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Desilusão.

“Desilusão”, Uma palavra carregada de significado negativo: desapontamento, frustração e até tristeza orbitam em torno dela. Será que estamos encarando qualquer situação que provoque desilusão da forma certa?

Ilusão é definida pelo dicionário como “o engano dos sentidos ou da mente, que faz com que se interprete erroneamente um fato ou uma sensação”. Portanto, ilusão não é algo muito saudável, é um erro, um equívoco, que nos leva a falsas expectativas que nunca se concretizam.

Des-iludir. Tirar a ilusão. É mesmo tão ruim assim acabar com uma ilusão que, em última instância, é uma inverdade, algo que não é real, uma mentira? Em que ponto se liberar de uma ilusão virou motivo de choro, esperneio e inconformismo?

Eu mesma respondo: em um cenário (do qual eu também participo, só para constar) no qual as pessoas atribuem importância demais às suas mentes, ao seu querer e a si mesmas. Em um cenário de arrogância no qual achamos que o desfecho que nós queremos é o melhor, é o único bom ou é o mais correto.

Esta semana li que o contrário de ilusão não é desilusão, o contrário de ilusão é a verdade, desilusão seria o nome dado ao luto que vivemos quando somos confrontados com essa verdade. Fez sentido para mim.

Seu parceiro te traiu? Sua empresa te preteriu em uma promoção? Seu amigo se portou de forma desleal com você? Não importa qual seja o cenário de desilusão, você tem duas opções: espernear por a coisa não ter evoluído como você queria/planejou OU ficar feliz pela verdade ter vindo à tona e fazer uma revisão mental sobre os motivos que te levaram a criar uma ilusão, para que isso não se repita.

A maior parte das pessoas escolhe o esperneio. Eu mesma ainda me pego esperneando às vezes. É um caminho doloroso, improdutivo e humilhante. Não sejamos a pessoa do esperneio.

“Mas Sally, eu não me iludi, a pessoa é que me iludiu pois mentiu para mim”. Nós sempre nos iludimos, tem sempre uma parte nossa nesse processo. Se você não comprar a ideia, se você não alimenta expectativas, se você não esperneia quando um desfecho diferente do que você queria aconteça, não há ilusão, não importa o que o outro diga. Em alguma etapa do processo você decretou que aquele resultado era o único que servia para você, e isso é ilusão.

Então, a primeira coisa que temos que ter consciência é: por mais que exista a participação de terceiros, nós sempre somos responsáveis por nossas ilusões. Em um mundo mais saudável, não criaríamos expectativas, viveríamos abertos às possibilidades que se apresentassem, lidando com o que chega cientes de que ali existe um aprendizado necessário a ser vivido.

“Quer dizer então que eu não tenho que trabalhar, nem pagar minhas contas, nem que me planejar, devo ficar nas mãos do acaso?”. Não, Pessoa Quer Dizer, não é isso. Se planejar é ótimo. Quem planeja tem futuro, quem não planeja tem destino. Planos ainda são necessários no mundo em que vivemos. O ponto é: a forma como se planeja, a mentalidade.

Se eu faço planos para o que acredito que seja o melhor para mim desde um lugar de consciência e segurança, não vou desmoronar nem espernear se estes planos não forem cumpridos e minha vida tomar outra direção. Vou saber aproveitar o que quer que venha, no mínimo, como aprendizado. Vou saber que, como não sou onisciente, pode ser que no final das contas esse desfecho diferente se mostre inclusive melhor do que eu queria. Vou saber que um plano é apenas isso: um plano, que pode ou não acontecer.

Porém, se eu faço planos para o que eu acredito que seja o melhor para mim desde um lugar de controle e medo, fatalmente vou surtar se a vida sair uma linha do meu script. Ilusão de controle que chama. A gente adora acreditar que sabe tudo, que tem controle de tudo, nos faz sentir seguros, mas a verdade é que sabemos muito pouco e não temos o controle de nada. E quanto antes aceitarmos isso, menos vamos sofrer.

Acredito que também exista um componente de frustração com a própria vida envolvendo ilusões. Quando a vida não está como se gostaria, nem todos tem a autoestima suficiente para saber que sim, dá para arregaçar as mangas e promover quantas mudanças sejam necessárias. Muita gente cai para o mundo das ilusões, por ser mais fácil: “quando a gente casar ele vai mudar”, “um filho vai salvar meu casamento”, “se eu ficar rico vou conseguir muita mulher”, etc.

