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Fazer melhor.

Fazer melhor.

| Sally | | 47 comentários em Fazer melhor.

Taí um texto que eu não escreveria se não fosse o anonimato. É muito fácil que a pessoa tenha uma impressão errada lendo. Muitos terão. Observem eu não me importar… Tem um sentimento que me ronda faz muitos anos: ninguém faz tão bem feito como eu faço e isso é um forte fator de estresse na minha vida.

Não me refiro apenas a meu trabalho, me refiro a qualquer coisa que esteja ao alcance da minha mão fazer e que eu deseje fazer bem feito. Coisas prosaicas eu realmente não me esforço. Não entendo, por exemplo, quem tira onda por dirigir bem. Eu não dirijo bem nem faço questão, porque sabe… é algo que um motorista de ônibus faz, um taxista faz, um motorista de van faz. Sinceramente, não é algo em que eu deseje investir. Mas nas coisas relevantes, onde eu desejo investir, ninguém faz tão bem feito quanto eu faço.

Pois é, é isso aí. Ninguém faz tão bem feito como eu faço, salvo raríssimas exceções. As pessoas andam tão acomodadas, medíocres e sem garra que chegamos ao ponto de eu saber mais de outra área do que o próprio profissional da outra área. Eu sou foda? Certamente não. Sou superdotada? Pode apostar que não. Apenas arregaço as mangas e estudo, corro atrás. Já escrevi coisas para profissionais de outras áreas, coisas bem específicas, e eles foram aclamados por elas.

Excluindo o fato bizarro de que uma sociedade onde a esforçadinha é a melhor naquela categoria (algo verdadeiramente preocupante), pois nem é esse o enfoque do texto, posso dizer que é uma espécie de “maldição” ninguém fazer melhor do que você. Isso te obriga a fazer uma escolha trágica: você vai se sobrecarregar fazendo tudo aquilo que é importante para que saia bem feito ou vai delegar e se aborrecer horrores por não ter ficado bem feito?

Eu sou o tipo de pessoa que se sobrecarrega. Não por heroísmo, mas por achar que dá ainda mais trabalho e privação de tempo ter que remendar o erro alheio. Acho um engano pensar que delegando se ganha tempo. Não se ganha. Fazendo bem feito se ganha tempo, pois não será necessário refazer nada depois. Fazer uma vez, ainda que com mais detalhes, sempre é mais fácil do que fazer duas vezes.

E, olha, quem lê meus textos técnicos aqui no Desfavor sabe que eu sou muito didática e paciente, falta de explicação não é. Falta de treino, de ensinamento, não é. Se a pessoa faz algo mal feito direcionado a mim, a falha não foi no treinamento nem na comunicação. As pessoas tem um pacto com a mediocridade mesmo. Nem acho que seja falta de esforço, é que nunca tiveram excelência exigida, então simplesmente não sabem dar. Acham que algo meramente funcional já está ótimo. Não está, é uma merda. Se pode ser melhor tem que ser melhor.

Sim, existe uma outra opção: pactuar com a mediocridade. Delegar, deixar a pessoa do seu jeito meio mal feito e assinar embaixo, endossando um trabalho meia bomba. Esse definitivamente eu não consigo, até porque, trabalho cagado afeta na minha produtividade, no meu bom nome e no meu salário. Ninguém vai ficar no meu caminho no que diz respeito ao meu crescimento profissional, nem que eu tenha que fazer tudo sozinha. Hoje eu não pactuo com mediocridade e por isso sou julgada diariamente e me arrebento sozinha.

Por isso fico tão fascinada quando encontro no meio da multidão gente que, em uma exceção à regra, faz tão bem feito quanto eu, ou até melhor. Daí surge, como desdobramento natural, essa busca incessante por trabalhar com pessoas que fazem tão bem feito como eu ou ainda melhor. Eu não cismo de trabalhar com tal pessoa, tal marca ou tal coisa à toa, por capricho. Tem uma explicação e após muito refletir, a encontrei. O motivo não é apenas por ser um alívio não ter que trabalhar por três, por quatro ou por cinco como também por vislumbrar uma possibilidade rara de um desafio intelectual que me obrigue a render mais.

