Skip to main content

Colunas

FAQ: Coronavírus – 3

11) Preciso reabrir a minha loja, não me julgue, apenas me ajude. Vou disponibilizar álcool gel e máscaras para todos, com esta medida consigo manter meus clientes seguros? Quais são os riscos?

NÃO, ninguém vai estar seguro.

Não te julgo, mas como você veio pedir informações, eu vou te dar todas as informações que achar relevantes.

Antes de mais nada, ao abrir um estabelecimento comercial, o risco maior não é para seus consumidores e sim para quem vai ficar na loja: você ou seus funcionários. Um cliente entra uma vez por dia, fica alguns minutos e vai embora. Há risco? Sim, porém muito maior é o risco de quem passa horas dentro do estabelecimento e lida com dezenas de pessoas ao longo do dia.

Palavra de quem já foi Gerente Comercial de multinacional com centenas de lojas por todo o país: não vale a pena os custos de abrir uma loja nessas condições. Você vai vender menos e majorar suas contas. Por exemplo, em vez de pagar uma conta de luz baixa, vai pagar uma conta de luz alta, que pode até ser superior ao valor que você vai vender. Fora o risco enorme de que em pouco tempo seus funcionários adoeçam e você tenha que pagar o salário deles em casa (nos primeiros 15 dias) mais o salário de pessoas para substituí-los. É um tiro no pé. Precisa ganhar dinheiro? Migra para online.

Além disso as pessoas estão sem dinheiro e assustadas, acho muito improvável que exista uma quantidade significativa de pessoas com vontade e dinheiro para gastar. As vendas serão mínimas, os custos serão muito altos. É uma tremenda burrice abrir agora, esperando por boas vendas. São enormes as chances de você amargar um prejuízo.

Sobre os métodos de prevenção que você escolheu, não, eles não bastam. Um dos grandes riscos de ficar batendo na tecla álcool gel + máscara é que as pessoas sintam uma falsa sensação de proteção. Entre todas as medidas protetivas, as de menor eficiência são álcool gel e máscara. Meus queridos, vamos raciocinar: um médico, protegido da cabeça aos pés, inclusive com uma máscara muito melhor do que a sua, ainda assim pode se contaminar. Por qual motivo você, com muito menos proteção, não poderia?

As medidas mais eficientes que o comércio pode adotar são readequar fisicamente o espaço: a grande eficiência na prevenção vem de aumentar a ventilação do local, eliminar recirculação de ar (como por exemplo, o ar condicionado) e assegurar uma distância de pelo menos dois metros entre as pessoas.


12) O que acontece se o Brasil realmente resolver sair da OMS?

O Bolsonaro tá ameaçando deixar a OMS em plena pandemia, né? Que triste.

Além da vergonha de ser sempre macaco de imitação dos EUA, que foi quem começou com esse papo em primeiro lugar, fazer isso seria um tremendo tiro no pé para o país. Não vou entrar em questões políticas, pois elas são subjetivas e passíveis de interpretação. Vamos falar, objetivamente, o que o país perderia com isso.

Ao sair da OMS, os EUA pararam de contribuir com dinheiro para a organização. Nesse caso, é possível ver algum benefício, uma vez que eles efetivamente gastavam com isso e tiveram uma economia de dinheiro. Se compensa ou não, é uma questão subjetiva, mas a economia está lá.

Mas o Brasil… o Brasil recebe mais do que aporta para a OMS, então, não é nenhuma economia, é deixar de receber recursos. Hoje o país recebe ajuda via convênios, ou seja, não recebe dinheiro direto, mas recebe recursos como auxílio técnico, insumos e outros que, se não receber de forma gratuita, terá que pagar, ou seja, passará a gastar com isso. Então, olhando de forma objetiva, significaria uma perda financeira para o país.

Além disso, poderia prejudicar o comércio. Existem uma série de normas e exigências envolvendo a questão sanitária para o comércio internacional. O Brasil é signatário (assinou um documento internacional e se comprometeu a cumprir suas regras) de uma série de leis internacionais que exigem certos cuidados com a saúde. Um exemplo: a Europa só compra carne do Brasil graças ao empenho do país em investir e comprovar que erradicou a febre aftosa (doença que pode afetar o gado).

Então, a maior parte das relações de comércio internacional do Brasil com outros países só se sustenta pelo país seguir boas práticas de saúde. Abandonar a OMS faria com que países questionassem se de fato o Brasil continua seguindo boas práticas de saúde e poderia fazer o país perder grandes parceiros comerciais. Para quem não sabe, o agronegócio é um dos pilares da economia nacional, portanto, não me parece inteligente colocar em risco a confiabilidade do país em uma de suas principais fontes de sustento.

Em resumo, olhando do ponto de vista objetivo, no mínimo, o Brasil perderia dinheiro e confiabilidade.


13) Os EUA culpam a China pela crise que se instaurou no país. Isso é verdade? Se a China tivesse alertado sobre o coronavírus em dezembro, quando percebeu o que estava acontecendo, a situação dos EUA seria diferente?

