Skip to main content

Colunas

Arquivos

5G

5G

| Somir | | 15 comentários em 5G

Eu presumo que quem lê o Desfavor não seja o tipo de pessoa que acha que a tecnologia do 5G seja perigosa para a saúde, afinal, não é muito razoável acreditar que um sistema de transmissão de dados altamente cancerígeno tivesse recebido sinal verde para instalação ao redor do mundo… mas nem só de bom senso vive o homem. E se te perguntarem por que você não tem medo do 5G? Você saberia dar uma boa resposta?

5G é uma nova tecnologia de transmissão de dados em fase final de implementação ao redor do mundo, de forma simplificada, é como colocar wi-fi na cidade inteira. Para muita coisa do dia a dia como mensagens e navegação o 4G já parecia igual a uma conexão de internet de casa, mas não para transmissão de vídeos, jogos e grandes arquivos. O 5G vem para cobrir essa lacuna. E ele faz isso mais ou menos como seu roteador sem fio faz em casa: transmitindo informação em altas frequências com alcance limitado.

O negócio do 5G é muito disputado entre gigantes da tecnologia exatamente por esse alcance limitado: para que uma cidade tenha cobertura decente, precisa de muitas antenas e equipamentos para repetir o sinal. Não é tão limitada quanto o wi-fi, mas ainda sim precisa de muito mais antenas que o 4G. Quem tiver a patente dos equipamentos e os contratos de instalação vai ganhar muito dinheiro. E por aquela lógica que a gente se acostuma rápido com o que é melhor, em questão de meses eu aposto que as pessoas já não vão mais tolerar velocidades menores que as possíveis pelo 5G quando estiverem na rua. É um grande negócio para instalar, e um melhor ainda para manter.

Eu não eliminaria a possibilidade de alguns dos boatos sobre os problemas de saúde relacionados ao 5G terem sido incentivados por disputas entre empresas (e governos) para atrasar a concorrência, mas eu estaria entrando em terreno conspiratório, o importante aqui é reconhecermos que essa narrativa do 5G ser danoso para as pessoas existe e boa parte das pessoas não está equipada para lidar com o tema. Se você estiver diante de um parente ou amigo que jura de pés juntos que vamos todos ficar doentes quando a tecnologia for implementada, é possível que você não tenha muita coisa para rebater além de revirar os olhos.

O que é direito seu, mas não gera um argumento convincente. Por isso, vamos entender primeiro o que esse povo está dizendo: segundo os detratores do 5G, a alta frequência das ondas que utiliza para transmitir dados tem o potencial de causar danos dentro das suas células, o que aumentaria muito a chance de você ter um câncer. Já vi gente comparar com um micro-ondas e dizer que seu cérebro pode ser cozido pelo 5G! Com certeza não queremos torres em cada quarteirão emitindo esse tipo de radiação, certo?

Bom, é aqui que você entra na conversa (se quiser, discutir com conspirador é um saco, mas vai que você gosta da pessoa apesar disso?) e explica que as coisas não funcionam bem assim na realidade. Radiação e micro-ondas podem fazer muito mal para o corpo humano, com certeza, mas no 5G estamos falando de escalas completamente diferentes desses elementos. É que nem dizer que o frio do espaço sideral pode te congelar, e por isso você deve evitar tomar bebidas geladas…

Vamos falar primeiro sobre frequências. A radiação eletromagnética nos cerca o tempo todo: desde ondas de rádio até poderosos raios gama, somos bombardeados por todo tipo de radiação o dia inteiro. É comum separar esses tipos de radiação por sua frequência, isso é, quantas vezes ela ocorre num período de tempo. A unidade de frequência se chama “hertz” (Hz), e é baseada no segundo. 1Hz é uma repetição por segundo.

O rádio, por exemplo, funciona porque suas ondas são emitidas de algum lugar e chegam até uma antena com uma frequência. A cada segundo, existe algo novo para ser transformado em som. Mas como você pode imaginar, não cabe muita informação em só um evento: imagine conversar com alguém que só pode dizer uma palavra por minuto… por isso, para transmitir informações complexas, precisamos usar uma frequência maior. A menor onda de rádio aproveitável está na faixa dos 3 Hz, mas fora alguns usos militares e meteorológicos, não é comumente utilizada, é pouca informação por segundo.

