Anedonia.

Esta semana alguns estudos sobre o tema trouxeram o assunto aos grandes portais de notícias e, na nossa opinião, ele não foi abordado da melhor forma possível, por isso, na cara de pau, vamos reescrever por cima de quase tudo que foi dito. Desfavor Explica: Anedonia.

Você vai encontrar muitas definições para Anedonia: “incapacidade de sentir prazer”, “perda da satisfação ou interesse em realizar atividades que antes eram consideradas divertidas”, “uma modalidade de um quadro depressivo” e vários outros. Porém, nenhum traduz com precisão o sentimento e, em alguns casos, podem até induzir ao erro.

É muito simplório dizer que Anedonia é a incapacidade de sentir prazer. Existem diferentes graus de Anedonia e nem sempre a pessoa para por completo de sentir qualquer prazer. Uma redução significativa do prazer nas atividades já basta para que ela se caracterize.

Também é impreciso dizer que Anedonia é a perda de satisfação ou interesse em atividades que antes eram consideradas divertidas, pois as pessoas têm o sagrado direito de evoluir e não achar mais graça no que faziam antes. Então, se você adorava ir a um show com meio milhão de pessoas + banheiro químico e não gosta mais, não é Anedonia, é maturidade, higiene e autorrespeito.

O problema surge quando a pessoa não consegue sentir prazer, interesse, satisfação ou bem-estar em nenhuma atividade saudável, apenas nas que são utilizadas como mero anestésico.

Então, nem sempre é sobre a atividade em si e sim sobre o uso que se faz dela. Ficar jogando jogos eletrônicos por 12h, imerso em uma realidade paralela, por exemplo, não é um prazer saudável, é apenas uma alienação, uma anestesia. Passar boa parte do seu dia vendo pornografia não é um prazer saudável, é uma alienação, uma anestesia. Nada que isole ou anestesie é saudável e, ainda que desperte algum pretenso prazer, não excluí a presença da Anedonia.

Vincular o problema a depressão é outro engano muito comum. Anedonia não é exclusividade de depressão. Ela pode aparecer na presença de outras doenças, como esquizofrenia, Parkinson ou até anorexia, mas também pode aparecer em função de algum problema na produção de dopamina, estresse pós-traumático ou em função do uso de drogas, lícitas ou ilícitas (por exemplo, antidepressivos ou antibióticos).

Até o presente momento, se trata a Anedonia não como uma doença e sim como um sintoma. Portanto, toda Anedonia vem de algum lugar, tem alguma causa. Sendo assim, não basta tratar ou olhar para a Anedonia, também é preciso descobrir de onde ela vem. E é aqui que muita gente erra, pois a tendência é presumir que ela venha de uma doença e, como vimos, nem sempre isso é verdade.

Alguns estudos recentes apontam que boa parte da juventude (as duas últimas gerações) estão sofrendo mais com Anedonia do que as gerações anteriores e há grande dificuldade em determinar de onde isso vem. Em uma análise mais superficial, é creditado a algum tipo de depressão leve, porém, as opiniões mais alinhadas conosco, ou seja, pessoas que levam a ciência a sério e pesquisam e profundidade, apostam que seja uma consequência da forma como estas novas gerações lidam com a vida e o que isso faz com sua dopamina.

Temos um texto específico sobre isso e a leitura dele vai te ajudar a entender melhor como bagunçar com a dopamina pode ter sérias consequências para o corpo e para a saúde mental. Se quiser saber um pouco mais e entender um pouco melhor a questão, o texto está aqui.

Na maior parte dos casos, a Anedonia não é incapacitante, isto é, a pessoa consegue continuar levando uma vida normal. E geralmente as pessoas que estão à sua volta sequer percebem o que está acontecendo. Então, não se deve excluir a possibilidade pelo fato de a pessoa estar trabalhando, cuidando da família e cumprindo suas obrigações. O diagnóstico se dá olhando para o interno, não para o externo.

Anedonia não é tristeza. São duas coisas diferentes. Não encontrar graça, encanto, motivação ou prazer em algo não significa que você está triste, significa que você está indiferente. Nada impede que ambos coexistam, ou que a Anedonia cause tristeza, mas é preciso se observar bem para entender o que é o que.

Anedonia não é apatia. Apatia é uma redução da excitabilidade emocional, ou, em bom português, você não sente nada, nem alegria, nem tristeza, nem raiva… nada. Na Anedonia você só não sente o prazer em fazer algo.

Sim, confuso, subjetivo e abstrato demais, eu sei. É por isso que estamos aqui. Então, como saber se a pessoa pode estar experimentando Anedonia?

