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Síndrome de Estocolmo

Síndrome de Estocolmo

| Sally | | 58 comentários em Síndrome de Estocolmo

Você já ouviu falar de Síndrome de Estocolmo? Pois é, hoje vamos falar dela. Síndrome de Estocolmo é o nome dado a um estado psicológico no qual uma pessoa submetida a um tempo prolongado de intimidação passa a ter simpatia e até mesmo sentimento de amor ou amizade por seu agressor. Sim, isso existe e é mais comum do que a gente pensa. É uma variação do Transtorno de Estresse Pós Traumático. Vamos começar pelo básico.

Ganhou esse nome graças a um assalto ocorrido em um banco em Estocolmo no ano de 1973, onde os assaltantes mantiveram suas vítimas reféns por quase uma semana. A polícia traçou uma estratégia para libertá-los, mas, para a surpresa de todos, os reféns não apenas se recusaram a colaborar, como ainda atrapalharam a ação da polícia usando seus corpos como escudos para defender o assaltantes e responsabilizaram a polícia, aos berros, por tudo de ruim que estava acontecendo. Ficou todo mundo olhando com cara de bunda sem entender nada.

Quando finalmente os assaltantes foram presos, as vítimas insistiam em defende-los e não colaborar judicialmente para que eles sejam condenados. Chegaram a criar um fundo de arrecadação para custear a defesa dos criminosos. O ocorrido chamou a atenção e um psicólogo especializado em criminologia que havia orientado a polícia durante o assalto, chamado Nils Bejerot, que acabou apelidando este estado psicológico de “Síndrome de Estocolmo”. Com o tempo e a notoriedade do caso, o nome se popularizou.

As explicações são muitas, considerando a complexidade da mente humana, mas, como leiga, não me sinto no direito de aprofundar. Em termos bem genéricos, o que acontece é o seguinte: a vítima está sempre em uma condição de sujeição, não pode reagir a aquela intimidação, então, diante dessa impotência e do medo que essa sujeição à intimidação provoca, ela acaba por tentar ver o lado bom de seu agressor, por tentar se identificar com ele, jogando um holofote em pequenas “coisas boas” que ele faça, como lhe dar comida ou um cobertor.

Essa reação incoerente de se sentir grato ao agressor vem da dor e do medo de perceber a situação real de perigo e agressão que está sofrendo. A pessoa se convence que é normal, que não é tão ruim assim, que há uma motivação de alguma forma justificável para fazerem isso com ela, para não ter que lidar com o grau de violência que aquilo representa. Ela simplesmente não consegue lidar com a realidade e sua mente a transmuta ofuscando coisas ruins e ressaltando coisas boas, para que ela possa tolerar o trauma que está vivenciando.

Não é burrice. É um mecanismo inconsciente que nasce diante da impossibilidade de lidar com uma situação muito traumática, somado a um estresse físico e emocional desgastantes. É quase que uma estratégia de sobrevivência da vítima, pois se ela fosse obrigada a confrontar a realidade nua e crua, não aguentaria. Não é escolha, é um processo inconsciente para protege-la, a vítima não se dá conta do que está acontecendo. Há uma identificação emocional com o agressor como forma de negar a real agressão que está sofrendo e como forma de se aproximar dele em uma tentativa desesperada de mitigar os danos que possa sofrer.

Isso normalmente era associado a crimes violentos, como assaltos, sequestros e raptos, o que facilita seu tratamento, pois cessando a agressão, tendem a cessar os efeitos dessa síndrome. E se fosse só isso, eu provavelmente nem escreveria um texto, pois quais são as chances disso acontecer com vocês?Mas, de uns tempos para cá alguns estudos apontam que as relações humanas estão tão estressantes e desrespeitosas que episódios de Síndrome de Estocolmo estão começando a aparecer nas relações do dia a dia, como por exemplo uma relação com um chefe abusivo, pais abusivos ou cônjuges abusivos. Com a diferença de que um crime é pontual, uma relação pessoal é a longo prazo, o que provocaria uma dilação dos seus efeitos. Há quem chame isso de “Síndrome de Estocolmo Moderna”.

Pode reparar que geralmente filhos de mães abusivas ou rompem em definitivo com elas ou então são de uma submissão de dar pena: defendem as atitudes escrotas da mãe sempre com algum fator externo que as justifique: “Ela sofreu muito na vida” ou coisa do tipo. Como se fosse inerente a sofrimento descontar no próprio filho. O mesmo vale para esposas de maridos agressivos: “Ele estava estressado”, como se estar estressado te autorize a bater em alguém. A pessoa não consegue ver a realidade porque sua mente lhe prega uma peça, protegendo-a de algo que lhe seria doloroso demais. Se por um lado aquilo é necessário a ela, também a joga em uma armadilha de não conseguir reconhecer que vem sendo sistematicamente abusada.

