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Substituição racial.

Substituição racial.

| Somir | | 10 comentários em Substituição racial.

Semana passada, um jovem invadiu um supermercado nos Estados Unidos e assassinou 10 pessoas. Segundo o manifesto que deixou, a motivação era claramente racista: o rapaz acreditava que havia um plano maligno de extinção da raça branca no mundo, e que precisava lutar contra isso atacando as outras raças. Maluco? Claro. Gente que sai atirando em pessoas aleatórias é sempre maluca, mas dentro da cabeça do maluco, sempre tem algum motivo. De onde ele tirou esse motivo?

Se você anda pelos cantos errados da internet ou se foi exposto à máquina de propaganda reacionária dos EUA e de boa parte da Europa, sabe que existe uma teoria de que “entidades poderosas” (judeus, bilionários, satanistas, reptilianos) têm o objetivo secreto de eliminar as pessoas da raça branca e substituí-las por pessoas de outras etnias.

Mas as pessoas que defendem essa ideia raramente são tão explícitas como fui no parágrafo anterior. Se você tem um mínimo de noção sobre como o mundo funciona, sabe muito bem que não dá para falar algo assim e sair ileso. Por isso, existem várias formas de disfarçar essa ideia em pacotes mais palatáveis para o grande público. É provável que você já tenha entrado em contato com uma das variações desse discurso, mas sem perceber o que ele realmente queria dizer.

O assassino deixou escrito em seu manifesto o caminho que fez desde sua suposta ignorância sobre o tema até o ponto de radicalização que o fez acreditar que atirar em pessoas de pele escura sem a mínima chance de defesa era de alguma forma uma atitude construtiva. Disse que durante a pandemia, começou a ficar mais tempo diante da internet, e aos poucos consumir conteúdo reacionário da mídia americana, até chegar em lugares caóticos como o fórum político da 4chan e sites abertamente nazistas.

Quanto mais lia postagens e consumia memes, mais foi acreditando que havia sim um complô mundial para acabar com pessoas como ele. A diferença no caso do rapaz é que ele tinha parafusos soltos o suficiente e acesso fácil a armas de uso militar. Não é uma combinação feliz em qualquer sociedade.

Aqui, boa parte da mídia e do consenso politicamente correto chegam à conclusão que devemos banir armas e censurar a internet para resolver o problema. Mas nós somos o Desfavor. Nós sabemos que podemos ser contra o racismo, a insanidade política e a violência sem ignorar a realidade e achar que canetadas de políticos resolvem problemas num passe de mágica. Tem muito mais nessa história do que o texto apressado do estagiário do site de notícias ou do colunista querendo biscoito na rede social.

Esse tipo de problema não surge da noite para o dia, e nem é o mesmo tipo de racismo e intolerância que víamos no passado. Primeiro, a boa notícia: não dá mais pra sair sendo explicitamente racista (se você for branco) e pregando a superioridade da raça branca (das outras pode). Uma parte do problema está sendo corrigida sim, existe repressão forte para qualquer tipo de discurso público pregando supremacia racial branca. Ótimo, estamos no caminho certo. Agora, a má notícia: repressão sem educação não te leva muito longe. Parece que o modelo de lacração por lacração está encontrando seus limites de utilidade. Quem ainda defende ideais supremacistas brancos acha várias formas de mascarar o discurso e continua influenciando muita gente por aí. O que, inevitavelmente, acaba acertando em alguns malucos violentos.

Uma das formas de mascarar isso é defendendo valores cristãos tradicionais de países do primeiro mundo. Em tese, é sobre controlar tendências de degeneração de valores morais e políticos do “mundo ocidental”, na prática acaba sendo um bando de imbecis brigando contra o aborto e reclamando que imigrantes estão roubando seus empregos. O que já é suficiente para dar a primeira dose desse tipo de mentalidade distorcida do conservadorismo moderno.

Daí pra frente, é um buffet de conspirações e desinformação para quem quiser se empanturrar de paranoia. Alguns seguem para o lado do terraplanismo, outros se engajam mais com o movimento antivacina, mas também existe o caminho da teoria da substituição. Se você ficar nos meios mais habituais de comunicação, é mais provável que consuma a versão fast-food do conspiracionismo político de direita, mas se a pessoa quiser se aprofundar mais, especialmente na internet, os racistas raiz estão te esperando.

E aí, basta ter baixa capacidade de compreensão de texto ou desdém por informações verificadas para começar a temer a conspiração dos judeus, de começar a duvidar do holocausto, de começar a achar que querem eliminar as pessoas brancas da sociedade de forma cruel e violenta. O material está lá. Se você não souber questionar fontes ou ter um mínimo de conhecimento de história e sociedade em geral, pode sim acabar acreditando naquele papo.

E não ajuda nem um pouco que o outro lado, o lado progressista/lacrador, muitas piadas e provocações venham exatamente nessa linha de substituição racial. Não são raros cartazes e memes tirando sarro dos conservadores dizendo que eles serão substituídos, que vão acabar com a raça branca, que os netos deles serão marrons… várias mulheres brancas acham que estão lacrando horrores ao namorar homens negros e gostam de se posicionar a partir de seus relacionamentos.

Eu, como ser humano com mais de dois neurônios, posso até achar uma tática política furada fazer esse tipo de provocação, mas entendo como uma provocação e nada mais. E mais, acho totalmente parte do jogo: já escrevi um texto inteiro sobre essa mania da mídia de mostrar casais de homens negros com mulheres brancas, e como se preocupar com isso é uma imensa besteira, mesmo sabendo da infantilidade que é tentar atacar o “opressor” dessa forma, especialmente se por tabela objetificam o homem negro.

