Antinatalismo.

Todos os dias vemos diferentes movimentos enchendo a boca para te cobrar ações (ou omissões) em nome da ética, do planeta, da natureza. Muitas das pessoas que participam destes movimentos são realmente enfurecidas e intolerantes e, se confrontadas com alguma negativa, julgam, acusam ofendem e ameaçam. Pois bem, estamos prestes a ver algo muito interessante colidir com essas pessoas: o Antinatalismo.

O Antinatalismo prega que procriar é um ato moralmente ruim no atual contexto, seja pelo mundo que não suporta mais a estadia predatória do ser humano, seja pela desgraça de vida que o filho provavelmente vai ter em um mundo superpopuloso ou por outros fatores sobre os quais falaremos mais adiante.

Eles ainda vão além e pregam que o melhor a se fazer é a extinção voluntária do ser humano por falta de procriação. Acreditam que o ser humano se tornou inviável, inclusive um perigo para si mesmo. Pensam que o planeta não pertence aos humanos e, já que eles não sabem se comportar, melhor sair de fininho.

Também defendem alguns argumentos de caráter filosófico, como por exemplo, alegam que criar ou destruir uma vida precisaria de consentimento da consciência que vai habitar essa vida. Se existe uma forma (séria, real, científica e comprovada) de perguntar a quem não nasceu se gostaria de nascer, eu desconheço.

Até segunda ordem, as antinatalistas também: a maioria concorda que não há como consultar, por isso o melhor é não trazer nenhum ser humano à vida, pois ele será exposto a uma série de problemas, desafios e desconfortos que poderia não querer enfrentar.

Em outra linha argumentativa bastante razoável, eles dizem que, além da questão do meio-ambiente, a sociedade não proporciona condições mínimas para criar um filho. Falam do pouco tempo que as pessoas têm disponível, da pouca maturidade emocional, mas batem mais na tecla da saúde mental: depressão, síndrome do pânico e tantas outras doenças da mente (diagnosticadas ou não) seriam um impeditivo para criar um filho saudável.

Além disso, também acham altamente condenável que pais com genética desfavorável procriem e passem suas mazelas adiante para seus filhos. As críticas vão de esquizofrenia a alcoolismo, qualquer coisa que possa ser transmitida geneticamente e que gere um desafio extra na vida do novo ser humano gerado.

Mas, o argumento que está ganhando notoriedade e virando referência para o movimento é: se todo mundo continuar tendo filhos, vamos destruir o planeta. Não temos o direito de destruir o planeta. A danação que causamos até aqui é grave demais para ser revertida com reciclagem e outros paliativos. É preciso parar de procriar agora, se não, por egoísmo, vamos inviabilizar um planeta para milhões se seres vivos que querem e sabem viver nele harmonicamente.

Provavelmente foi o argumento que mais emplacou por conter uma carga de virtude altíssima. É algo que poucas pessoas estão dispostas a fazer, portanto, torna quem o faz extra especial. Dá para subir num baita pedestal, muito mais alto do que os outros, e proclamar sua virtude lá de cima: olha até onde eu estou disposto a ir para salvar o mundo!

Isso cria uma dinâmica muito interessante. Tudo que os virtuosos ecológicos usavam para se sentirem especiais fica pequeno quando comparado com o Antinatalismo. Você recicla lixo? Pfffff… De que adianta reciclar toneladas de lixo e colocar mais uma boca para alimentar no mundo, que vai demandar mais gasto de água, mais consumo de plásticos, etc. E hoje em dia, retirar a virtude de alguém parece ser pior do que retirar seu emprego.

Esse enorme grupo que vive de desfilar virtude, carente do aplauso da sua bolha, que se afirmam e se reconhecem como virtuosos, passam muito mal quando são desmascarados ou ofuscados. Então, como vocês podem imaginar, os antinatalistas estão irritando os mais diversos grupos.

E, que fique claro, aqui no Desfavor acreditamos que cada um tem que fazer o seu sem obrigar os demais a seguirem sua cartilha. As pessoas são obrigadas a seguirem apenas a lei, nada mais. Mesmo porque não existe ninguém tão virtuoso que tenha moral para dizer ao outro o que fazer em matéria de preservação ambiental. Todos depredamos o planeta muitíssimo, alimentando grandes empresas poluentes, que são o maior problema.

Porém, aqui no Desfavor também somos espírito de porco e gostamos de ver rinha de lacrador. E o que vem por aí é uma rinha da boa! Centenas de grupos que apontaram o dedo para todos começam a ser eclipsados por outro grupo que faz “o sacrifício supremo” e, de quebra, desmascara a falta de virtude dos outros. Quem está realmente preocupado com o planeta não deve fazer filho.

Como fica a argumentação das pessoas que passaram anos militando por outras restrições em nome da ética, do planeta, da natureza, chamando a todos de egoístas, escrotos e ignorantes? Em um piscar de olhos, a mesa parece virar e elas podem cair no mesmo saco dos egoístas que sempre criticaram. Esse é um encontro que eu quero acompanhar de perto: o resto da militância com os Antinatalistas.

