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Colunas

Bagagem barulhenta.

Imagine-se na seguinte situação: você vai viajar com um casal de amigos. Pode ser para perto ou para longe, pode ser um dia ou um mês, tanto faz: o que importa aqui é que esse casal vai levar mais um ser para acompanhá-los. E o ser em questão é o que causa a discórdia entre Sally e Somir. Os impopulares vão junto.

Tema de hoje: com quem você prefere viajar: um casal de amigos que leva um cachorro ou um casal de amigos que leva uma criança?

SOMIR

Nunca pensei em dizer isso, mas prefiro a criança. Na média, eu até concordo que cachorros são mais fáceis de conviver, menos complexos, mais tolerantes e tudo mais que os fazem o melhor amigo do homem; só que tem uma sutileza no enunciado que muita gente pode ter perdido: esse casal de amigos escolheu levar essa companhia na viagem.

E isso muda a mecânica da coisa. Levar o filho junto numa viagem é parte da vida de quem tem filhos. Levar cachorro junto numa viagem é coisa de quem precisa levar cachorro junto numa viagem. E eu sinto muito se ofendo alguém ao dizer isso, mas… quem precisa levar cachorro junto numa viagem tem algum problema. Não precisa ser um problema muito sério, mas que ele está lá, ele está.

E esse problema vai voltar para te morder a bunda uma hora ou outra. No caso da criança, por mais que crianças possam ser muito chatas, é algo banal do ponto de vista humano: macacos pelados precisam ficar perto de seus macaquinhos pelados, é como a natureza funciona. Não é só uma questão de escolha como no caso do animal de estimação, é meio que uma obrigação social.

A probabilidade desse casal de amigos ser mentalmente estável é maior caso estejam levando uma criança ao invés de um cão. E vamos ser honestos? Quase sempre é a mulher do casal que cismou com isso. E mulher é um bicho programado para cuidar com unhas e dentes de seres pequenos sob sua custódia. No caso de ser uma criança, é só uma mãe sendo uma mãe. No caso de um cachorro, é algo bem mais perigoso (do ponto de vista de ter o saco enchido).

O mundo é feito para lidar com pessoas levando seus rebentos pra cá e para lá, quase todo ambiente público considera a existência de crianças. Tem estrutura para cuidar dos fedelhos em qualquer lugar, porque qualquer lugar onde vivam seres humanos tem crianças. Vamos bater 8 bilhões de cidadãos nesse mundo logo logo.

Agora, o mundo não é feito para ser tão amistoso com animais de estimação. Presume-se que seu cachorro vai ficar na sua casa. Tanto que na maioria dos lugares, não é permitida a entrada dos bichos. Num hotel é fácil achar um quarto que caibam crianças, mas a maioria não aceita cachorros. Aviões, ônibus e carros são pensados para carregar crianças; mas toda viagem com um cachorro é um problema. Talvez com o fenômeno dos “pais de pets” virando norma o mundo mude de acordo, mas por enquanto, levar uma criança numa viagem é previsível e devidamente contingenciado por qualquer estrutura básica de turismo. Levar cachorro não.

Agora, imagine o seguinte: as pessoas que resolveram levar um cachorro numa viagem (o que já está errado) vão passar boa parte do tempo emputecidas pela falta de estrutura e aceitação do seu quadrúpede. O bípede (ou quadrúpede também, dependendo da idade) com DNA humano vai poder participar de quase tudo, e por mais que criança possa encher o saco, o saldo geral é melhor no caso da criança: os pais vão passar menos tempo aborrecidos por não poder levar seu bicho pra cima e pra baixo.

E gente menos aborrecida é gente que te enche menos o saco. Eu prefiro ver o casal de amigos feliz por questão de amizade, é claro, mas eu também sei que gente menos frustrada é companhia muito melhor. Vamos bater mais uma vez nessa tecla: contra todo o bom senso de milhares de anos de evolução social humana, esse casal resolveu levar um cachorro na viagem. Podem ser pessoas extremamente queridas, mas nesse aspecto, são meio malucos.

E até no contexto de maluquice dos donos, eu prefiro a criança: é muito mais fácil entender alguém desestabilizado emocionalmente por causa dos filhos do que por causa dos animais de estimação. Porque tem essa: empatia tem limites. Eu respeito bastante quem tem sentimentos fortes em relação aos seus filhos, mesmo que discorde deles naquele momento. Agora, imagina só aguentar drama e chilique alheio por causa de um cachorro? Sua paciência desaparece rapidamente. Imagina passar vergonha porque um “pai ou mãe de pet” está tendo um chilique por não deixarem seu cachorro entrar num restaurante? O respeito pelas pessoas vai desaparecendo, e com isso, a qualidade da amizade também.