Então, ok, eu entendo que é do jogo provocar e debochar do imbecil que acha que sua raça é superior pela concentração de melanina, mas sem nunca esquecer que até pra entender provocação e deboche precisa de um pouco de Q.I. Coisa que por falta de educação ou mesmo problemas mentais como no caso do atirador da semana passada, pode estar muito em falta no público que você atinge.

Estou dizendo que a verdadeira culpa do atirador maluco é de quem fica fazendo piada com a teoria da substituição racial? Claro que não! A culpa do atirador maluco é da maluquice do atirador maluco. O que o atirador maluco escreveu em seu manifesto é culpa dessa mentalidade estúpida de guerra cultural típica da era na qual vivemos. Onde qualquer teoria sem sustentação pode virar uma batalha entre gente radicalizada.

Uma sociedade mais saudável em linhas gerais poderia evitar esse tipo de atentado, e isso inclui um pouco mais de atenção para quem se entrega um rifle militar (o que não significa culpar as armas, mas prestar atenção nas pessoas), além de ter mais ambientes na internet e na grande mídia que tentam desradicalizar a mente do cidadão médio. E isso não seria garantia de nada, como já escrevemos aqui várias vezes depois desses atentados, não se pode evitar 100% desses casos, gente descompensada existe por todos os lados e por pura probabilidade, uma delas pode resolver fazer mal para completos inocentes. Qualquer motivo serve para quem não tem mais conexão com a realidade.

Se você quer ajudar a proteger o mundo desse tipo de problema, eu sugiro não entrar nesse maniqueísmo de bem e mal travestido de direita e esquerda. Sempre que possível, exponha um ponto de vista mais calmo e focado em fatos, nem que seja para mostrar para outras pessoas que ele existe. Sou eternamente acusado de isentão, mas como acredito que escrevo textos que desencorajam radicalização, continuo servindo a um propósito que considero positivo. Um radical alimenta o outro, e quanto mais radicais entram nesse jogo, mais e mais ideias horrorosas como teoria de substituição dos brancos se tornam apenas mais um pequeno passo dentro de uma mentalidade bizarra.

Dito isso, os brancos estão sendo substituídos mesmo. Na maioria dos países com maioria de brancos, as novas gerações são cada vez mais misturadas. Os EUA vão se tornando um país latino, geração a geração. A Europa vai sendo inversamente colonizada pelo Oriente Médio e África. Os asiáticos estão cada vez mais presentes nas Américas. A tendência é que o número de pessoas brancas com pais brancos vá diminuindo com o passar das décadas e dos séculos.

Agora, muito se engana quem acha que isso começou há poucos anos atrás com o crescimento da esquerda lacradora. É um processo de longa data, que foram os europeus que começaram: os africanos, os indianos e os chineses não foram procurar a Europa, a Europa foi procurar eles. Quem meteu o bedelho na vida dos povos distantes foi justamente quem está esperneando agora que seus netos estão ficando mais escurinhos. Os africanos construíram barcos para vir morar nas Américas ou foram arrastados à força para essas bandas?

O que gente sem noção da realidade humana não percebe é que os brancos estão sendo substituídos, mas os árabes, os chineses, os indianos e os africanos também vão ser. Todos os povos humanos tendem a mudar suas características criadas por milênios de isolamento. Não precisa ninguém planejar isso, acontece naturalmente. Talvez daqui há alguns séculos tenha gente reclamando que a África está ficando muito clara. Essa teoria de substituição nada mais é do que terraplanismo racial: estão fazendo pessoas prestarem atenção num tema que nunca pararam para pensar antes e colocando dúvidas absurdas nas cabeças delas.

É claro que se você prestar atenção vai perceber que existem menos povos homogeneamente brancos no mundo. Faz séculos que os brancos cismaram de ir se misturar com todo mundo. Pensa um pouco: se o europeu médio não fosse louco para misturar, o Brasil não teria essa maioria imensa de pardos. Não estou dizendo que o racismo não existia, mas sim que a mentalidade específica de manutenção de pureza da raça branca surge bem depois do começo da mistura das raças no colonialismo.

Não é um plano, é um fato da vida. Se não enfiarem na sua cabeça com muita força que você não pode se misturar com outras raças, não existem muitos bloqueios naturais para se ir atrás de alguém com a cor diferente da sua. O ser humano solto num mundo globalizado tende a se misturar. E digo mais: nem se quiséssemos conseguiríamos manter raças puras, esse barco já partiu, a imensa maioria da humanidade tem genes de tudo quanto é povo misturado. Se você é brasileiro então, seu resultado de ancestralidade de DNA vai ter quatro páginas de povos diferentes não importa a cor da sua pele.

Mas, se você for mal-informado e/ou maluco de pedra, é fácil te convencerem que tem um projeto de eliminação da raça branca. É o tipo de mentira que se pode contar com dados reais: sim, os brancos estão diminuindo, mas foram os antepassados deles que decidiram isso. Talvez o lado positivo disso é que com o tempo vai ter cada vez menos gente branca para cair nesse papo furado. Só espero que o incentivo explícito ao comportamento racista que as outras raças recebem atualmente não recomece o processo de novo e de novo…

Estamos todos sendo substituídos, só espero que por algo melhor.

Para dizer que eu sou racista, para dizer que eu sou lacrador, ou mesmo para dizer que ninguém deveria ter orgulho de aguentar 10 minutos debaixo do Sol por ano: somir@desfavor.com


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