Poderia ter sido, mas, pelos registros oficiais, eu sinceramente duvido muito, pois os EUA não deram a menor bola para os avisos. Não dar bola em dezembro ou não dar bola em janeiro trazem o mesmo resultado prático. Talvez para outros países tivesse feito toda a diferença, mas não para os EUA.

Em 2014, por causa do Ebola, os EUA criaram o National Security Council Directorate for Global Health Security and Biodefense, na intenção não apenas de estudar e combater o Ebola, mas também de prevenir epidemias ou pandemias com outros vírus. Esse conselho era composto por especialistas na área e conduzia diversos estudos interessantes sobre essas questões.

Nesse mesmo ano de sua criação, relatórios desse comitê informavam que morcegos chineses carregavam um vírus que poderia facilmente passar para um ser humano e isso precisava ser acompanhado. Recomendavam a compra de insumos, máscaras e outros materiais, para ir abastecendo o país, pois a qualquer momento esse vírus passaria para humanos. Não era uma questão de “se” e sim de “quando”. O comitê não apenas teve as recomendações ignoradas e foi desfeito.

Em 2018 Trump cortou todas as verbas e dissolveu esse conselho voltado para o cuidado de epidemias, mesmo ciente de que existia uma probabilidade de vírus pandêmicos circulando nos próximos anos. Não era prioridade.

Esse foi um dos primeiros grandes erros. Quem teria competência para agir nesse assunto específico e dizer o que o governo deveria fazer para proteger o cidadão era esse comitê. Sem o comitê, muitas decisões foram tomadas por pessoas que não tinham conhecimento técnico sobre o assunto.

Se a China tivesse dado o alerta em dezembro, os EUA continuaram sem máscaras suficientes, sem insumos suficientes e sem toda a estrutura médico-hospitalar para dar conta da pandemia. Talvez, com um mês a mais, teriam mais tempo para agir, mas, pela forma como o país se comportou, tudo indica que teriam ignorado o aviso, como de fato ignoraram o aviso que chegou mais tarde.

Há registros oficiais, que não são negados pelos EUA, de que no dia 3 de janeiro o CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças) chinês ligou para o CDC dos EUA reportando oficialmente a existência de um vírus respiratório desconhecido que estaria se alastrando rapidamente entre as pessoas por lá. Em 3 de janeiro os EUA já sabiam o que estava acontecendo ou, ao menos, o que poderia acontecer.

O problema foi: quem poderia lidar com isso, aquele conselho que foi dissolvido, não estava mais lá. Deixaram esse tipo de problema nas mãos da CIA e outros que não eram especializados no assunto. A única atitude que o Trump teve após esse aviso foi, no dia 10 de fevereiro, propor novos cortes para o CDC, que já tiveram verba cortada anteriormente. Nesse ponto a China já estava em lockdown e já havia casos de coronavírus na Europa, mas, ainda assim, Trump optou por desprestigiar um pouco mais a ciência.

Não contente, Trump também promoveu trocas em altos cargos do CDC, cargos que deveriam ser ocupados por especialistas, mas viraram cargos políticos. Colocou gente que não era especialista no assunto. Certamente vocês já viram esse filme, não é mesmo?

Em momento algum os EUA se mexeram para criar um grupo para investigar, para comprar insumos, para fazer qualquer medida preventiva que pudesse proteger a população após o aviso do dia 3 de janeiro. Muito pelo contrário, repetidas vezes Trump disse que se tratava apenas de uma gripe, sem esboçar qualquer preocupação ou adotar qualquer medida preventiva.

Quando a água bateu na bunda e os primeiros casos chegaram nos EUA, o CDC (aquele com verba cortada e amiguinhos de Trump no alto escalão) foi o encarregado de desenvolver testes para a doença. Trump apostou todas as suas fichas nisso. Porém, com pouca verba e sob o comando de pessoas sem o conhecimento técnico necessário, não conseguiram desenvolver o teste no tempo necessário. A falta de testes foi um fator importante para a explosão de casos, o plano principal falhara. Isso obrigou os EUA a, em um ato de desespero, correr para a China e comprar tudo que puderam.

Nesse meio tempo, foi recomendado ao Trump fechar as fronteiras. Por questões econômicas, ele recusou a medida e mandou fechar apenas as fronteiras aéreas com a China. Resultado: além da entrada do vírus que circulava na China, receberam vírus compatível com o que circulava na Europa, trazido por turistas.

A coisa ficou ainda pior. Criaram um comitê de resposta contra o vírus, mas, novamente, em vez de colocar profissionais da área, o responsável por esse comitê foi o Mike Pence, o Vice- Presidente da República, com formação em história e em direito. Obviamente, o comitê não apresentou resultados positivos, então, a única forma de contornar o aumento dos casos era comprar tudo que pudesse para ajudar. Nessa Trump já estava roubando as compras de outros países, oferecendo mais pelos produtos.