E a parte lógica de levar uma criança numa viagem é muito mais forte: crianças evoluem quando tem novas experiências, quando expandem seus horizontes, enxergam coisas novas e aprendem que o mundo é diferente fora de casa. Você consegue entender o valor de uma viagem para uma criança. Agora, cachorro? Cachorro não tem complexidade mental para ter “novas experiências”, cachorro vai ficar é puto da vida por ter sido tirado do seu território, ainda mais cachorro de madame (99,99% dos cachorros que viajam) que quase sempre é histérico. A correlação entre quem deixa cachorro doente da cabeça e quem leva cachorro em viagem é altíssima.

A criança pode ser educada, pode ser simpática, pode até ser surpreendentemente inteligente para a idade, mas o cachorro quase sempre vai ser o pior espécime possível: cachorro pequeno eternamente assustado e histérico. Pra criança tem tablet, pra cachorro só tem atenção mesmo. Todo mundo tenta aplacar o ânimo de uma criança berrando, mas especialmente no caso dos pais de pet, eles acham até bonitinho que o bicho fique latindo sem parar, rosnando para o vento e sendo um saquinho de merda pegando fogo o tempo todo.

Não existe vida sem problemas, todo mundo, por mais que você ame a pessoa, vai te encher a paciência ou fazer algo que te incomoda. Se for para lidar com isso, que pelo menos seja por um motivo razoável. Eu me recuso a lidar com gente pirando por causa de cachorro, gato, papagaio ou tartaruga. Sim, tem muita gente que fica um saco quando o assunto são os filhos, mas é um ser humano ali, mesmo que diminuto. Se vai ter perrengue, que seja perrengue humano.

Para dizer que prefere ir sozinho(a), para dizer que pior é levar gente azeda como a gente, ou mesmo para dizer que criança e bicho não precisa cuidar tanto assim: somir@desfavor.com

SALLY

Com quem você prefere viajar: um casal de amigos que leva um cachorro ou um casal de amigos que leva uma criança?

Sendo bem sincera aqui, eu prefiro viajar sozinha: sem amigo, sem criança e sem cachorro. Mas, voltando para o tema, dadas as opões, vou com o casal de amigos que leva um cachorro. E não apenas pelo argumento de que eu gosto mais de cachorro do que criança (o que não quer dizer que eu odeie crianças, quer dizer que eu amo muito cães). Tenho outros motivos.

Vamos destacar uma coisa aqui: quem leva o cachorro é o casal que viaja comigo, portanto, eu tenho zero obrigação para com esse cachorro. É óbvio que eu ajudaria, pois, como disse, eu amo cães do fundo da minha alma, mas, não é a mesma coisa viajar com um cachorro do que viajar com o seu cachorro. É muito mais fácil viajar com um cachorro que não é seu.

Algum lugar não aceira cachorro? Beleza, o casal vai ter que decidir o que faz: se deixa o cachorro no hotel e vai sem ele, se não vai no local, se deixa o cachorro em algum hotel para cães por algumas horas… O problema é deles. Ajudo, colaboro, mas… não é problema meu e inclusive posso optar por ir sem eles caso eles não consigam uma opção para deixar o cachorro.

Já criança… bem, criança vai com os pais onde quer que eles estejam, se você tentar deixá-las em um canil talvez tenha problema com o Conselho Tutelar. E elas transtornam o ambiente.

Não me refiro a criança mal-educada, qualquer criança, por ser criança, demanda uma série de cuidados que transtorna o ambiente. Não acho exigível levar uma criança um bom restaurante e que ela fique quieta, calada, sem atrapalhar, por horas a fio. É chato para a criança, eu entendo os motivos dela em chorar e reclamar. Ela está certa. Errado é pai que leva criança para programa de adulto. Como eu só gosto de fazer programa de adulto, uma criança (coberta de razão) transtornaria o ambiente.

O que quero dizer é que as limitações que um cachorro impõe, são apenas a seu dono. Já as limitações que uma criança impõe se estendem a todo o grupo, não apenas a seus pais.

“Mas Sally, você pode ignorar a criança na viagem”. Não, não pode. Eu sei como fazer um cachorro calar a boca (sem violência, óbvio) mas não se pode fazer o mesmo com uma criança. Nem seria socialmente aceitável: é esperado que crianças falem pra caralho, o tempo todo, cantem, perguntem, etc. Crianças são um concentrado de energia, curiosidade e verborragia que me cansam só de pensar.

