O brasileiro é violento.

Conforme avisado no texto de sábado, cá estou eu desenvolvendo mais o tema: a imagem que temos do brasileiro como um povo plácido e amistoso é uma farsa. Vivemos num dos países mais violentos do mundo, cuja população se espanca e mata numa proporção assustadora. Está mais do que na hora de aceitar e lidar com o fato de que o brasileiro é muito violento, e isso precisa de uma resolução.

Quando puxamos os dados sobre o número de homicídios intencionais por ano, o Brasil é campeão mundial faz tempo. Quando adaptamos esse número na proporção a cada 100.000 habitantes, ficamos entre os 20 primeiros colocados. Existem diversos fatores que contextualizam esses números assombrosos e vamos falar disso no texto, mas não tem como tirar o componente cultural especificamente brasileiro dessa análise.

Violência é tolerada e até glorificada neste país. Faz parte do pacote de pessoa “forte” no Brasil ser violento no que pensa, diz e faz. Gente que grita, ameaça e parte para a briga não é afastada do convívio social pelo Estado nem mesmo silenciosamente ignorada pelo resto do povo em rejeição, é celebrada como alguém que consegue o que quer e não leva desaforo para casa.

Se todo mundo cresce num país onde as regras do jogo beneficiam violência, é natural que muita gente se adapte para vencer as constantes disputas de interesses que surgem na vida em sociedade. Agressão funciona, e quem aprende a viver assim não consegue sequer entender que existem outras formas de lidar com a vida. Até porque se você for o único que parar com agressão num meio de pessoas agressivas, a tendência é que você seja a vítima dessa violência toda.

Demorou muito para eu entender que ter sido criado numa família que não praticava agressividade me colocava em desvantagem em relação às outras crianças bem mais bestiais. Boa parte das minhas dificuldades de socialização na infância e adolescência eram resultado de parecer mais fraco que meus pares por não agir de forma agressiva. Foi só na vida adulta que eu realmente peguei o jeito de me adaptar a esse tipo de comportamento e saber como baixar a fervura do brasileiro médio antes de lidar com ele.

A pessoa agressiva tem medo de ser vítima de outros agressores, afinal, se ela age dessa forma, é bem provável que tenha aprendido que é matar ou morrer nessa vida. Se você conseguir tirar dela o medo de “morrer” nas suas mãos, as suas chances melhoram. É o tipo da coisa que só experiência ensina, e é claro, tudo fica mais fácil quando você é um homem branco maior que a média desnutrida do país. O que funciona para mim pode não funcionar para você. Mesmo com a melhor das intenções, eu projeto alguma força física e proteção social com a minha aparência.

Mas isso é só um exemplo, afinal, o foco deste texto é sobre eu precisar ter uma estratégia para lidar com a violência do brasileiro médio. Todo mundo tem que aprender a se defender e não ser oprimido facilmente pelo outro, mas daí a precisar saber como lidar com babuínos raivosos para funcionar em sociedade é um salto que denota fracasso na construção da sociedade brasileira.

Não tem guerra aqui, as fronteiras são estáveis e nossos vizinhos incapazes de nos ameaçar. O país é feito de índios que foram massacrados, escravos e imigrantes aleatórios do mundo todo, gente que não tem disputas históricas por território ou religião nesta terra. Todo o caos social brasileiro é fruto de convivência relativamente recente e péssimas decisões políticas. O brasileiro médio é pardo, cristão e pobre. Uma amálgama de povos e culturas sem uma definição muito clara de comportamento tribal.

Digo isso porque não é como na África onde pegaram tribos rivais há milênios, traçaram linhas aleatórias ao seu redor e disseram para eles que viviam no mesmo país. Isso aqui era mato e foi ocupado. Não é Oriente Médio onde a humanidade briga desde o nascimento das civilizações e onde as grandes religiões modernas surgiram. As Américas são violentíssimas sem razões claras para o comportamento.