O principal sintoma é que a vida fica “sem graça”. A pessoa não tem vontade, prazer ou motivação em fazer nada. A vida fica um grande “tanto faz”. Nada empolga a pessoa, nada desperta seu interesse, a menos que sejam atividades que ajudem a promover uma anestesia e desligamento da realidade. Há uma sensação de falta de propósito, de desmotivação e a pessoa sente um grande desinteresse por tudo.

Mas, como geralmente isso ocorre de forma gradual, pode acontecer de nem a própria pessoa compreender bem esta mudança e só perceber quando a vida estiver completamente desinteressante e nada a atrair, lhe despertar interesse ou gerar prazer. Isso pode gerar a falsa sensação que foi “de um dia para o outro”, quando na verdade, é um processo que acontece gradualmente.

Pode ser facilmente confundida por terceiros observadores como uma falta de motivação, desinteresse (pela família, pelo trabalho, pelo casamento) ou até com preguiça. Muito cuidado antes de reclamar ou cobrar algo de alguém.

Pode ser confundida até pela própria pessoa que a experiencia, o que só piora o quadro, já que a pessoa não compreende a razão pela qual se sente assim, se culpa e faz um esforço enorme para mudar sem sucesso. Anedonia, assim como qualquer outro problema bioquímico do corpo, uma vez instaurada e consolidada, não se resolve com força de vontade, palestra motivacional ou livro de autoajuda e sim com tratamento. Não se cobre isso. Não se sinta um merda se não conseguir reverter o quadro sozinho.

Além desse sintoma de perda de prazer/interesse, a pessoa também pode apresentar outros sintomas, como dificuldade de concentração, alterações no sono (insônia ou sono excessivo) e diminuição ou perda de libido. Então, é preciso estar atento ao próprio corpo e ao próprio humor.

Há quem divida a Anedonia em duas categorias: Social e Física.

Na Social, a pessoa apresenta um profundo desinteresse por contato social de qualquer espécie, não apenas sair ou ir a festas. Coisas comuns como conversar com amigos, interagir com outras pessoas e até conviver com familiares não geram qualquer prazer ou alegria. Não importa se é contato com o vizinho ou com Papa, se é ao vivo ou por telefone, nada gera um retorno positivo.

Na Física, a restrição ocorre nos chamados “prazeres táteis”, ou sejam aqueles obtidos através do corpo. Não estamos falando apenas de sexo, mas também de qualquer atividade envolvendo toque (como por exemplo, massagem), comer e qualquer outra que dependa dos sentidos corporais para ser desfrutada.

É importante lembrar que só é Anedonia se não houver uma causa que justifique esse estado. Seu filho morreu no mês passado? É mais do que justificado que você não queira fazer nada, que nada te interesse ou te dê prazer. Todos nós passamos por alguma fase difícil na vida na qual é indicado algum recolhimento, na qual não encontramos mais prazer em atividades que antes gostávamos, na qual precisamos curar as feridas.

E não existe uma escala de eventos mais ou menos importantes. Seu cachorro morreu? Perdeu o emprego? Seu casamento afundou? Descobriu uma traição? Não importa o evento em si e sim como ele impactou a sua vida.

Se ocorreu um evento de grande impacto, que abalou profundamente a sua vida, é preciso esperar um pouco antes de sair decretando algum distúrbio. O normal de pessoas enlutadas (e luto não é apenas sobre morte, é sobre perda) é diferente do normal na vida de quem não aconteceu nada.

Meu conselho é: estipule um prazo para se observar e avaliar se existe melhora ou progresso. Como eu já disse aqui dezenas de vezes: sofrimento é um vale que deve ser atravessado, ainda que muito lentamente. Se você montou acampamento e ficou lá, é hora de procurar ajuda.

Como saber? Se observando. É preciso ver alguma melhora, por menor que seja, com o passar do tempo. Faça um diário. Não precisa escrever como se sente, basta colocar um número: escreva diariamente, numa escala de 0 a 10, a quantidade de dor emocional e sofrimento que você está sentindo, e depois de alguns meses observe. Se não houver progresso, vale a pena pensar em procurar ajuda.

Dependendo do grau de Anedonia, o tratamento pode ser feito apenas com terapia (e terapia, por gentileza, é com um profissional em psicologia que tenha diploma universitário) ou com terapia e acompanhamento psiquiátrico, com alguma medicação (psicólogo não pode prescrever medicamentos, apenas psiquiatra).

Porém, existem mudanças no estilo de vida que podem ser implementadas pela pessoa que também ajudam a melhorar o quadro.

Uma boa alimentação ajuda muito. E não estamos falando de fazer dieta para emagrecer e sim de comer saudável, ou seja, ingerir produtos que não foram processados pelo ser humano (nada em pacote, em lata ou congelado) fazendo várias pequenas refeições por dia, evitando fritura, gordura, muito açúcar ou muito sal.