Não dá para ignorar a criança, ele incomoda todos à sua volta, todos no ambiente, não precisa nem ser o grupo que está com ela. Se você tem filhos, provavelmente você já adquiriu uma resistência natural a isso e não te incomoda tanto, mas, para quem vive em um ambiente harmônico, silencioso e arrumado, crianças pequenas transtornam.

Infelizmente, por uma falha evolutiva imperdoável, o ouvido humano não se fecha. Deveria. Assim como fechamos os olhos quando não queremos ver, deveríamos poder fechar os ouvidos quando não queremos escutar. Criança chora, reclama, grita. Criança pede, canta, conta história. Criança faz pergunta, se recusa a caminhar, se recusa a comer. Criança quer dormir nas horas mais bizarras, quer ir ao banheiro nos piores momentos, isso quando não caga na fralda, que precisa ser trocada. O que quero dizer é que, enquanto eu não aprender a fechar meus ouvidos, nada de viagens com crianças.

Resumindo, crianças falam. Cães não falam. Com a graça do bom Deus cães não falam. Crianças não cooperam. Cães cooperam. Com a graça do bom Deus cães cooperam.

Cães são amorosos com conhecidos, adoram sair, passear e geralmente atendem aos comandos básicos, uma vez que estão evolutivamente preparados para colaborar com a matilha. Criança é uma bolinha de carne que acha que o mundo gira ao seu redor, imediatista, tirana, demandante e, do meu ponto de vista, extremamente desinteressante.

É muito difícil que algo que uma criança faça ou diga me interesse. Na real, interessa aos pais, aos avós e a outros pais com crianças da mesma idade. Ao resto do mundo não, mas todos fingem que sim, então, tá tudo bem você não acreditar em mim. Eu também finjo: até sorrio, faço meu papel, mas, sinceramente, acho todas as crianças muito parecidas, todas igualmente previsíveis, chatas e desinteressantes.

Viagens podem ter diversos propósitos: aventura, descanso, cultura, lazer… e nenhum deles é compatível com crianças. Sabe que viagem é apropriada para crianças? Uma viagem pensada para agradar crianças. E, felizmente, meu gosto não é o mesmo de uma menina de 3 anos, portanto, uma viagem pensada para agradar uma criança não vai me agradar – e vice-versa.

Já fiz viagens com meu cachorro onde pude descansar, onde pude fazer aventuras, onde pude fazer basicamente o que eu queria, pois ele entende o que eu quero dele e tem prazer em colaborar comigo. Uma criança quer o que ela quer (foda-se o que você quer) e tem a colaboração de um bêbado: por mais que, por um milagre, tente ajudar, não tem discernimento e vai fazer merda.

Se eu pude aproveitar viagens muito bem com o meu cachorro, imagina quando o cachorro pertence a outras pessoas! É só alegria! Não tem que providenciar comida, limpar cocô, limpar xixi… é só o lado bom: ter uma criatura amorosa, extremamente dedicada e cooperativa convivendo com você. Cães são devotados, altruístas, agradecidos. Crianças são egoístas, tiranas e demandantes.

E nem é uma crítica, é uma constatação. Não estou dizendo que crianças são más. Criança tem que ser assim mesmo, pois se não expressarem suas necessidades de forma muito enfática, não sobrevivem nem tem bem-estar. Elas dependem dos adultos para tudo, por isso, aprendem a pleitear desde cedo. É inerente à sobrevivência de uma criança que, desde o primeiro dia de vida, ela abra um berreiro quando está com fome. A criança está certíssima, são as regras do jogo. Eu é que não quero jogar esse jogo.

Cães são um limitador menor do que crianças, eu juro. Não tenho filhos, mas já cometi o erro de me relacionar com quem tinha – e era a criança mais educada que eu já vi na vida, mas, ainda assim um saco. Cães não dão nem 5% do trabalho e restrições de uma criança. Vocês pais é que se acostumam e acabam não percebendo quão demandante é uma criança. É uma escravidão. É uma jornada de trabalho de 24 horas por dia por, pelo menos uns 12 anos.

Então, tomando por base tudo que eu prezo em um ambiente e em uma viagem, crianças são totalmente incompatíveis com o evento. Cães podem conter alguma carga de limitação, mas, sem dúvida, ela é mais leve. Prefiro viajar com uma matilha de 10 cães do com uma criança. Prefiro viajar com um cão e um gato que brigam entre si do que com uma criança. Prefiro deixar de viajar do que ter que ir com uma criança.

Para se ofender como se eu estivesse falando mal do seu filho, para tentar dourar a pílula e mentir que uma viagem com crianças pode ser tranquila ou ainda para dizer que tem maluco que viaja com criança e cachorro: sally@desfavor.com

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filhos, pets, viagem

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