Seria melhor trocar de parceiro, arrumar o relacionamento antes de ter filho ou entender os motivos pelos quais as mulheres te rejeitam antes de cair em ilusões. Você não sabe nada, João da Neve. Você acha que sabe a razão pela qual seu planejamento não se concretizou, mas você não sabe nada. Desapega tanto do desfecho pretendido, como dos motivos pelos quais ele não aconteceu.

Mas aí entra o fato apego: somos muito apegados a nossos pensamentos, a nossos projetos, a nossas certezas. Como falamos no texto da semana passada, muitas pessoas confundem seu status social, seus projetos, sua carreira e vários outros fatores externos com o que são, tornando mais difícil abrir mão deles, pelo medo de perder sua identidade.

Muitas vezes pessoas acalentam ilusões a ponto de criar um apego a elas, tornando-as quase que como um membro da família ou até mesmo um filho. É um efeito bola de neve: quanto mais se alimenta uma ilusão, maior ela fica e mais difícil se torna abrir mão dela – ou sequer perceber que ela é uma ilusão.

É preciso um trabalho mental de muita consciência e sutilização para perceber o que é realmente você, a sua essência e o que são ilusões que você cria. Também é preciso realizar o mesmo trabalho mental para, gradualmente, ir aceitando que quando o desfecho que você esperava não acontece, não é motivo de tristeza, frustração e muito menos de choro e esperneio. A vida, meus queridos, não consiste em uma sequência de eventos que planejamos. Muito pelo contrário, a regra é a impermanência, o imprevisível, a surpresa. E que bom que é assim, pois nós, seres humanos, não somos propriamente conhecidos por fazer boas escolhas. Que bom que nossos desejos nem sempre se realizam.

Pensa aqui comigo, faz uma retrospectiva voltando no tempo desde o dia em que você se tornou uma cabeça pensante e me diz: o que teria sido da sua vida se tudo que você queria tivesse acontecido? Se o desfecho desejado por você sempre se concretizasse? A maior parte de nós estaria em uma relação bosta, com uma pessoa bosta e com a vida repleta de prioridades bosta.

“Mas Sally, naquela época eu era um idiota, hoje eu sei o que quero”. Em cinco anos você vai dizer esta mesma frase sobre o você de hoje. E em dez, E em quinze. E é muito saudável que seja assim, pois é sinal de que você está evoluindo. O seu “eu” de dez anos mais para frente tem que achar o seu “eu” de hoje um idiota insuficiente.

Entenda, por mais que você evolua muito, você nunca será onisciente. Você terá o seu ponto de vista sobre uma situação que, por mais apurado e inteligente que seja, nunca levará em consideração centenas de outros fatores no entorno dos quais você não está ciente. Então, por mais que você evolua muito como ser humano, você nunca será plenamente capaz de bater o martelo e determinar se um determinado desfecho é o melhor para você. Repito: você não sabe nada, João da Neve.

Então, será que faz realmente sentido atribuir um significado negativo a uma desilusão? Além de não termos a visão da “big picture” que nos permitiria determinar se um desfecho é bom ou ruim, não deveríamos também ser gratos pela exposição à verdade, impedindo que se perca mais e mais tempo e energia com uma ilusão?

Ainda na mesma linha de raciocínio: parece razoável que nosso aborrecimento infantil pelas coisas não terem saído do nosso jeito se sobreponha à dádiva que é ter conseguido escapar de uma ilusão que nos fazia perder tempo? Acredito que ajustar nossas expectativas e recalcular a rota sejam um preço pequeno por nos livrar de uma ilusão que nos fazia perder tempo e energia em um beco sem saída.

Só para a gente tentar dimensionar o absurdo de uma situação que infelizmente foi normalizada, vamos migrar todo esse subjetivismo para o campo do concreto com uma hipótese corriqueira: imagine que você está andando na rua, passa por um pomar, vê uma laranja, e decide pegar uma e comer. Você está feliz, você adora laranja, você está imaginando quão delicioso será o sabor dela na sua boca.

