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Colunas

Ana Hickmann

No último sábado a apresentadora Ana Hickmann registrou um boletim de ocorrência contra seu marido por agressão e ameaça. Não vou me estender da descrição dos fatos, pois o assunto foi bastante divulgado. Quero falar da reação das pessoas. Como sempre, a reação do brasileiro aos fatos costuma ser ainda pior do que os próprios fatos.

Muitos desfavores brotaram com total naturalidade e sem o menor constrangimento. Vamos analisar alguns deles?

O primeiro foi politizar o impolitizável. “Casou com bolsonarista, queria o que?”. Nessas horas, aquele discurso incisivo de não culpabilizar a vítima é deixado de lado, né? Curioso.

Mas, mais curioso do que isso é tentar empurrar goela abaixo das pessoas esse discurso infeliz de que só um lado bate. Quando um bolsonarista protagoniza algum ato infeliz, “só podia ser bolsonarista”. Porém, quando ele parte da esquerda, não se escuta nada, no máximo um “caso isolado”.

Pois adivinha só: o Brasil é um país no qual se respeita muito pouco mulher, independente de quem a pessoa tenha votado. E se machucar bolsonarista ou mulher que casou com bolsonarista, a mulher não será acolhida, pois ela “sabia onde estava se metendo”.

O pessoal de esquerda bate, inclusive e principalmente em mulher. Mas quando o fazem, ninguém vincula política. Ou por acaso alguém viu manchete de jornal dizendo que “petista quebra fêmur de idosa na rua”? Não, claro que não. Eles são do bem, eles são do amor. Estabeleceu-se a narrativa de que o homem de direita é violento e o de esquerda é um querido. E isso está longe de ser verdade. Muito pelo contrário.

Fato é que as mesmas feministas que berram com a gente quando apontamos que uma mulher completamente bêbada não deve subir em um Uber estão desdenhando do ocorrido com Ana Hickmann, com frases como “também, né?”, “queria o quê?” ou “sabia muito bem com quem estava”.

E essas mesmas filhas da puta militarão novamente como arautos da defesa das mulheres assim que lhes for conveniente e alguém da sua bolha de afeição sofrer a exata mesma agressão. Aí será covardia, absurdo, um caso seríssimo.

Outro desfavor inacreditável são os “arquitetos de obra pronta” apontando que o marido dela deu indícios de que era agressivo, resgatando vídeos antigos de redes sociais. Pessoas que a estão tratando de burra, de idiota, ridicularizando por terem percebido que seu cônjuge não era boa pessoa.

Como é fácil falar depois que a merda aconteceu, não é mesmo? Como é fácil falar quando não estamos turvados pelo emocional, envolvidos no relacionamento. Não tem coisa mais fácil do que resolver a vida alheia.

Eu até acredito que este senhor tenha dado sinais de algum desequilíbrio, mas 1) um vídeo de 15 segundos sem contexto dificilmente permite afirmar algo e 2) eu quero ver qual é o discernimento desses espertões que estão dizendo que era muito fácil perceber quando eles estão emocionalmente envolvidos na situação.

Repito: pode ser que alguns vídeos sejam realmente um indício de que o cidadão não estava bem da cabeça, mas afirmar isso categoricamente? O sujeito acabou de passar por um câncer, ele tinha o direito de ter um dia ruim de muito mau humor e eventualmente transbordar isso para pessoas próximas. É certo? Não. Mas é humano. Eu sinceramente duvido que essa turma do “era óbvio não viu porque é burra” nunca tenha passado por situações parecidas, de levar um fora ou uma frase ríspida do parceiro.

“Mas Sally, você está passando pano para o homem que trata mal a mulher?”. Não, não estou. Acho inclusive que é nesse ponto que o relacionamento tem que acabar: quando se falta com a polidez, com a educação, com o respeito, pois acho que é uma porta que não se fecha mais (por mais que o outro jure que vai fechar) e a coisa só piora daí para frente.