Porque sim, os latinos são os primeiros em violência em todos os ranques, só entra um ou outro país africano no meio. Eu entendo isso como uma cultura que se desenvolveu num ciclo: geração violenta criando uma nova geração violenta. Não se pode ignorar os fatores socioeconômicos, é claro, foram todas colônias de exploração e destino de pessoas que não tinham mais lugar em suas terras natais. A Europa não mandou seus melhores para um antro de doenças tropicais e quem veio da África veio forçado. O Brasil deu um pouco mais de sorte com árabes e japoneses, que mandaram para cá gente interessada em desenvolver a terra e a economia locais; mas o grosso da população nunca morreu de amores pela ideia de estar neste país.

Mas também não quer dizer que seja estar na América Latina seja uma sentença inescapável de violência. A Argentina é absurdamente melhor que o Brasil nesse quesito, e é talvez o país mais próximo do Brasil em estilo de desenvolvimento desde a chegada dos europeus, até por causa do tamanho. Eles podem ser problemáticos na economia, mas estão duas vezes mais próximos da Nova Zelândia em violência per capita do que estão do Brasil.

É claro que não se pode ignorar desigualdade social nessa análise de violência, mas se a gente ficar só nisso, nunca vamos tratar da cultura de violência que existe neste país. Quem vive aqui sabe que sempre se está a um segundo de alguém entrar em modo insano e começar a gritar, que qualquer fechada no trânsito pode virar um assassinato, que dizer não para um homem pode ser sua última palavra em vida… (e começam a aparecer mais mulheres fazendo isso também, viva a igualdade!)

É cansativo viver com a sensação que qualquer pessoa pode explodir a qualquer momento, é viver num campo minado de desequilíbrio mental, sempre preocupado onde você vai pisar. Isso vai acumulando. Se você está sempre acuado esperando que alguém vá ser agressivo com você, sua agressividade fica à flor da pele. Raros são os lares onde as pessoas aprendem a lidar com os outros de forma racional e controlada, onde ninguém grita, ninguém acha que está sendo passado para trás, ninguém… se agride.

Então entramos nesse ciclo: o brasileiro é violento porque o brasileiro é violento. E o brasileiro é violento porque o brasileiro é violento. Passamos quase todo o texto tentando explicar isso, mas aí entra a questão mais curiosa: se toda vez que fazemos pesquisas sobre o maior problema do Brasil o povo diz que é segurança e a forma brutal como a maioria quer resolver isso simplesmente não está resolvendo… o que faz com que as pessoas não consigam acordar?

O brasileiro vai responder que violência é um dos maiores problemas da sociedade, mas também vai dizer que não acha que o seu povo é violento. Vem cá, de onde estão vindo esses assassinatos e casos horríveis de agressões, estupros e assaltos violentos então? Tem um disco voador trazendo alienígenas extremamente agressivos para cá? É tipo Gremlins e toda vez que um brasileiro toma banho sai um clone maligno correndo do banheiro?

Essa dissonância entre saber que vive num lugar cheio de violência e não se achar violento é garantia de fracasso em qualquer tentativa de mudar a sociedade tupiniquim. Nem mesmo as religiões estão ajudando: o discurso que mais vende atualmente é o de ficar rico, não de ser uma pessoa mais pacífica e tolerante. E tem mais, mesmo que o Brasil tenha facções criminosas enormes, primeiro que não são feitas de japoneses ou holandeses, são todos brasileiros; e segundo que elas não explicam as milhares de mortes por briga em bar, trânsito e crimes passionais que lotam nossas páginas policiais.

Quem acha que não é violento se sente justificado ao ser violento. Afinal, se você não é de fazer isso normalmente, a fúria momentânea só pode ter sido provocada por algo muito fora do padrão, né? A pessoa agride e depois fica cheia de justificativas para se convencer que foi obrigada a isso, que não tinha outra escolha. Quase sempre você tem uma escolha pela não violência. Ela é mais difícil de bancar no começo, mas a sua chance de morrer à toa por causa de um brasileiro ainda mais babuíno que você desaba.