Muito pouca informação. Rádios AM costumam transmitir em faixas de pelo menos 500 kHz, ou seja, 500.000 Hz. Meio milhão de repetições por segundo. Isso garante que muita informação possa chegar até o destino de uma só vez. E mesmo assim, para quem ainda lembra disso, rádio AM costuma ter uma qualidade de áudio bem ruim. Rádios FM começam a trabalhar na faixa dos 87,5 MHz, como você pode ver no primeiro número que aparece na maioria dos rádios. Isso significa 87.500.000 repetições por segundo. Percebem como isso começa a crescer exponencialmente?

Como rádios FM ainda são muito comuns, seus sinais estão em todos os lugares. A cada segundo, passa pelo seu corpo o sinal de dezenas de rádios, todas com frequências nesse nível. Mas você não se preocupa, e nem deveria. Esses sinais não fazem mal para o corpo humano. Mas, os sinais do 5G podem chegar a 24 GHz! 24 bilhões de repetições por segundo. Isso com certeza é mais perigoso, não? Bom, se você está com medo de 24 GHz, eu sugiro nem ficar sabendo qual é a frequência da luz visível…

A não ser que você esteja ouvindo esse texto numa sala completamente escura, está sendo bombardeado por frequências quem vão de 430 a 750… está pronto para saber? TERAHERTZ. Trilhões de repetições por segundo. Se você está debaixo de uma lâmpada, em frente a uma tela ou o sol está refletindo de alguma forma em você agora, está exposto a frequências imensamente maiores que qualquer transmissão que o 5G jamais poderá utilizar.

E apesar da nossa atmosfera e o campo magnético filtrarem a maioria da radiação que vem do sol, sempre passa um pouco de frequências ainda maiores. E nessas escalas, um pouco ainda é significante: Ultravioleta, Raios-X e Gama ainda chegam até nós diariamente. Com frequências imensamente maiores que a da luz visível, e sim, em excesso esses raios podem causar doenças como o câncer, tanto que câncer de pele existe e é causado basicamente por raios ultravioleta, mais poderosos que a luz que conseguimos enxergar. Mas esse tipo de doença é causado por muita exposição ao sol em conjunto com uma baixa resistência do corpo. Se o sol fosse tão perigoso assim, não tinha mais ninguém vivo.

Seu corpo tem vários mecanismos para lidar com radiação. O DNA humano sabe se reconstruir quando é danificado pela radiação, é que como quase tudo nessa vida, existe um limite de até onde ele consegue fazer isso. Muita radiação ao mesmo tempo vence a capacidade de correção natural do corpo. Estou falando de tudo isso porque você pode ouvir argumentos bem assustadores de pessoas que dizem que o 5G é perigoso. Pode-se mentir usando várias verdades: sim, radiação é cancerígena, e a frequência dessa radiação é fator determinante no perigo que ela traz; mas quando falamos das ondas do 5G, estamos falando de escalas absurdamente menores do que as dos raios realmente perigosos. A luz é milhares de vezes mais poderosa nesse sentido, especialmente a do sol. E a radiação realmente perigosa tem frequências milhões de vezes maior que a luz.

Resumindo: se te falarem de frequência, aponte para uma lâmpada.

Mas, tem gente mais bem preparada para ser conspiratória. Podem continuar com o argumento que o verdadeiro perigo é como o 5G consegue penetrar no corpo humano, que é muito próximo do que usamos nos micro-ondas para esquentar água e cozinhar alimentos. E sim, boa parte disso é verdade: um micro-ondas gera ondas de mais ou menos 2.5 GHz para esquentar as coisas. O 5G pode chegar a 24 GHz! Como isso não é perigoso?

Bom, em primeiro lugar, se você tem wi-fi em casa, é provável que já esteja sendo banhado por ondas dessa mesma frequência. O meu roteador, por exemplo, transmite nas faixas de 2.4 GHz e 5 GHz, e você provavelmente deve ter um parecido em casa. Então, por que não adianta colocar uma xícara em cima dele para esquentar água? Tem tudo a ver com a energia que cada equipamento usa. Seu roteador emite essas ondas puxando uma energia 10.000 vezes menor que seu forno micro-ondas. Todo sinal tem uma potência. Quanto maior a energia usada para empurrar essa onda para o mundo, mais longe ela pode chegar.

