Piada representativa.

Durante uma entrevista no canal de notícias americano Fox News, uma das moderadoras de um fórum chamado “antiwork” (anti-trabalho) do site Reddit foi humilhada em rede nacional de televisão. O apresentador queria saber mais sobre um movimento de rejeição às condições de trabalho nos EUA que se tornava cada vez mais popular na internet. E a imagem passada não foi das melhores…

Eu vou ter que estabelecer muitas coisas antes de desenvolver qualquer argumento hoje. Eu presumo que a maioria de vocês não esteja inteirado sobre as questões abordadas aqui, mas desconfio que pelo terrível hábito do brasileiro de imitar os piores comportamentos dos americanos, logo logo esse texto se torne muito mais relevante para sua vida.

Em primeiro lugar, o que é esse fórum anti-trabalho? É uma comunidade dentro do Reddit, um aglomerador de fóruns de temas variados extremamente popular no EUA. Usuários podem criar locais de discussão para virtualmente qualquer tema. A identidade da Reddit é muito mais ligada com a esquerda progressista americana, e embora o usuário médio do site seja “americano médio”, os usuários mais ativos, e por consequências as pessoas mais propensas a assumir posições de moderação e controle dessas comunidades, costumam ser pessoas com alto grau de comprometimento com esse tipo de ideologia.

Ou, em termos mais simples, Reddit costuma ser o inverso das chans. Politicamente correta e altamente alinhada com pontos de vista progressistas. Pois bem, dito isso, o fórum anti-trabalho foi criado alguns anos atrás por pessoas que queriam postar reclamações contra as condições do mercado de trabalho americano, com exemplos de maluquices de chefes e recrutamento em geral. Vários prints de gente recebendo pedidos terríveis de chefes ou ofertas de vagas que pedem mestrado para pagar salário-mínimo viralizaram por lá.

Mesmo que alguns dos habitantes do fórum achem que é sobre implementar o comunismo, na verdade é um lugar para as pessoas reclamarem sobre absurdos do mercado de trabalho, não é sobre ter preguiça de trabalhar, é sobre querer melhores condições, e nesse sentido, nem tem o que discutir. Cada um que lute pelo que acha melhor. E faz bem pra alma tirar sarro de chefe sem noção.

E durante a pandemia, eles ganharam mais e mais atenção, muita gente estava sem vontade de aceitar condições bizarras para trabalhar, sentindo-se exploradas. Com a popularidade, veio a necessidade de aumentar a carga de trabalho para moderar o fórum. E logo, a mídia tradicional percebeu que isso rendia uma matéria: pessoas da internet se rebelando contra o conceito de trabalho.

Uma dessas mídias foi a abertamente conservadora Fox News. Marcaram uma entrevista com algum responsável do fórum, e eles escolheram uma transexual chamada Doreen Ford como a entrevistada e por consequência, porta-voz do movimento. Como eu disse antes, a tendência natural da Reddit é progressista, aposto que acharam uma boa coisa colocar uma transexual como imagem deles.

Chega o dia da entrevista, Doreen é chamada ao vivo… e começa o desastre.

Nem vou criticar a falta de habilidade para dar uma entrevista ao vivo, não é uma habilidade que se espera de todo mundo, e mesmo que a pessoa seja boa em argumentação, pessoas podem ficar nervosas ou serem pegas de surpresa. O problema aqui é muito mais profundo. Doreen não tinha nenhuma chance nessa situação, especialmente diante de um fuckin’ apresentador da Fox News!

Durante a entrevista, não só ela resolve focar no “valor das pessoas preguiçosas”, exatamente o que o entrevistador queria, como ainda revela que seu trabalho é passear com cachorros quatro horas por dia (e depois ela revelou sem querer que eram só duas), e que isso já é trabalho o suficiente. Ele pergunta a idade dela. Ela diz 30. E para esfregar sal na ferida, o entrevistador pergunta qual o trabalho que ela queria ter, e ela diz que queria ser professora de filosofia. O apresentador começa a dar risada.

O movimento anti-trabalho começou a entrevista como uma ameaça ao sistema, e terminou como uma piada. Não à toa, o pessoal do fórum ficou puto da vida com a entrevista e por ser representado por esse ser. Doreen foi “demitida” como moderadora do fórum. Sim, ela não conseguiu segurar um trabalho que não pagava nada, mesmo querendo continuar.

Se você viu a entrevista, percebeu como nem mesmo a imagem de Doreen contribuiu. Estava num quarto escuro, parecendo que tinha acabado de acordar, e o elefante na sala: visualmente era um homem de cabelo comprido. E eu digo elefante na sala não porque ser trans é um problema pra mim (pro espectador da Fox News é), mas porque pareceu que até mesmo no seu processo de virar mulher faltou esforço.