Lembra o tanto que as pessoas tiveram que escutar quando miltantes fizeram um escarcéu para suspender as vendas dos canudos de plástico? Falaram que tínhamos que fazer esse esforço, que se o ser humano não fizer sacrifícios sofreremos consequências irreversíveis e todo aquele papo do “Planeta pede socorro”. Vi deficientes que dependiam de canudo para beber (o de papel se dissolve antes que a pessoa consiga terminar uma bebida quente) serem xingados de egoístas para baixo. É, minha gente, o mundo dá voltas.

O mesmo discurso se aplica agora. Assim como você pode substituir o canudo de plástico por um de papel, você pode substituir um filho biológico por um adotivo, afinal, o que não falta no planeta é ser humano, não é mesmo? Não pode ser tudo do jeito que você quer, se do jeito que você quer faz mal ao planeta.

“Mas Sally, você está comparando um filho com um canudo?”. Óbvio que não, nem tem comparação: um ser humano a mais no mundo poluí bilhões de vezes mais do que um simples canudinho. Meu ponto é: quem fez escarcéu por algo pequeno defendendo com unhas e dentes que era muito necessário, deveria estar de peito aberto para adotar algo ainda maior e mais útil para o planeta, afinal, não tem que pensar em si mesmo e sim no meio-ambiente, certo?

O Antinatalismo está começando a ganhar fama e notoriedade e ser trazido para discussões. Curiosamente, os xiitas do canudinhho (é um apelido meramente exemplificativo, serve para todos os “militantes do planeta”, qualquer que seja a causa) parecem querer se esquivar da polêmica.

Mas não adianta, é questão de tempo para que sejam confrontados, por isso optei por este tema hoje: nada como saber que vai ter show, assim você pode ficar ligado e usufruir do evento! Observem, apenas observem os antinatalistas crescerem e se radicalizarem, como é o movimento natural de qualquer militância.

Os mesmos descompensados que vão furar os quatro pneus de qualquer carro estilo Hummer berrando que o combustível que ele gasta causa danos irreparáveis ao planeta, gaguejam, desconversam e ousam introduzir uma conversa sobre liberdade individual quando surge a comparação: se temos que fazer tudo que está ao nosso alcance, o correto então seria não ter filhos, pois, novamente, um novo ser humano no mundo poluí muito mais do que um carro.

É fascinante ver a cara dos que cagaram regra para a vida alheia por décadas recebendo isso de volta sem saber o que dizer. Se falarem que as pessoas têm o direito de se autorregular mesmo que isso cause um dano ao planeta, vão tomar uma invertida. Se falarem que um ser humano não é tão danoso, vão tomar uma invertida maior ainda. O que resta?

Talvez bater no peito e dizer “eu quis posar de boa pessoa, ostentar virtude, me privando de algo que não era importante para mim e vestindo essa camisa de um mártir que faz o esforço que seja necessário pelo planeta, mas agora que me pedem para abrir mão de algo que é importante para mim, não posso bancar essa mentira”. Seria lindo, mas, sabemos que não vai acontecer. Lá vem contorcionismo, lá vem ginástica argumentativa, lá vem manipulação.

Novamente: não estamos tomando lados, inclusive, na briga entre esses dois grupos, somos a favor da briga. Por mais que alguns argumentos do Antinatalismo façam sentido para você e bata a tentação se simpatizar com o movimento, quero te lembrar que toda militância é ruim, pois, nos tempos atuais, militância é sinônimo de radicalismo, de carência, de egocentrismo. Se você tem que enfiar sua convicção goela abaixo de outra pessoa, se você se acha melhor por causa dela, se você acha o outro pior, deixou de ser saudável.

E os antinatalistas estão por esse caminho, cada vez mais radicalizados. Postam fotos de mulheres grávidas com dizeres indecorosos. O mais gentil é “sempre que vejo uma grávida sinto desgosto”. Não vai demorar para hostilizarem grávidas na rua, tal qual lunáticos que jogam spray de tinta em casaco de pele ou furam pneu de carro. É nisso que dá alimentar o faniquito alheio, em algum momento ele cresce e deixa de ser inofensivo.

Não basta viver de acordo com as suas crenças, o coleguinha do lado TEM QUE aderir, se não é burro, é egoísta, é assassino e merece ser hostilizado. A sociedade endossou isso e agora a coisa toda pode sair do controle.

Cada vez que um arrombadinho joga uma torta em uma obra de arte e não tem sua vida arruinada por causa disso, cada vez que um merdinha vandaliza o patrimônio alheio “em nome de uma causa nobre” e fica tudo por isso mesmo, cada vez que um imbecil invade a liberdade individual de alguém com algum tipo de agressão (física ou verbal) baseado em crenças pessoais se endossa esse mecanismo.

Espero que estejam felizes, a coisa escalou num nível que pode ser problemático: estamos falando do maior sacrifício possível (se levarmos em conta o quanto a sociedade valoriza filhos), o que inverte a balança. Quem antes era virtuoso agora vai virar pária. Vamos ver como o pessoal do telhado de vidro se sente sendo caçado, escrotizado e hostilizado.