A gente não gosta de admitir, por pura vaidade, mas corremos com a manada. Não importa quão especial você se ache, corremos com a manada. E quando a manada é lenta, por mais que você seja o mais veloz do grupo, ainda corre com a manada. Se correr ao lado de uma manada mais rápida, você se tornará mais rápido. Essa percepção foi o que me fez desgostar de cargos públicos. Eles te emburrecem, a manada é lenta, mesmo que capacitada para correr muito rápido, eles apenas trotam.

Cerque-se de um trabalho medíocre, com gente medíocre, e você vai acabar correndo no ritmo deles. Pode até ser o mais rápido deles, mas você vai estar em uma manada lenta. Para aprimoramento pessoal tem que almejar correr junto com a manada mais rápida da região. Sem contar o alívio de não precisar fazer mais nada além do seu próprio trabalho (experiência que, diga-se de passagem nunca tive na vida mas estou louca para ter). Tem também o aprendizado de beber de fontes bacanas todos os dias.

Só que, infelizmente, são poucas as manadas rápidas. A regra é correr com a manada medíocre. As próprias manadas rápidas filtram muito, até demais, quem as integra. Não os culpo, eu faço o mesmo aqui no Desfavor. Quem não corre muito rápido não corre ao nosso lado. É para o bem da própria manada. Isso cria uma série de corredores muito bem preparados subaproveitados, que não são absorvidos pelas manadas mais rápidas e, por consequência, um sentimento de frustração que te convida diariamente a se acomodar, a se tornar um medíocre e ficar em uma manada lenta. Além de ser mais fácil, aplaca a sensação de derrota de não estar na manada que você queria: “prefiro aqui, me desgasto menos”.

Mentira. Um corredor rápido em uma manada lenta não se desgasta menos, ele se desgasta mais. Seja por fazer o trabalho dos outros, seja por sentir, em qualquer nível, seu potencial subestimado e subaproveitado. É uma balela no melhor estilo “as uvas estavam verdes”. Eu não consigo mais pactuar com isso e me acomodar com menos do que meu intelecto realmente merece de desafio e reconhecimento. Vou morrer lutando para me cercar de pessoas que façam tão bem quanto ou melhor do que eu em tudo nessa vida: profissão, relacionamentos, etc.

Mas, a dolorosa verdade é que as pessoas tem um ganho secundário em se cercarem de gente que “não faz melhor do que eu”. Primeiro que é tudo do seu jeito, pois você é quem faz melhor. Segundo que suas qualidades se sobressaem. Você parece mais magra se tira uma foto com uma amiga gorda. Você precisa de menos para ser inteligente se interage com uma pessoa burra. É medíocre, mas é verdadeiro. É a base fundamental de todos os Memes, onde rimos de quem é pior do que nós como forma de celebrar nossa superioridade inconscientemente.

Então, este texto não é só para desabafar a minha fodência (sofrência é pouco, não define) típica de qualquer fase de transição da vida (crescer dói), é também para te alertar: não se acomode, não corra com a manada medíocre. Busque sempre se cercar de gente que faz igual ou melhor do que você, não importa quão tentador seja eventualmente se encostar em uns medíocres para parecer mais bacana do que é sem esforço.

É uma armadilha tentadora, eu mesma já caí nela várias vezes. Queira ser melhor, e para isso, comece na escolha do seu entorno. Lembre-se: mesmo sendo o mais rápido da manada, você ainda será um medíocre se estiver em uma manada de medíocres.

Não se culpe por ninguém fazer melhor do que você. Isso é motivo de orgulho se você de fato faz bem feito (e de tratamento se for um megalomaníaco). Chega de se desculpar por ser bom, de ser hostilizado por ser bom. Se você está em um grupo onde ninguém faz melhor do que você, sai fora. E se você faz melhor do que eu, me chame para trabalhar com você.

Para dizer que você faz melhor do que todo mundo, para dizer que todo mundo faz melhor do que você ou ainda para dizer que você é gente que não faz: sally@desfavor.com


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