Depois, esse comitê passou para as mãos de Jared Kushner, genro de Trump, que pode ser muito bom no mundo dos negócios, mas não em virologia. Então, o comitê criado para combater o covid-19 foi basicamente uma grande bosta. Líder que não prestigia a ciência, acho que vocês conhecem. Um comitê parcial, composto de pau mandando do Presidente, que não tinha condição de contrariar o Presidente, acho que vocês também conhecem. Quando você obriga pessoas a não discordar de um cara que sugere beber água santiária, o resultado é bem previsível.

Então, quando falamos em específico dos EUA, não acho que ser informado um mês antes faria muita diferença, já que a liderança do país só acreditou na seriedade do que estava acontecendo e resolveu agir muito tempo depois. E antes que venha algum emocionado pedir fontes, há registros públicos de tudo que está escrito aqui, basta não ser preguiçoso que você acha. Um bônus: o Twitter do Trump, que ele usa praticamente como um diário, onde desabafa e conta tudo que fez ou deixou de fazer.

Inclusive, até fevereiro, Trump elogiava bastante a China sobre todo o posicionamento envolvendo coronavírus. Mas, quando o vírus chegou arregaçando os EUA, por total falta de preparo do país, ele precisou encontrar um inimigo, alguém para colocar a culpa. Trump passou a culpa de tudo que estava acontecendo a um erro chinês, que de fato ocorreu: não ter comunicado sobre o vírus antes. Porém, diante da postura dos EUA, de só reagir quando a coisa ficou feia, provavelmente não faria diferença alguma informar um mês antes.

Basicamente, e como se o Brasil culpasse a China por não ter comunicado sobre covid-19 em dezembro. Que diferença faria? Não levaram a sério, não se prepararam, minimizaram chamando de “gripezinha”… A China errou, e errou feio, mas atribuir a esse erro dela o que aconteceu nos EUA é desonestidade.


14) Se uma gestante pega coronavírus, isso pode afetar seu bebê causando problemas futuros, assim como acontece com a zika? É seguro engravidar agora?

Não sabemos. E aqui independe de pesquisa, recursos ou competência, há um impedimento temporal que impede qualquer pessoa de saber.

Tudo que se sabe: já houve registros de bebês que nasceram contaminados com covid-19, portanto, é possível que o vírus passe de mãe para filho ainda na barriga ou na hora do parto.

Por hora, só se viu efeitos do coronavírus em grávidas contaminadas a partir do terceiro trimestre, pois não deu tempo de ver nascer os bebês cujas mães pegaram coronavírus no começo da gestação. Além disso, não sabemos dos efeitos a longo prazo, pode ser que o bebê venha a nascer normal e posteriormente tenha sequelas.

Infelizmente, mulheres grávidas ou que engravidem daqui para frente serão “cobaias”, através delas é que se entenderá o que o coronavírus pode causar ao bebê. E sobre os efeitos a longo prazo, só saberemos dentro de alguns anos se essas crianças que foram expostas ao vírus terão alguma sequela em seu desenvolvimento.

Não dá para afirmar que seja seguro engravidar agora, não sabemos, é um risco que a pessoa tem que estar disposta a correr.


15) Qual o percentual de pessoas que contraem coronavírus e são assintomáticos?

Parece uma pergunta simples, mas tá um quebra-pau danado sobre isso.

O grande problema é: isso depende da pessoa declarar se teve ou não sintomas, o que nem sempre é uma informação fácil ou confiável.

Imagina Dona Maria, teve covid-19 e foi ser entrevistada para uma pesquisa sobre percentual de assintomáticos: “Dona Maria, a senhora sentiu alguma coisa?” e ela responde “Não, não senti nada, nadinha”. Aí o pesquisador pergunta “Nem uma dorzinha de cabeça?” e Dona Maria diz “Ah, sim, eu senti umas dores de cabeça nesses dias sim, mas não era nada grave”.

Essa é a realidade. Como covid-19 pode dar uma infinidade de sintomas, muitas vezes com desconforto mínimo, boa parte dos que se dizem assintomáticos, quando perguntados especificamente por determinado sintoma, afirmam que o tiveram, mas não o citaram por não achar importante.

Para ser considerado sintoma não é preciso que seja algo incapacitante, irreversível ou grave. Uma diarreia, uma dor de cabeça, um enjoo, todos leves e passageiros podem ser sintomas de covid-19. Então fica praticamente impossível ter um percentual preciso de assintomáticos quando as pessoas entrevistadas não sabem passar essa informação de forma decente.

Hoje, o que se estima é que entre 20 a 30% das pessoas que adoecem fiquem assintomáticas, isso é, sem ter qualquer sintoma do começo ao fim da doença, mas é provável que esse número seja bem menor, uma vez que nem sempre os sintomas são trágicos e memoráveis, podendo ser, inclusive, coisas que todos nós experimentamos de tempos em tempos, como azia, leve dor de cabeça e outras coisas menores.


Para dizer que o nome deste blog deveria mudar para Descovid, para dizer que prefere as Fucked Questions ou ainda para dizer que eu sou comunista e estou defendendo a China: sally@desfavor.com

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

coronavírus

Comentários (18)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: