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Guerra perdida.

O Equador está vivendo tempos de caos urbano com a rebelião dos cartéis de traficantes, especialmente na região de Guayaquil. Isso chama atenção, mas não é nem de perto o único caso do crime organizado financiado pela venda de drogas ameaçando Estados, especialmente aqui nas Américas. Se alguém acreditava na causa da guerra contra as drogas, pode muito bem ser a hora de admitir a derrota.

O tema tende a se perder em muitas discussões sobre a legalização de substâncias como maconha, cocaína, heroína e similares; questões morais e até de saúde pública sobre como lidar com as pessoas viciadas. Tem gente que acredita que deveria ser tudo liberado, tem gente que acredita que precisamos reprimir mais ainda.

Mas que tal analisarmos o que acontece agora e quais são os problemas que precisam de resolução? Na imensa maioria do mundo, drogas são ilegais e carregam consigo punições para quem produz, comercializa e consome. A ideia era impedir que fossem usadas e assim diminuir a oferta até sufocar a demanda.

Mas como vemos, especialmente na América Latina, isso tornou o mercado das drogas extremamente lucrativo. Os preços são altíssimos em relação ao custo de produção justamente porque o Estado coloca todo tipo de bloqueio na indústria. Estima-se que três quartos do consumo global de cocaína esteja na Europa e nos Estados Unidos, e que quase toda droga produzida no mundo saia aqui da América do Sul.

Em qualquer outro cenário, seria uma mina de ouro para o povo latino, mas como é justamente um produto ilegal… continua sendo uma mina de ouro. Um estudo recente diz que o consumo de cocaína aumentou mais de 20% desde a pandemia de 2020, e nada mudou nas questões geográficas: continua sendo produzida no nosso continente e continua sendo consumida em países ricos ocidentais.

O problema central é que drogas são extremamente lucrativas e o Estado não tem nenhuma forma de supervisionar o mercado. Proibir é muito diferente de criar regulações e fazer vistorias constantes, proibir cria uma ausência total de controle sobre uma indústria bilionária que não para de crescer.

Como já disse, o plano de declarar guerra às drogas de forma generalizada tinha como objetivo suprimir a oferta até ela dar conta da demanda. E é esse o ponto central de declarar as drogas como vencedoras dessa guerra. A oferta não foi controlada e a demanda não diminuiu, muito pelo contrário. As ações tomadas pelos Estados participantes na batalha não foram suficientes para derrotar o adversário. O que ainda está em discussão é se tem algo fundamentalmente errado com a estratégia ou se ela não foi aplicada da forma correta.

Porque se as drogas são o exército inimigo, ele já invadiu e controla o nosso território. A derrota já é fato. O que nos resta agora é tomar uma decisão sobre o que fazer com essa derrota. E essa decisão deveria estar separada da discussão sobre a moralidade das drogas: não é sobre você gostar ou não, é sobre o que fazer com o doloroso fato de que a indústria das drogas não foi vencida e lucra como nunca lucrou.

Não existe solução de um problema sem reconhecer o problema. Ou a quantidade de força exercida pelos Estados não foi suficiente ou não é uma questão de força, mas de jeito. E é nesse impasse entre o time que acha que matamos pouco e o time que acha que matamos muito que o problema persiste.

Em países muito restritivos com drogas o tráfico ainda existe, em países muito liberais com drogas o tráfico ainda existe. Os problemas sociais derivados de toda a cadeia produtiva das drogas dá um jeito de aparecer na Etiópia, no Brasil e na Noruega. Obviamente, problemas com escalas de gravidade equivalentes com o resto do funcionamento das instituições de cada país.

Por isso eu penso que deveríamos escolher algum caminho para seguir em frente dada a derrota atual dos nossos sistemas contra o mercado das drogas ilegais. Não faz mais sentido continuar moendo nossos soldados numa batalha sem chance de vitória.

Os dados sugerem que ficar nesse meio termo entre tratar como doença e tratar como inimigo do Estado não está reduzindo o número de drogados nem o tamanho das organizações criminosas que controlam o tráfico. Esse é um dos casos em que faz sentido correr para um lado… ou para o outro.

Lado A: não só descriminalizar como legalizar e organizar a coisa toda. Tem mil problemas derivados dessa ideia, especialmente me países atrasados como o Brasil. Nessa ideia você toma conta da oferta das drogas. Regulariza as plantações e laboratórios, enche eles de regras e vistorias, cobra imposto, mas você derruba o preço por causa da saída das drogas do mercado negro. Os criminosos não vão virar trabalhadores honestos da noite para o dia, mas o mercado vai comer eles vivos. Você acha que está lidando com bandidos espertos até o fuckin’ Jeff Bezos virar seu concorrente.