E imagem conta. O combo Doreen foi desastroso para o fórum que representava. Mas, isso não era previsível? E aí que entramos no ponto mais profundo desse texto: o fracasso da entrevista estava na cara, mas as pessoas responsáveis por escolher Doreen perderam a capacidade de perceber coisas básicas por questões ideológicas.

Pessoas são muito mais complexas do que uma categoria ou outra. E mesmo que você tenha a melhor das intenções em dar voz ou visibilidade para categorias consideradas oprimidas, não dá para ignorar o ser humano que está por baixo daquele rótulo. Doreen se identifica como transexual e como autista. Não era um segredo. Acharam que seria lindo dar uma função de poder pra ela, mas na vida real a bolha explode…

Doreen tem todas as características de perdedora. 30 anos nas costas e você passeia com cachorros? Se fosse uma pessoa chateada por não conseguir ir além disso, muitos de nós teríamos empatia; mas quando Doreen demostra que está tudo bem e na sequência diz que somos preconceituosos contra pessoas preguiçosas, não há empatia que segure. Isso é, na vida real. Porque na bolha da Reddit, ela era defendida por estar em categorias “protegidas”. Ninguém falava a verdade, por medo de parecer transfóbico ou preconceituoso.

A pessoa claramente tem problemas para se adaptar à sociedade, para a maioria de nós, conta como alguém encostado e de baixo valor como ser humano. Não quero que ela sofra, até por isso não consigo deixar de olhar para as coisas como elas são: fora da bolha, Doreen passa uma péssima mensagem sobre qualquer grupo que represente. E não é preconceito depois daquela aparição, é a imagem passada.

E o pior é que dificilmente essa pessoa vai melhorar. Vai ter muita gente defendendo-a, passando a mão na cabeça. Já virou escândalo no fórum que ela foi retirada e logo depois uma conta desconhecida ganhou sua vaga. Acreditam que os outros moderadores tenham simplesmente a colocado de volta. Pra muita gente, a ideia de apoiar incondicionalmente qualquer pessoa que julgam classe protegida é tão forte que o conceito de melhoria pessoal não existe mais.

“Você é perfeito como é.”

Não, não é. Você é um saco de defeitos como todos nós. E essa coisa de tentar suprir os problemas sociais com aceitação não ajuda as pessoas no longo prazo. Acabamos com Doreens indo para o mundo e passando vergonha. Ela serve como um exemplo muito prático do que acontece com gente enganada por esse tipo de “aceitação egoísta”. Os outros exploram ela mentindo que ela é perfeita para se sentirem seres humanos melhores.

Não se coloca um surdo para transcrever um discurso falado, não se coloca uma mulher de 50 quilos para carregar saco de cimento… tem milhares de coisas que não são condizentes com as condições de várias pessoas. E não tem inclusão que dê conta disso. Até porque esse não é o objetivo da inclusão, inclusão é sobre oportunidades iguais, não sobre resultados iguais.

Não seria legal se Doreen fosse capaz de aparecer na entrevista e tivesse sido ignorada por ser trans, mas não tem nada de mais analisar a pessoa e concluir que ela não dá conta do recado. O medo da acusação de transfobia está criando um ambiente pra lá de tóxico para as próprias transexuais. Perceba a maldade do processo: a pessoa começa a enxergar que existe uma comunidade extremamente feroz na defesa de seus integrantes, e que tem por definição a aceitação de quem se sente deslocado na sociedade.

Pessoas cheias de problemas podem ser cooptadas a “pagar o ingresso” para entrar no grupo. Não me parece coincidência que tenhamos tantos exemplos de transexuais com características obviamente masculinas e no máximo um arremedo de vaidade feminina em comunidades online do tipo. A pessoa pode não ter condições ou empenho para fazer a transição, mas sabe que basta dizer que é trans e vai ser aceita pela comunidade. Deixa o cabelo crescer, toma uns hormônios e boa.

Ironicamente, falta o trabalho necessário. No Brasil, ainda vemos uma maioria de transexuais e travestis que ralam para ficar bem femininos. Podem até exagerar ou terem gostos extravagantes, mas o problema não é falta de esforço, muito pelo contrário. Mesmo quem tem problemas para aceitar a ideia de transexualidade sente um respeito inerente à dedicação.

Mas em países ricos, especialmente nos EUA atualmente, vemos mais e mais homens de meia idade com uma série de problemas pessoais botando uma peruca, passando batom e dizendo que são trans. E dizer isso não tem nada a ver com dizer que transexuais não tem direitos humanos, é só perceber a realidade. É como eu começar a jogar bolinhas de papel no lixo e dizer que sou jogador de basquete.

Eu temo que essa epidemia de “oprimidos oportunistas” comece a se tornar uma pandemia. Quando você tira as barreiras de entrada num grupo que prega defesa ferrenha de seus membros, vai atrair gente podre querendo te usar de escudo e vai atrair pessoas extremamente problemáticas, o que normalmente presume falta de qualquer traquejo social ou capacidade de autoavaliação.