O seu micro-ondas só consegue esquentar água porque tem paredes metálicas que refletem essas ondas. É por isso que não pode colocar metal dentro, se você nunca ficou sabendo. Uma onda eletromagnética é carregada por partículas, partículas que batem em outras partículas no seu caminho. Dependendo da frequência dessa onda, ela tem mais ou menos chance de ser parada por alguma superfície sólida. No caso do micro-ondas, os 2.5 GHz conseguem atravessar a comida, mas não passam por metais. Como o equipamento doméstico concentra muitas ondas no mesmo lugar e elas ficam refletindo nas paredes sem parar, as partículas que compõe a onda conseguem entrar dentro da comida e excitar os átomos que a compõem. Calor nada mais é do que a velocidade com a qual as partículas de um objeto estão se movendo internamente. Quando mais movimento, mais quente ele fica.

Em tese, ficar do lado de um emissor de micro-ondas potente como o que usamos na cozinha não é tão perigoso assim: essas ondas passam por você e não voltam mais. Sem as paredes metálicas para refletir essas ondas de volta, perde-se o efeito de concentração da energia num só lugar. O seu roteador faz isso: envia ondas numa frequência parecida com do forno, mas com muito menos potência e sem uma caixa de metal ao seu redor para prendê-las ali.

O comprimento da onda é diretamente relacionado com a capacidade delas de se propagar. É por isso que aquela rádio AM que só toca sertenejo atravessa centenas de quilômetros até você, mas às vezes a porcaria do wi-fi não pega no banheiro. Eu não sei por que você quer wi-fi no banheiro, mas não me cabe julgar. Ondas na faixa do 5G tem muito mais dificuldade de penetrar superfícies sólidas, a chance delas baterem em alguma coisa aumenta consideravelmente, até por isso aquela informação do começo do texto dessas redes precisarem de muito mais antenas para funcionar direito.

O corpo humano é relativamente transparente para boa parte da radiação eletromagnética. Não refletimos muita coisa antes do infravermelho, lembrando que o infravermelho é mais poderoso que as micro-ondas e menos que a luz visível. E isso é um bom sinal: se você não reflete muita radiação, significa que ela não conseguiu “bater” em nada dentro de você. O melhor dos casos é a radiação passar por você como se você nem existisse. E como já sabemos que nossos corpos não impedem a passagem da internet sem fio, você pode presumir como o 5G não tende a fazer muita coisa com o seu corpo.

Estamos falando de escalas ínfimas, e por isso, números absurdos: se a onda do 5G interagir com um trilhão de átomos do seu corpo por segundo, não vai ter mexido com um centésimo de UMA célula do corpo. E considerando que o ser humano tem em média 30 trilhões de células… você vai ganhar na megasena acumulada umas 20 vezes antes do 5G causar um câncer no seu corpo. Até porque com a energia que uma onda de internet chega até você, o melhor que ele pode fazer é chacoalhar um átomo ou outro. E calor por calor, seu corpo produz sozinho muito mais a cada segundo.

Para que uma onda eletromagnética possa causar algum dano celular, a radiação tem que vir com uma energia imensa, o suficiente para quebrar moléculas, ou mesmo desmontar átomos. As escalas mais altas do espectro eletromagnético podem conseguir esse feito, mas isso só começa do ultravioleta para frente, e mesmo assim, se você já ficou no sol por mais que dez minutos na sua vida, pode comprovar que não é algo imediato. Câncer de pele exige exposição continuada a radiação ultravioleta e um tanto de azar do seu DNA deixar passar um erro para frente.

Se uma lâmpada que puxa 100 Watts de energia sobre a sua cabeça com terahertz (trilhões) de frequência não consegue te fazer mal, não vai ser um roteador de internet expelindo ondas de no máximo 24 gigahertz (bilhões) 20 Watts por quilômetros de distância que vai causar um problema.

Resumindo: se te falarem de poder de penetração, aponte para uma lâmpada.

Para dizer que eu sou pago para escrever essas coisas (quem me dera), para dizer que agradece por ter argumentos fáceis, ou para reclamar que só ficou mais confuso(a): somir@desfavor.com


Comments (15)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: