou interesses pessoais (“vou votar no Fulano pois ele é a minha maior chance que aumentem meu salário”). Gente que não exerce o voto como deveria.

A essa pessoa sim pode se imputar uma escolha que causa um dano ao país, direto ou indireto. Quando se exerce o direito de voto, ele deve ser pensado para eleger o melhor para o país, para todos, não para interesses pessoais. Quando a pessoa coloca interesses pessoais acima do bem-estar da coletividade, aí sim ela está causando um dano social.

Mas, como regra, as pessoas tendem a votar em busca do que elas acham melhor – não importa quão merda seja o que elas acham melhor. A intenção é boa, por mais burra, cega, limitada ou errada que a pessoa nos pareça. Provavelmente nós parecemos igualmente burros, cegos e limitados para ela. Para essas pessoas, não adianta agressão, polarização, ataque ou qualquer hostilidade. É contraproducente e até covarde.

Quando a pessoa faz o que ela acha ser melhor para o país e alguém a ataca, a sensação que desperta é: essa pessoa que está me atacando não quer que o país melhore. Se cria uma dinâmica na qual ambos os lados partem da premissa de que o outro quer destruir o país, e isso gera raiva, ressentimento e muita agressão (física ou verbal).

E isso já está começando a se estabelecer no inconsciente coletivo, de forma automática, na forma de pensar, nas premissas das quais partem os diálogos: se pensa diferente do que eu penso, quer destruir o país (ou meu bairro, ou meu prédio ou o que for). Quem pensa diferente é catalogado como ameaça e qualquer interação que parta dessa premissa será improdutiva e até nociva.

Ainda dá tempo de respirar fundo e corrigir. Não os outros, mas a nós mesmos.

Se conseguirmos ver que a outra pessoa, assim como a gente, quer o melhor, podemos tomar novos caminhos para interagir com ela. Eu, particularmente, costumo adotar dois: se acredito que a pessoa está aberta o suficiente para escutar e refletir, exponho meu ponto de vista, se não, não respondo e permito que ela exerça seu sagrado direito de discordar de mim.

Claro que estamos falando de opiniões, que são subjetivas, portanto, cada um pode ter a sua. Quando falamos de fatos, dados, informações objetivas e a pessoa cospe algo errado, qualquer um tem todo o direito de corrigir. Mas, quando é uma convicção pessoal, por pior que seja, não é a melhor opção atacar o outro acusando-o de querer o mal, pois isso quase nunca é verdade.

Em um mundo ideal, livre de estresse e cheio de paciência, o perfeito seria dialogar com as pessoas que acreditamos estarem causando algum mal mesmo achando que estão fazendo o bem, pois mesmo que elas não estejam abertas a entender ou escutar nossa opinião naquele momento, talvez o que seja dito plante alguma semente que possa germinar no futuro. No mundo real, eu sinceramente, prefiro ignorar, pois nosso tempo e recursos são limitados e eu escolho minhas batalhas.

Então, a sugestão que eu dou é que, antes de sentir raiva e hostilizar alguém, você se pergunte se essa pessoa efetivamente pretende um resultado negativo com esse posicionamento que ela tomou. A pessoa conscientemente quer que algo ruim aconteça? Ou ela apenas está cometendo um erro de julgamento que vai levar a um resultado ruim que ela não consegue prever?

“Mas Sally, era presumível que a escolha da pessoa causaria um dano”. Para quem? Talvez para você. Nem todo mundo tem a sua capacidade de ver além, de juntar evidências, de perceber padrões e de antever problemas. Talvez a pessoa não tenha.

Talvez a pessoa realmente acredite que está fazendo a melhor escolha para a coletividade. As pessoas têm o sagrado direito de serem burras. Um burro hostilizado não aprende, ele se sente atacado, se fecha, vê o outro como ameaça, como inimigo.

Pelos atos, pelo discurso e até pelas escolhas de vida a gente consegue saber quem está querendo causar um dano deliberado, criar caos, gerar dor ou quem está apenas fazendo uma escolha muito idiota e muito infeliz. E essas pessoas não deveriam ser tratadas da mesma forma.