O grande mecanismo que escraviza uma pessoa com Síndrome de Estocolmo é a necessidade de autopreservação: a pessoa acredita que não pode sair daquela situação e só se aliando ou simpatizando com o agressor pode conseguir minimizar os danos que vai sofrer. Por isso a vítima procura nunca desagradar seu agressor e ampliar pequenos atos que ele pratica tidos como atos de bondade, mas que na verdade não são mais do que obrigação: “Ele me deu comida” (óbvio, se não você morreria e não valeria nada como sequestrado), “Ela me criou” (óbvio, ela é sua mãe, é obrigação dela te criar) ou “Ele paga meu salário” (óbvio, você trabalha para ele, é obrigação legal fazer isso).

Então, a primeira parte do texto se encerra aqui: para que exista a Síndrome de Estocolmo,não é necessário um crime bárbaro, basta que exista uma relação de poder e coerção, ameaça de morte ou danos físicos ou danos psicológicos e um tempo prolongado de intimidação. E hoje em dia isso pode se dar em relação empregado/empregador, mãe/filho, marido/mulher e de muitas outras formas. Agora que vocês tem essa informação, de que é uma distorção involuntária, inconsciente e necessária para a pessoa, nunca mais quero ouvir ninguém dizer que “Fulana é burra, se ela continua com ele é porque gosta de apanhar”, combinado?

Infelizmente a gente tende a fazer isso. A chama a pessoa de babaca, otária e burra. Mas não é. É uma cegueira intelectual. A pessoa não “gosta” de apanhar como muitos costumam dizer. Não. Ninguém gosta de apanhar (bem, talvez os masoquistas, mas não vem ao caso). Se ela continua com ele pode ser porque sua mente bloqueou a noção real do que está acontecendo, por ser doloroso demais, e ela não pode ver com clareza a real dimensão dos fatos. Essa pessoa precisa de ajuda, não que você vire as costas e ache bem feito ela se foder porque não se mexe para sair dali. Ela não percebe, não muda, não se mexe, porque não consegue sequer mensurar o que está acontecendo. Não por ser burra, mas por um mecanismo inconsciente que pode um dia acontecer com cada um de nós.

A tentação de gritar a verdade na cara da pessoa é enorme. Dói ver alguém que gostamos se fazendo mal, fazendo escolhas erradas. Porém, esfregar a verdade na cara da pessoa tal qual se esfrega o focinho de um cachorro que fez xixi no lugar errado não ajuda, só atrapalha. Pense comigo: se a pessoa não tem condições de ver aquela realidade, a ponto do seu inconsciente precisar criar uma realidade paralela para que ela consiga sobreviver, é porque ela PRECISA daquele escudo e não tem condições de ficar sem ele, tal qual a pele queimada precisa de uma bolha para proteção.

Se você chega e tenta ajudar arrancando um escudo necessário, periga causar um dano enorme e a pessoa ainda vai identificar você como alguém que lhe faz mal, que lhe tira uma proteção necessária.Vamos ter um pingo de sensibilidade e aprender a ajudar os outros de uma forma mais elaborada? Gente não é cachorro, gente não se trata aos gritos nem com ordens nem com violência. Aliás, nem cachorro deveria ser tratado assim.

Daí surge a questão: nesse mundo moderno onde o ser humano se trata cada vez com mais descaso, onde empresas exploram de forma cruel seus funcionários, onde pais não tem mais tempo para criar seus filhos, onde os relacionamentos são de gosto duvidoso, até que ponto se adaptar a essa realidade é de fato uma adaptação ou um sintoma da Síndrome de Estocolmo Moderna?

Supondo que você tenha um chefe que pratique assédio moral regularmente com você, te destrate, te desrespeite, te esculhambe, até que ponto tentar focar nos aspectos positivos dele é uma forma de continuar funcional, mantendo seu emprego ou é um mecanismo negador? Difícil traçar a linha que divide a capacidade de adaptação de um problema psicológico quando o mundo está tão barbarizado. Nem me atrevo, isso é discussão para os comentários.