Acho bonito que um grupo tente proteger e valorizar pessoas que não teriam muita chance “lá fora”, mas quando você perde a mão e coloca essa mentalidade inclusiva acima da lógica básica, acaba com uma figura bizarra como Doreen te representando. Acho que nem seja culpa da pessoa, ela não tem noção da imagem que passa, e provavelmente nunca vai ter por limitações próprias. É culpa de quem achou bonito expor esse ser para o mundo todo ver.

Não só fez uma pessoa incapaz passar vergonha, como ainda explodiu a credibilidade de um movimento muito maior que essa lacradinha. Doreen virou a piada-mór do movimento anti-trabalho. O que as pessoas que são contra vão usar para desvalorizar muitos dos protestos razoáveis derivados daquela comunidade.

Como a Sally sempre diz: não há crescimento na zona de conforto, e não há conforto na zona de crescimento. Todo grupo que colocar aceitação acima de seus objetivos reais tende a ser representado pelos seus piores exemplos. Quem lacra…

Para clicar no demoji nazista, para dizer que isso é problema de gente rica, ou mesmo para dizer que sempre foi anti-trabalho mas não abre mão do salário: somir@desfavor.com

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Comments (16)

  • Ativismo de sofá termina assim.

    Não adianta xingar muito no Reddit, “mimimi Biden não vai perdoar minha dívida estudantil mimimi sou graduado cadê meu super salário mimimi jeff bezos malvado”, e delegar a responsabilidade da ideia que afeta sua vida a outrem que você sequer conhece.

    Simplesmente deve-se criar modelos que seja diferente do que tanto reclamam. Não tem mais o que melhorar. É hora de aceitar que o mercado de trabalho atual está morrendo e vislumbrar algo novo. Ou continuaremos com a Doreen pelas longas andanças em círculos…

    • Com a ideia certa, esse movimento antiwork poderia virar uma forma de pressionar empresas, criando uma espécie de sindicato não oficial, impossível de pressionar, mas que usa “cancelamento” para conseguir resultados para trabalhadores.

      Mas, se o povo que é anti-trabalho por preguiça ou inadequação social estiver na frente do movimento, não acho que dê para fazer isso.

  • Dog walker? Isso é literalmente um trabalhinho temporário pra adolescente ganhar uns trocados pro cinema ou pizzaria no fim de semana. Aliás, precisamos falar sobre como hoje em dia qualquer pessoa meio estranha ou introvertida é chamada de autista. É um puta desserviço.

  • Apesar da entrevista ridícula, a crítica ao mercado de trabalho e à cultura corporativa continua sendo válida. Não entendo por que liberais fazem tanta questão de ficar na internet defendendo empresas que veem eles como ferramentas descartáveis. Funcionários sobrecarregados, sofrendo todo tipo de abusos e chantagens, sem descanso nem pra ir ao banheiro, um monte de denúncias vindo à tona, mas pela lógica liberal a simples menção a direitos básicos é coisa de comunista preguiçoso. “É só mudar de emprego” sim, porque todo mundo tem condições de passar meses desempregado e empreender é super fácil e dá lucros imediatamente.

    • Eu deixei um demoji de comunista pra você? Eu deixei. Mas eu concordo. O movimento não deveria ser ferido por essa entrevista pelo mérito, mas cometeram esse erro crasso.

  • Me admira que esse movimento não tenha começado no Brasil. Nos Estados Unidos, com todos os problemas, ainda tem oportunidades e liberdade pra crescer.

    Já o Brasil é um triturador de talentos. Só dá pra ser funcionário público, dependente de auxílio, ou bandido mesmo. Quem tenta fazer diferente é engolido por impostos e leis meticulosamente projetadas pra sabotar o cidadão.

    • Muito se engana quem acha que não tem pobre nos EUA, porque só precisa de gente pobre para ter alguma forma de exploração. Melhor ser explorado nos EUA do que na China, é claro, mas a iniciativa livre deles vem com baixa proteção do trabalhador também.

  • “e ela diz que queria ser professora de filosofia. O apresentador começa a dar risada.”
    Se o problema fosse só jovens sonhadores querendo que o governo crie do nada empregos “inúteis” pra eles, as críticas dos velhotes seriam válidas. Mas um breve passeio pela internet, ou conversas com jovens na vida real, e você encontra relatos de pessoas formadas até em profissões “úteis” e supostamente com alta demanda (programação, tecnologia etc.) reclamando e desabafando sobre desemprego. Vai achando que tem vagas remotas de 5000 dólares por mês pra todo mundo…

    • Pois é, tem validade no movimento. Era pra botar alguém “tradicionalmente capaz” para falar dele, porque vinha bomba da Fox News de qualquer jeito.

      • Branca de Neve Pornô

        Será que ao menos agora essa turminha se toca do estrago que são essas malfadadas “Olimpíadas da Opressão”?

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