Agora imagine que, na hora em que você vai colocar a laranja na boca para dar a primeira mordida, alguém toma a fruta da sua mão e te impede de comê-la explicando que não é uma laranja e sim outra fruta que, apesar de parecida com a laranja, é altamente venenosa. Qual seria a reação adequada?

Acredito eu que a reação adequada seria sentir um grande alívio por não ter ingerido uma fruta venenosa não? Agradecer que aquela pessoa justamente passou ali naquele exato momento e evitou que você coma algo venenoso.

É isso o que acontece na maior parte do tempo? Não.

A reação que normalmente vemos é a pessoa chorar, gritar e se descabelar por aquilo não ser uma laranja, ignorando todo o sofrimento que ela se poupou ao perceber que não era a fruta desejada antes de comê-la.

Não raro as pessoas ainda teimam que sim, é uma laranja e o transeunte que te advertiu está com inveja, pois ele não tem uma laranja e comem mesmo assim. O transeunte na verdade te odeia e quer destruir a sua vida, o mundo está cheio de gente ruim. A culpa é dele, do transeunte, que você não tenha a sua laranja.

Tem também quem faça um drama, dizendo o quanto queriam uma laranja e passe muito tempo falando sobre o quanto não é justo que não seja uma laranja. E, quando você tenta acalmar a pessoa dizendo que não precisa disso tudo, pois existem muitas laranjas no mundo, a pessoa dá um piti dizendo que queria AQUELA laranja ou que vai ser muito difícil de conseguir outra laranja. Algumas pessoas ficam até deprimidas por não ser uma laranja.

A má notícia é: todos nós fazemos isso, em menor ou maior escala. Todos nós faniquitamos por uma laranja quando o ponto principal é ter sido salvo de um envenenamento. Hora de mudar essa forma merda de pensar, não é mesmo?

Da próxima vez que tiver uma desilusão, lembre-se deste texto e tenha em mente que, quando você sentir uma desilusão, você está em uma estrada com uma bifurcação: de um lado a ladainha de chorar, se sentir vítima, culpar terceiros e olhar para o que está faltando (“eu queria que fosse uma laranja, eu mereço uma laranja!”) e do outro a maravilhosa sensação de ser muito afortunado por ter sido salvo de um envenenamento. Qual dos dois caminhos te parece mais lógico e agradável?

“Mas Sally, não é o meu caso, pois eu me desiludi depois de me ferrar muito, portanto, não fui poupado de nada”. Você que pensa. Sempre dá para se ferrar mais. Só de você estar vivo aqui reclamando me leva a crer que poderia ter sido bem pior.

Ok, você deu uma mordida na laranja, teve uma tremenda diarreia, se cagou todo em público, passou vergonha, até perceber que não era uma laranja e sim uma fruta venenosa. Ruim? Ruim. Humilhante? Humilhante. Mas poderia ter sido pior. Você poderia ter morrido envenenado se teu corpo não tivesse te mandando um sinal contundente e humilhante (diarreia explosiva) para parar de comer essa fruta imediatamente. Você poderia ter ficado com sequelas por causa do envenenamento, poderia ter perdido a visão, por exemplo.

Então, mesmo quando existem consequências negativas em função da ilusão que abraçamos, a desilusão ainda é uma bênção. Sempre poderia ser pior. Agradeça por ter se desiludido pois, no mínimo, é menos tempo e energia que você gastou com a coisa errada. Sempre que se desiludir, tome o caminho da racionalidade e agradeça, em vez de reclamar que sua ilusão não é real.

E, em um segundo passo mais avançado, tente não criar ilusões. Projetos? Sim. Planos? Sim. Desde que você os trate como possibilidades, não como certezas. Não fique escravo desses desfechos para ser feliz, para estar bem ou para se realizar. O que hoje parece uma terrível desilusão, em algum tempo, pode se mostrar um desfecho muito melhor do que aquele que você tinha planejado.

Para dizer que se não for do seu jeito você fica puto (bebê chorão do caralho), para dizer que é um belo discurso para quem aplica Free Hugs quando o texto não é postado na data que a pessoa quer (o combinado não custa caro) ou ainda para dizer que eu deveria parar de tentar escrever sério e fazer um “Ei, Você”: sally@desfavor.com

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autoconhecimento, ilusão, psicologia

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