Até que ponto temos que nos conformar que o mundo não é um mar de rosas e que temos que criar mecanismos para conviver e tolerar pessoas ruins? Até que ponto é doentio para manter uma relação, qualquer que ela seja, nos iludirmos e iluminarmos apenas os pontos positivos e fechando os olhos para os pontos negativos? E, para fechar o parágrafo de perguntas, até que ponto essa adaptação é a única forma de lidar com a situação? Em resumo, quero te perguntar se hoje, você sabe dizer qual é seu limite sem se desrespeitar para dizer um “chega dessa merda”. Pense a respeito. Muitas vezes você está em uma situação tão estressante que te coloca em um erro grave de percepção, porque a realidade é dolorosa demais. Sempre se pergunte isso quando passar por uma situação difícil.

Esse olhar para dentro é muito pessoal, infelizmente não posso acompanha-los nessa jornada dado o grau de subjetivismo. É bem mais fácil identificar a Síndrome de Estocolmo nos outros, como por sinal o é com qualquer equívoco. Daí surge a pergunta do que fazer se uma pessoa com a qual você realmente se importa estiver nessa situação. Complicado, muito complicado.

Como eu disse, não se arranca das mãos de uma pessoa um escudo quando ela ainda precisa dele, sob pena de fazer mais mal do que bem. Entenda, não é que ela queira se esconder atrás de um escudo, ela PRECISA dele. Se você quer ajudar, fortaleça a pessoa até que ela não precise mais do escudo e o abandone voluntariamente, caso contrário a pessoa vai se voltar contra você, porque ao olhos dela, agressor é quem tenta lhe tirar um escudo indispensável para sua sobrevivência. Existem inclusive relatos de pessoas que foram forçadas “na marra” a ver essa realidade e que não seguraram o tranco por já terem uma tendência preexistente. Acabaram por desenvolver uma esquizofrenia ou ter um surto psicótico. Respeitem os escudos que as pessoas criam, se eles estão lá é porque são necessários.

O primeiro passo é acolher a pessoa. Afeto, compaixão, segurança. Uma pessoa que está vivenciando isso é uma pessoa fragilizada. Fique ao seu lado, seja um ombro amigo. Escute sem julgar. Deixe a pessoa desabafar, pode ser que ao se ouvir ela comece a perceber algumas coisas. Permita que a pessoa se sinta segura com você. Não confrontá-la não quer dizer ser cúmplice do que ela está fazendo e sim respeitar sua fragilidade. Ajude ela a se fortalecer primeiro.

O grande pulo do gato é desarmar esse mecanismo e fazer a pessoa ver que 1) Ela pode sim sair dessa situação ; 2) Não é aceitável ser tratado assim independente de qualquer fator externo e 3) O agressor não fez nenhuma bondade para com ela, o agressor é apenas um agressor. Veja bem, não é DIZER isso à pessoa, é fazer ela ver. Não adianta dar o 4, é mais indicado dar apenas o 2 + 2. E quem vai ter o timing certo e as palavras mais adequadas para isso é um psicólogo.

O ideal é a intervenção de um psicólogo e talvez de um médico em conjunto prescrevendo medicamentos, em um primeiro momento. Tudo vai depender do grau. Incentivar a procurar ajuda profissional é um primeiro grande passo, pois estes profissionais estão aptos a fortalecer a pessoa para que ela possa largar esse escudo em vez de arrancá-lo à força gerando ainda mais traumas. Então, se você quer ajudar, em um primeiro momento apenas acolha, em um segundo momento ajude a refletir e incentive a procurar ajuda profissional.

Para os que assistem a esse espetáculo deprimente na condição de amigos ou parentes, é duro lidar com tanta negação, mas o ideal é demonstrar afeto e compreensão para que a pessoa não te veja como uma ameaça. Depois que ela se tranquilizar e confiar em você, vá, aos poucos, incentivando um tratamento. A linha tênue entre permitir que a pessoa fique na inércia e impor um tratamento precocemente pode ser difícil de delimitar, pois na ânsia de ajudar tendemos a acelerar o tempo dos outros. Seja paciente, não force nada e se valha de muita conversa.

A Síndrome de Estocolmo costuma ser passageira, mas para isso é indispensável que a fonte de agressão ou intimidação seja suprimida, o que pode ficar bem difícil quando o agredido não percebe que é aquilo que lhe faz mal e até mesmo sente um afeto ou gratidão por essa pessoa. Mas agora que você sabe de onde vem e como funciona, tenho certeza que vai ficar mais fácil ajudar. Paciência e sabedoria.

Para dizer que isso não existe e é frescura, para perguntar se hoje não era dia do Somir ou ainda para dizer que não quer saber dessas coisas e só passa aqui para ler SiagoTomir: sally@desfavor.com


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