O que eu estou dizendo é: um vídeo de poucos segundos fora de contexto não deveria autorizar a que pessoas que nem conhecem o casal tenham todas as respostas a partir daquilo, desfilem certezas e pior, chamem a mulher de burra.

E aí entramos em outro desfavor: brasileiro adora quando rico se ferra. E Ana Hickmann sempre ostentou, sempre postou fotos e vídeos da vida de luxo que leva. No Brasil, ser rico é crime. Brasileiro sente uma inveja doentia e adora difamar pessoas ricas. Brasileiro comemora quando rico se fode. E isso ficou bem claro nesse caso, com comentários no estilo “tá vendo? Não adianta ser rica, não faz diferença”.

Faz sim. Ana Hickmann leva sim uma enorme vantagem por ser rica (diga-se de passagem, merecidamente, pois sempre trabalhou muito) e desacreditar isso é virar as costas para a realidade. Ela tem a opção de se separar do marido sem perder qualidade de vida, sem passar necessidade, sem ter que sair para trabalhar em dois empregos pois não consegue se sustentar.

Ela pode pagar o melhor psicólogo, o melhor advogado, ela pode ir curar as dores em qualquer lugar do mundo. Ela pode fazer todos os procedimentos estéticos para ficar belíssima (mais do que já é) e ter praticamente o homem que quiser. Então, pensar que ela se ferra tanto quando a Dona Maria que apanhou por deixar queimar o feijão é um desserviço. E ficar espalhando isso como verdade pode ser muito bem aceito, pois converge para o desejo oculto do brasileiro de acreditar que rico não é feliz, mas é negar a realidade.

Teve também o desfavor de atenuar algo inaceitável. Se um vídeo de 15 segundos do sujeito sendo meio ríspido não é suficiente para presumir nada, uma agressão confessa é. No entanto, muita gente, inclusive o próprio marido dela, saíram com o discurso de que o evento não teve “maiores consequências”. Quer dizer que para uma agressão ser condenável ela tem que quebrar um osso, deixar sequelas ou matar alguém?

O ato de agredir é condenável, mesmo que não deixe uma única marca. O marido se apressou em desmentir que não deu uma cabeçada nela e que a situação não gerou “maiores consequências”, como se isso o eximisse de um ato tão reprovável.

Muitas pessoas, ao ver a aparição pública de Ana Hickmann, fizeram pouco caso com frases do tipo “olha lá, tá andando, não tem nenhum roxo, não foi nada!”. Quer dizer que só é válido se indignar se a mulher aparecer toda arrebentada em uma cadeira de rodas?

Pelo visto, torcer o braço de uma mulher até ela ter uma contusão no cotovelo (e eu só afirmo que a agressão aconteceu pelo fato do próprio marido ter confessado a agressão) não é nada. É aquele esquema do goleiro Bruno: “quem nunca saiu na mão com uma mulher?”.

A verdade é que o conceito de agressão física é muito flexível no Brasil. E de agressão verbal nem se fala, esta é totalmente liberada e se a outra pessoa se incomodar, é histeria, é besteira, é tempestade em um copo d’água. Parece que só é agressão física relevante se fizer um estrago muito grave no corpo da outra pessoa.

Mais um desfavor: os “resolvedores” da vida alheia. Gente que se dedicou a bostejar sobre o que Ana Hickmann deveria ou não fazer. “Não pode separar tem que pensar nos filhos”, “não deveria ter tornado isso público por causa da carreira” e muitos outros comandos que já seriam totalmente descabidos para qualquer pessoa de fora do acontecido, muito mais para completos desconhecidos. Como foi dito no começo do texto: resolver a vida alheia é a coisa mais fácil do mundo, não é mesmo?

O que me espanta é que as pessoas não têm vergonha, constrangimento ou pudor de sair afirmando o que o outro tem que fazer. Isso é pior do que o afirmar em si. Isso mostra uma falta de noção, de adequação, de bom-senso e educação que assustam. O brasileiro médio é animalesco. É uma tosquice mental tão gritante que ele não tem nem ao menos a percepção básica de que esse pensamento não deve ser compartilhado.