“Mas Sally, a burrice alheia me prejudica”. A todos nós. Mas você não vai melhorar em nada a situação hostilizando a pessoa, muito pelo contrário, uma pessoa acuada de agarra às suas crenças e vai procurar diálogo, conforto, acolhimento em quem ela não vê como uma ameaça, ou seja, nos demais de sua bolha que pensam como ela, reforçando suas escolhas erradas.

Se quem pensa diferente a ataca, então é sinal de que quem pensa diferente é uma ameaça, é malvado, predador e inimigo. Isso impede que algum dia essa pessoa mude de posicionamento, pois ela sente que não será acolhida do outro lado. E as pessoas não são tão idiotas quanto a gente pense: não adianta passar quatro anos escrotizando alguém e depois chamar para comer bolinho. Não cola.

Então, tentem observar sempre quais são as intenções da pessoa. Existem grandes chances de que, em essência, ela queira o mesmo que você e apenas tenha escolhido um caminho diferente que, na sua percepção, não levará a esse objetivo.

Não digo que vamos acertar 100% das vezes quem efetivamente está fazendo o que acha melhor de um filho da puta que só quer que o mundo se torne esse caos escroto no qual ele já vive (o pessoal do fundo do poço está sempre tentando arrumar companhia, deve ser muito solitário lá). Mas seria um bom começo começar a exercitar isso.

Primeiro entendendo que, na maior parte das vezes, todo mundo quer a mesma coisa, divergimos apenas no “como”. Como chegar lá, qual o melhor caminho, como fazer. E o fato de a pessoa acreditar em um caminho diferente não a torna má, nem filha da puta, nem escrota. As pessoas têm que ter o sagrado direito de discordar da gente na condução de assuntos de interesse público.

Segundo, entendendo que, já que a pessoa quer o melhor desfecho possível, atacá-la seria injusto e improdutivo. Você não é obrigado a aturar a falta de discernimento alheia nem a elucidar nada a ninguém, pode simplesmente ignorar a pessoa se não quiser discutir o assunto. O que não pode é atacar e impor seu ponto de vista como o correto. Hora de deixar as pessoas em paz, as pessoas têm o sagrado direito de discordar, serem burras ou idiotas. Democracia foi criada para isso, como critério para definir o que vale: a vontade da maioria.

Se você discorda da vontade da maioria, não adianta chutar a maioria. Vá para algum lugar no qual você se identifique com a maioria ou converse com a maioria e exponha seu ponto de vista de forma pacífica e civilizada para quem sabe, fazê-los mudar de ideia.

Intenções importam. Não trate da mesma forma quem é bem-intencionado (ainda que você acredite que a pessoa possa causar dano) do que quem está mal-intencionado, determinado a causar um dano de forma proposital e consciente.

É assim que eu me conduzo na vida real e no Desfavor, inclusive nos comentários: se a intenção da pessoa é ruim (ofender, tumultuar, canalizar suas frustrações ou problemas de saúde mental para estranhos etc.) pode ser que eu dê um cutucão de volta ou nem aprove o comentário, mas, se a pessoa aparece com falas muito erradas, porém com visíveis boas intenções, tento mostrar meu ponto de vista.

A gente acerta sempre? Não. Muitas vezes erramos ao interpretar as intenções de uma pessoa. Porém é um ótimo começo que qualquer interação parta dessa premissa de não tratar da mesma forma quem é bem-intencionado é quem é mal-intencionado. Dica: observe se a pessoa sairá ganhando ou perdendo com a situação. Se ela sairá perdendo, é bem provável que não esteja agindo de má-fé e sim por um equívoco.

Se serviu, pega para você. Se não serviu, volta amanhã que tem outro texto.

Para dizer que é mais fácil continuar vendo o outro como inimigo, para dizer que se o outro não for inimigo você não é herói ou ainda para dizer que prefere não interagir com outros seres humanos: comente.

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Comments (2)

  • O que faz com que discussões valham a pena é tratar quem está discutindo com você como um aliado contra o problema em questão. Quando tratamos o outro como inimigo, é mesmo inevitável que a discussão se torne uma briga.

    Excelente texto, Sally. A maioria das pessoas de fato parece querer o melhor, e tratar pessoas bem intencionadas como inimigas só piora os problemas.

    • Seria tão bom se todo mundo percebesse que, em essência, queremos o mesmo e só discordamos do caminho… isso tiraria o outro da posição de inimigo.

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