Atividade física regular ajuda muito. Não precisa ser marombeiro nem atleta, basta colocar o corpo em movimento quatro a cinco vezes por semana por pelo menos 40 minutos, nem que seja apenas com uma caminhada. O importante é que o exercício seja ininterrupto (andar em um shopping parando para ver vitrine não conta como exercício). E é preciso manter a constância: tente nunca ficar mais de 48h sem se exercitar.

Sono de qualidade ajuda muito. Dormir a quantidade de horas necessárias para despertar voluntariamente sem sentir sonolência (normalmente são necessárias em média 8 horas de sono) e dormir um sono reparador, ou seja, sem interrupções, com um ambiente adequado (escuro, silencioso e termicamente confortável). Ter uma rotina de sono (dormir e acordar todos os dias mais ou menos no mesmo horário) também é fundamental.

Cuidar da sua mente ajuda muito. Pode ser com técnicas de relaxamento, pode ser com meditação, pode ser da forma que gere conforto e paz. Acalmar a mente, descartar pensamentos tóxicos que gerem sofrimento e ansiedade, ter um momento de recolhimento e autocuidado fazem a diferença.

Então, qual é o caminho que uma pessoa deve fazer se suspeitar que tem sinais de Anedonia?

Temos dois caminhos aqui. Anedonia severa, aquela que atrapalha sua vida, te deixa muito triste ou muito infeliz requer intervenção de profissionais. Primeiro psicólogo e, se ele entender necessário, também com um psiquiatra. Terapia ou terapia + medicação vão te ajudar a sair dessa. Nunca medicação pura, já que se você não mudar sua mente, o problema continuará e a medicação será uma eterna muleta.

Se for uma Anedonia leve, que ainda não gera prejuízos para a sua vida, é possível trilhar um caminho diferente. Primeira providência é revisar a forma como se lida com dopamina (sinto muito, mas vocês terão que ler o outro texto, é muito extenso para explicar aqui) e corrigir o que estiver nocivo. Segunda providência é adotar as dicas que demos neste texto para melhorar o quadro (sono, alimentação, atividade física etc.).

Terceira providência é se observar, se possível fazer um diário mensurando seu processo. Estipule um prazo razoável: algo entre três e seis meses. O diário é importante pois muitas vezes não temos discernimento para fazer uma avaliação global de um período de tempo tão longo. É comum que a pessoa tenha uma percepção equivocada, norteada por seus desejos ou por seus medos e perceba melhora onde não existe ou não perceba melhora onde ela existe.

Se, passado esse prazo você olhou seu diário de controle e percebeu que não melhorou, eu te recomendo procurar um médico, pode ser um clínico geral, para fazer um check up e descartar causas físicas. Existem alguns pequenos problemas (como a falta de uma vitamina ou algum descompensamento de tireoide) que podem gerar uma sensação que pode ser confundida com Anedonia.

Por fim, se depois de tudo isso o problema persistir, aí sim, psicólogo e, se necessário, psiquiatra também para prescrever medicação. Existem bons psicólogos que atendem de forma gratuita em boas universidades (é requisito para sua formação) ou por valores simbólicos.

E, vamos falar a verdade aqui, terapia não é um processo de algumas semanas, é um processo de anos. A mente que criou o problema não pode solucioná-lo, portanto, só quando sua mente estiver completamente diferente do que está hoje é que a coisa vai se resolver.

“Mas Sally, quer dizer que eu não posso ser eu mesmo?”. Não, não quer dizer isso. Você não é sua mente, você é muito mais do que isso. Sua mente pode estar te levando para sistemas de pensamento, crenças ou até estilos de vida que não estão te fazendo bem. O que você é, em essência, continua. O que vai mudar é a forma como você vive sua vida, algumas escolhas e rotinas.

É muito comum que pessoas que experienciam Anedonia acreditem que todo mundo se sente assim, que isso é viver, ou que esta é uma condição permanente e que, para o resto da sua vida se sentirão assim. Isso não é verdade, o quadro é reversível.

Sim, você vai voltar a sentir prazer em fazer as coisas se fizer o tratamento correto e uma reeducação emocional e de hábitos na sua vida. Portanto, nada de se entregar, é perfeitamente possível voltar a se sentir como antes. A vida está difícil? Está sem graça? Está em preto e branco? Não precisa ser assim. Procure ajuda.

Para dizer que tudo isso é falta de problema na vida (a língua é o chicote do rabo, cuidado com o que fala!), para dizer que é apenas saudável que quem viva no Brasil sofra de Anedonia ou ainda para dizer que não aguenta mais textos sérios: sally@desfavor.com

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