Estados mais ousados podem até nacionalizar tudo e tornar produção, logística e distribuição em uma atividade que só o poder público pode participar. Isso liberaria espaço para traficantes, mas também mexeria com o ponto mais doloroso para os cartéis e facções: o preço da droga desabaria.

“Mas Somir, isso ia ter consequências tenebrosas em A, B, C…”

Com certeza. Eu não tenho nenhuma felicidade em imaginar o Brasil com drogas baratas e liberadas para todo mundo. A questão é: quanto tempo de desastre sociológico e se esse desastre é pior que o tamanho do crime organizado presente no país atualmente. Eu não sei responder isso. Eu presumo que esmagar o preço das drogas torne o mercado inviável para o tipo de gente que cuida dele agora. Por enquanto tem dinheiro para muitas ganâncias de gente fodida na vida, e quando não tiver? Mais uma vez, quanto tempo de danação até sabermos se isso resolve?

Labo B: se força bruta não está funcionando, você não está usando força o suficiente. Um outro caminho é declarar guerra total às drogas. Não uma que se esforce para não vitimizar inocentes, mas uma tão agressiva e tão violenta que literalmente mate as pessoas que participam da cadeia de produção, distribuição… e os clientes.

Não seria vencer o problema das drogas, seria usar violência extrema para eliminar as pessoas que estão ligadas com o problema das drogas. É sobre bombardear plantações de coca, colocar exército nas ruas em lei marcial sem data para terminar. É executar traficante pequeno e grande sem julgamento como se fossem inimigos de um país invasor. É colocar em campo de concentração os viciados até eles não existirem mais.

O problema da turma que se diz dura contra o crime é que eles não percebem o grau de violência necessária para eliminar o monstro que o crime organizado se tornou por causa das drogas. Não está faltando ser só um pouquinho mais violento, até porque se você olha para países como o Brasil, a polícia é muito violenta e ainda sim as facções continuam crescendo.

Não é sobre um Rambo matando vietcongues numa base militar no meio da selva, é modo Solução Final dos nazistas. Não é pontual, é uma política de longo prazo. Violência e crueldade sem limites para literalmente acabar com as pessoas que contribuem para o problema das drogas. E sem dó de mulher e criança. Cada cabeça que ficar viva pode virar duas amanhã.

Pena de morte sem burocracia, extermínio sem nenhum verniz de processo legal. Eu acho que isso fica muito mal resolvido na cabeça das pessoas: violência funciona, mas ela é um jeito terrível de resolver as coisas. Você pode estar na passeata para comemorar a decisão do governo de declarar guerra total e no dia seguinte ser morto por um soldado que ouviu uma denúncia feita por um desafeto. E boa sorte se o sistema for corrompido, porque depois que você tolera o Estado com esse tipo de poder, ele não devolve mais.

Eu já escrevi aqui algumas vezes que sou contra a descriminalização da maconha, e sou porque se ela for descriminalizada sozinha, teremos mais do mesmo com um povo ainda mais propenso a fazer besteira por estar entorpecido. Não resolve a questão central da lucratividade de tudo o que é ilegal, só tira o incômodo de uma parcela da população. E assim que o mercado de maconha ficar gourmetizado e tiver lojas chiques no shopping e ao redor de condomínios, a favela vai ter que dobrar a aposta na cocaína.

Mas eu sou do time da liberação total. Porque eu acredito que precisamos fazer alguma coisa para lidar com o problema e a minha principal hipótese sobre o ponto de dor que deve ser apertado é reduzir e muito o preço das drogas para tornar o mercado muito menos lucrativo. O que fizemos até aqui piorou o problema, precisamos ir para algum lado. Eu torço para que não sigamos para o caminho da violência absoluta, até porque em vários países como os latinos periga de o tráfico ganhar quando a batalha for nesse nível de brutalidade.

Do jeito que a coisa vai, nessa indecisão sobre embate financeiro (liberação total) e embate violento (repressão total), o risco de mais e mais Estados latinos caírem por causa de narcotraficantes aumenta sem parar. O Equador provavelmente vai conseguir negociar alguma coisa com os bandidos para controlar o pior agora, mas isso é só até o próximo desentendimento, porque o resto vai continuar igual.

E nesse ponto, será que ainda dá para considerar um Estado que precisa negociar com bandido para fingir estar no comando um… Estado?

Para me chamar de drogado, para me chamar de reacionário violento, ou mesmo para dizer que a solução é ir para a igreja (não anda funcionando no Brasil…): comente.

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criminalidade, drogas, internacional, política, tráfico de drogas

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