É importante lidarmos com o fato de que vivemos numa sociedade muito violenta e que isso nos impacta. Que agressividade é vista como algo positivo e vivemos vendo casos de reforço positivo por causa desse comportamento. Você corre um sério risco de ser muito mais violento do que deveria ser, e nunca perceber como isso está errado porque se compara com gente completamente incapaz de viver em sociedade e também porque gostemos ou não, num país onde todo mundo quer falar grosso, quando você faz isso ganha respeito.

O ambiente incutiu em todos nós brasileiros a ideia de que violência e agressividade são mais eficientes do que realmente são. É um vírus que se espalha pelo ar, mas que não dá sintomas óbvios até você estar macaqueando pelo motivo mais desnecessário possível. E quando acontece, se você não estiver atento, corre o risco de achar que não exagerou e que era assim que deveria resolver as coisas mesmo. Numa sociedade brutalizada, você ganha disputas de agressividade mais ou menos como um cachorro ganha do outro rosnando mais alto. O brasileiro respeita até demais quem é mais “bravo” que ele, a pessoa honestamente aceita a dominância e fica um amor com você.

Tem reforço positivo demais em ser violento no Brasil e tem uma ilusão bizarra que somos o estereótipo internacional de mulata inocente que dança na praia ao invés de um dos povos que mais mata, agride, estupra e tortura no mundo. O número altíssimo de assassinatos não é algo que caiu de paraquedas aqui, é resultado direto da índole violenta do povo.

E não vejo nenhum esforço em fazer a gente lidar com isso. Se o brasileiro não aceitar que é violento, nunca vai tentar deixar de ser. E se esse povo não deixar de ser violento, nunca vai parar de traumatizar crianças até elas se tornarem igualmente violentas… e assim por diante enquanto continuamos com essa barbárie.

O brasileiro é violento. Pode até não ser culpa dele ter ficado desse jeito, mas isso é motivo para nunca tentar melhorar?

Para me xingar, para me ameaçar de morte ou mesmo para dizer que a culpa é dos outros que te irritam: comente.

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Comments (20)

  • O mais engraçado é que fora do país todos sabem que o Brasil é violentíssimo. Os belgas desisitiram ou morrem de medo de vir pra cá.

  • É muito sociopata per capita. E pior, saindo impune graças a decisão de outros sociopatas. Como este país ainda funciona eu não sei.

    PS.:Estou enojada com o caso recente do suíno de 20 anos que foi absolvido após ter abusado uma menina de 12 anos

    • Pensa que isso foi graças a pauta política da “direita” problematizando com a questão do aborto.
      Livraram a pele do cara pra não concederem o direito ao aborto pra moçoila. Pensa.

  • Oi Sally; Somir!
    Feliz em saber que estão vivos e em liberdade. Ainda não mataram ninguém ou ao menos esconderam bem os corpos.

    Abraços nostálgicos.

    • A idade chega e a gente fica mais pacato. Arrastar corpos é terrível para as costas. Nossa comunidade está cada vez menos… agressiva.

      Abraços!

  • Suspeito que esse post deve ter recebido ou vai receber comentários raivosos “NÃO SOMU ASIM NAUM PORRA ESCREVE ISSO DE NOVO ESPERO QUE VOSSE MORA” que não serão aprovados…

  • “Ain, mas em todo lugar tem violência”. Essa é a resposta padrão quando se tenta falar nesse assunto no Brasil. E se vc insistir que o nível e quantidade de violência é diferente em outros países a pessoa fica brava, levanta a voz e só falta bater em vc.

    • Esse tipo de falácia também aparece aos montes nos comentários aqui: é implicância, violência tem em qualquer lugar. Como se tivesse na mesma quantidade, no mesmo nível de crueldade. Em nenhum país minimamente desenvolvido se encontra o patamar de violência que tem no Brasil.