O que nos leva a mais um desfavor: as pessoas viraram detetives caçando o passado do casal. Não é só sobre vídeos onde o sujeito aparece tendo uma conduta duvidosa, as pessoas passaram um pente fino em anos de postagens de ambos, extraíram falas, fatos e eventos que acharam relevantes e estão debatendo. Quanto tempo livre essas pessoas têm?

Como será que está a vida das pessoas que estão fazendo isso? Será que está mesmo tudo em dia? Contas no azul, filhos muito bem-educados e com todas as necessidades atendidas, relacionando saudável, idoso da família bem cuidados, aprimoramento profissional no patamar máximo, saúde mental nota 10, saúde física nota 10, atividade física em dia, casa limpa e bem cuidada, dormindo serenamente sem remédios? Sem vícios? Paz de espírito?

Com certeza não. Com certeza a vida da pessoa tem que estar uma merda, um caos, uma desordem muito fodida para ela precisar se distrair olhando para a vida alheia. Estas pessoas vão olhar para a própria vida e para as próprias questões e melhorar? Claro que não. Vão fuçar a vida da Ana Hickmann e se regozijar com sua danação.

Pois adivinha só? Ana Hickmann é bonita, talentosa e bem-sucedida, se ela quiser, em seis meses está de vida nova muito bem, obrigada. Enquanto os fodidos que dedicaram tanto tempo à vida dela estarão chafurdando na exata mesma merda na qual se encontram hoje.

E, dentre todos os desfavores, o mais curioso na minha opinião é que todas essas pessoas que fizeram todas essas babaquices citadas também são as mesmas que dizem “Não entendo porque as mulheres não denunciam agressão”.

Provavelmente as mulheres não denunciam por uma série de motivos: medo de não acreditarem, medo de nada acontecer (e de fato geralmente nada acontece), dependência financeira, dependência emocional, medo de irritar ainda mais o agressor e piorar a situação… mas, com certeza as posturas narradas neste texto também são motivos que pesam para não denunciar.

Uma mulher que está nessa situação está fragilizada, está confusa, está triste e certamente não tem estrutura emocional, vontade e força para lidar com essa pá de merda, com esse julgamento massivo, com tanta gente falando bosta no meio de um momento tão confuso.

Isso quer dizer que ninguém pode opinar? Não. Quando uma pessoa opta por expor sua vida publicamente por décadas, ela sabe que isso vai acontecer e faz parte do pacote. Todo mundo pode opinar, com de fato fizemos em vários momentos deste texto.

O que não pode é afirmar categoricamente coisas que ninguém tem condições de saber sem conhecer o casal. O que não pode é culpar a vítima. O que não pode é afirmar que ela é isso ou é aquilo se não tiver esta ou aquela atitude. O que não pode é ir no perfil dela cobrar que ela faça tal coisa. O que não pode é vasculhar a vida da mulher e fazer disso um debate.

E, principalmente, o que não pode é politizar a agressão de uma mulher. Quem vincula esse caso ao Bolsonaro não está nem um pouco preocupado com a causa feminina, está preocupado em alimentar seu viés de confirmação, em fazer política e em polarizar às custas de uma mulher agredida.

Deveriam ter vergonha de fazer isso. Deveriam ter vergonha de subir na cabeça de uma mulher agredida para fazer palanque, ainda por cima mentiroso, pois o que mais tem é esquerdomacho sentando a porrada e metendo o chifre em mulher.

Usar a tragédia alheia para provar seu ponto às custas de gerar mais sofrimento para as vítimas é feio, é baixo, é vil. Mas o brasileiro médio está num patamar tão rudimentar que não percebe isso e não percebe sequer o quanto pega mal fazer isso. Simplesmente lamentável. Te convidamos a não participar desse evento.

Para dizer que o Desfavor já foi mais divertido falando sobre esse tipo de coisa, para dizer que duvida mesmo o marido tendo confessado que agrediu ou ainda para dizer o que a Ana Hickmann deveria fazer: sally@desfavor.com

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brasileiro médio, redes sociais, subcelebridades, violência

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