E vai ter muita gente aderindo para se sentir mais virtuosa do que o resto, até mesmo aqueles que não tiveram filho por outro motivo ou impossibilidade. Não duvido que gente que não conseguiu ter filho acabe travestindo esse suposto “fracasso” com uma causa nobre. “É pelo planeta”.

Para completar, sabemos que faz parte do Pacote Virtude, dedicar boa parte do seu tempo a apontar o dedo para os outros e relembrar o quanto eles não são virtuosos. Então, veja que engraçado, os sem-filho, que até então eram muito malvistos, poderão se tornar os grandes virtuosos, enquanto a família tradicional pode acabar virando a grande vilã. O ser humano é muito dodói da cabeça.

Não vou sentir pena não. Vou até achar graça de ver os virtuosos tamanho P e M sendo caçados e ofuscados pelos virtuosos tamanho G. Não concordo com nenhum grupo, porém acho que quem com lacre fere, com lacre será ferido. É o círculo da vida social atual. Peguem a pipoca, não vai demorar para o show começar!

Para dizer que também é a favor da briga, para perguntar que delírio egóico faz a pessoa pensar que seu DNA é assim tão importante e precisa ser passado adiante ou ainda para dizer que quem achou ruim texto contando o lado negro da gravidez vai surtar gostoso: sally@desfavor.com

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Comments (18)

  • E tantos falam tanto em “deixar um mundo melhor pros nosos fihos”, mas ninguém dá um pio sequer sobre deixar filhos melhores pro mundo…

    • De forma alguma, acho um horror quem impõe restrições à vida alheia. Só quem pode impor restrições é a lei, cada um que viva como quiser. O fato de eu não querer ter filhos não tem absolutamente nada a ver com o planeta.

      Mas sou “antihipocrisista”, então, se vier fulaninho cheio de filho em cobrar para reciclar lixo, vai escutar pacarai.

  • Eu acho o antinatalismo bem coerente, apesar de não concordar com nada que envolva militância e encheção de saco moralista. E na verdade, confesso que é fácil simpatizar com algo que prega o que já planejava para a minha vida de qualquer maneira.
    Essa briga vai ser muito interessante de assistir.

  • Quando alguém vem falar do dano ambiental que a pecuária extensiva traz pra natureza, minha vontade é dizer: NÃO TENHA FILHOS.

  • Essa briga vai ser interessante de acompanhar, mas confesso que atualmente estou atenta aos:
    1) egípcios tendo de engolir americanos e europeus decidindo (mais uma vez) a qual classificação racial eles pertencem. E não adianta protestar, claro que os gringos decidem. A última notícia li aqui: https://edition.cnn.com/style/article/egypt-bans-archaeology-team-mime-scli-intl/index.html
    2) TERFS. Vai um link para um artigo ótimo, do qual gostei especialmente dessa frase: “It is not women who kill trans people. It is men, yet again the violence is all headed our way. It’s almost as if there is a problem with women insisting on our own boundaries, and saying no.”
    https://www.telegraph.co.uk/women/life/terf-ultimate-slur-against-women-transphobia-feminism/

    • Basicamente, se você contraria qualquer coisa que um homem de peruca (ou mulher de barba) diz, você é TERF, transfóbica etc etc etc. Por mim, que entrem todos um no cu do outro

  • Wellington Alves

    Antes a pessoa casava e já vinha alguém perguntando: vocês já estão pensando em ter um filho, não estão?
    Agora você casa e perguntam: vocês não estão pensando em ter um filho, estão?

      • e como vc responde os malas que perguntam sem ser rude? Ou não se importa em ser rude?
        Vc tem medo de se arrepender quando ficar velha?
        Pensa em adotar?

        • Respondo com educação: digo que não quero, que não tenho vontade de fazer os sacrifícios que eu entendo necessários para criar um filho direito e que não vou botar filho no mundo para deixar metade do dia jogado em creche, com babá ou com os avós. Não sei se isso é rude, mas eu presumo que quem pergunta tem que estar preparado para ouvir a opinião alheia.

          Não penso em adotar pois não quer filhos. Se eu me arrepender, vou lidar com isso, como uma pessoa adulta capaz de lidar com frustrações, pois não deposito toda minha esperança de felicidade em um filho, será apenas um dos muitos caminhos para realização pessoal que eu escolhi não trilhar. Como sei que existem muitos outros, não bate nenhum desespero.

  • “para perguntar que delírio egóico faz a pessoa pensar que seu DNA é assim tão importante e precisa ser passado adiante”
    Instinto.
    E a maior parte da história humana foi assim, a pessoa só quer transar e ter algum prazer na vida miserável e acaba aceitando a possibilidade de gravidez e foda-se. Se nascer alguém, vai criando no improviso com ajuda da comunidade ao redor.

    • Não acho que seja assim no caso da maior parte das mulheres não. Elas querem filhos, elas acham que precisam engavidar para serem felizes, plenas e completas.

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