      É só olhar as estatísticas. Não é normal que (segundo a ONU) o Brasil seja o país com maior número de mortes violentas do mundo, superando país em guerra.

      • Os negacionistas do Rio de Janeiro são a mesma coisa: violência tem no Brasil todo, assalto acontece em qualquer lugar… Puta que pariu.

        A pessoa acha normalíssimo viver apavorado(a) e não poder ter nada de valor e quem questiona é “”derrotista”” ou qualquer outra merda do tipo

        • Conheço gente que finalmente conseguiu sair de lá e, depois de uma vida inteira tomando cuidado com tudo e todos o tempo todo, até estranha a sensação de poder andar pelas ruas em qualquer hora sem ter que ficar sempre com o cu na mão.

          • Vale para todo o Brasil: a gente só percebe o grau de restrição e estresse no qual vive quando vai morar em outro lugar melhor. Quando se está dentro se percebem as dificuldades mas não dá para mensurar o quanto isso nos impacta de forma negativa.

  • Apesar do problema da violência e desigualdade, argumento que Argentina, Brasil e talvez México continuam sendo os países menos ruins do dito “terceiro mundo” pra se nascer. A relativa estabilidade política e proximidade cultural e linguística com os países ocidentais acaba compensando.
    Os países do sul asiático, por exemplo, podem até dar um banho na gente em termos de segurança pública e crescimento econômico, mas ainda são muito isolados por causa do idioma e da religião. E ainda sofrem com governos autoritários, disputas territoriais de verdade (não só ameaçinha), densidade demográfica absurda e cultura babaca de trabalhar e estudar até a morte.

    • Pelo amor de Deus, Argentina está mais de 40 posições na frente do Brasil em IDH.
      É Uruguai, Argentina ou Chile.

      • Chile eu concordo, mas o Uruguai dizem que não é tão bom pra gente jovem, população envelhecida, preços caros e poucas oportunidades de crescimento. O Brasil tem alguns lugares decentes, tipo, tem cidades no interior de São Paulo com IDH 0,800 pra cima enquanto tem cidades no interior do Pará com IDH menor que o do Afeganistão. Enfim, um país composto de vários países.
        De qualquer forma, IDH não é pra ser levado tão ao pé da letra. Tem um monte de teocracia islâmica quase no topo da lista e eu não moraria nesses países nem a pau. Sei lá, acho que é mais sobre a experiência pessoal de cada um, tem gente falando bem e falando mal dos mesmos lugares.

        (Foi você que escreveu o texto, Sally? Lá no “autor” está dizendo que foi o Somir, teve algum bug?)

    • A tendência pro Brasil é ficar com a violência dos piores rincões do México combinada a economia periclitante da Argentina, o que na prática é o pior dos dois mundos.
      Entre Uruguai, Argentina e Chile, o melhor é o primeiro. Apesar dos três apresentarem economia semidolarizada, o primeiro é o em condição mais saudável.

  • Uma das coisas que mais me assusta no brasileiro médio atualmente é que as pessoas parecem ter uma dificuldade muito grande para enxergar outras pessoas como seres humanos. Ou talvez elas simplesmente não queiram. E quando você não enxerga seu semelhante como ser humano, fica mais fácil ser violento. Isso é tão generalizado que chega a ser arriscado você tentar conversar racionalmente chegar a um acordo com alguém assim.
    Fico com vontade de intervir sempre que vejo mães e pais batendo em crianças ou narrando, com prazer, que baterão quando chegarem em casa simplesmente porque a criança pediu um salgado ou chorou, imagine que tipo de adulto essa criança vai virar no futuro. Fora a histeria punitiva contra todos que desagradam aquele indivíduo em particular, ainda que ele faça a mesma coisa minutos depois. Sinceramente, não consigo enxergar uma saída viável que não demore décadas para funcionar.

    • Crianças, idosos e cães apanham demais no Brasil. Apanham por nada, por falta de paciência, por serem mais fracos.
      É de uma covardia absurda.

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