Antes de entrar no assunto quero fazer algumas explicações. Em quase um ano de blog, sempre relutei em escrever sobre assuntos ligados à minha profissão, porque correria o risco de ser considerada chata e incompreensível pelos leigos no assunto ao abordar o tema na profundidade que gostaria ou então de ser tachada de ignorante pelos profissionais do direito por abordar o tema de forma superficial de modo a que eles seja palatável para aqueles que não são advogados.
Mas, considerando o tamanho do desfavor, vou correr esse risco. Quero deixar claro aos operadores do direito que este texto não tem a menor pretensão de ser um trabalho jurídico. Vou simplificar e usar vocabulário pobre e chulo, como é do estilo do blog. O que vou escrever aqui de forma alguma representa minha capacidade profissional, muito pelo contrário, vou cometer até algumas atecnias em nome da didática, é apenas mais um texto no estilo do Desfavor.
Para aqueles que não sabem, a Lei nº 12.015 de 07 de agosto de 2009 alterou a tipificação (descrição) e pena de alguns crimes contra liberdade sexual, dentre eles o estupro. Aparentemente, a intenção do legislador (pessoas que fazem as leis, em sua grande maioria uns imbecilóides) era punir com mais severidade estes crimes, dado o clamor social por casos recentes que ganharam destaque na mídia. Eu tenho uma opinião xiita: acho que quem FAZ as leis TEM QUE ser um operador do direito, porque um leigo acaba fazendo merda. Como é que você vai fazer uma lei se não estudou direito? É a mesma coisa que pedir para um advogado compor uma ópera para que um maestro renomado a execute com uma orquestra afinada. Por melhor que seja o maestro e a orquestra, se quem compôs não entende porra nenhuma de nada de música, vai ficar uma merda.
Pois bem, no Brasil quem faz as leis não necessariamente tem formação em direito. Vira e mexe fazem cagada, que na minha nada humilde opinião, foi o caso dessa nova lei que modifica o crime de estupro. Sabe gente que quer mostrar serviço e faz merda? E o povo, como desconhece e sofre de histeria punitiva, acaba comprando uma aparente verdade. O povo, como diria Bonner, é Homer Simpson e se instruí vendo Jornal Nacional e lendo Veja. Daí quando sai uma lei que aparentemente aumenta a pena do estupro, todo mundo bate palminha feito um bando de focas adestradas, sem questionar.
“Mas Sally, se aumentou a pena, é bom! Você gostaria de ser estuprada? Gostaria que alguém estupre sua filha? Estuprador tinha mais é que morrer…”. CALMA. CONTROLE-SE. Leia com atenção os parágrafos abaixo para entender o tamanho do desfavor dessa lei.
Sem querer ser chata nem cuspir juridiquês em vocês, vou transcrever a antiga redação da lei a atual, para que vocês entendam onde eu quero chegar:
ANTIGA REDAÇÃO:
ESTUPRO
art. 213 – Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça
Pena: Reclusão de seis a dez anos
ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR
art. 214 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal
Pena: Reclusão de seis a dez anos
Em ambos os casos, se do fato resultasse morte, a pena poderia ser majorada de doze a vinte e cinco anos.
Vamos traduzir. Pela lei antiga, o estupro era pênis na vagina. Só a mulher podia ser vítima de estupro e era um ato muito bem definido. Repito: pênis na vagina. Já o atentado violento ao pudor é o ato libidinoso que não seja pênis na vagina (tipo, pênis no cu ou pênis na boca). A lei era perfeita? Não, não era.
Quando se falava em “ato libidinoso” dava margem para uma série de situações duvidosas (a propósito, aquilo que você fez no carro ontem com aquele Zé Ruela é ato obsceno, art, 233 do Código Penal, e não atentado violento ao pudor, porque não foi contra a vontade dele). O que é um ato libidinoso? Qual o limite para classificar um ato como libidinoso? Difícil… Ainda mais em um país de proporções continentais como o Brasil. O que é ato libidinoso no interior do Mato Grosso pode não ser no Rio de Janeiro. Daí as pessoas ficam nas mãos de Juízes, alguns condenados e outros absolvidos por praticar exatamente a mesma conduta, muitas vezes morando no mesmo lugar.
Eu teria diversas sugestões de alterações para estes artigos, mas como minha opinião vale porra nenhuma, nem vou me dar ao trabalho de sugerir nada. Vamos ver as alterações que foram feitas:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2o Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
Entenderam o drama? Quem lê superficialmente ou escuta nosso amigo Bonner Simpson no Jornal Nacional (sim, eu detesto ele e vou falar mal dele sempre que tiver oportunidade) dizer “Aumenta a pena para estupro” fica feliz e bate palminhas. Mas na verdade a nova lei foi uma involução. Ela juntou o estupro e o atentado violento ao pudor em um único crime, o que na minha porra nenhuma humilde opinião, foi o maior desfavor de todos.
Antes, se um filho da puta te estuprava pênis na vagina e depois comia seu rabo, poderia responder por dois crimes diferentes, com as penas somadas (em juridiquês: concurso material de delitos). Hoje não. Qual o recado que nosso legislador passsou? “Alou, estuprador, se comer a mulher, aproveita e faz o pacote completo, enfia em tudo quanto é buraco, porque a pena é mesma!” Isso Bonner Simpson não fala (mas sorri debochadamente quando dá noticias como “Rafael Pilha faz um passeio pelo Código Penal” – babaca!).
No fim das contas, a nova lei deixou mais branda a punição por estupro e atentado violento ao pudor. Palmas para nossos legisladores, arquitetos, economistas, médicos e engenheiros que vem dar pitaco na lei para piorá-la. Por favor, não votem mais para colocar leigos criando leis. Além de deixar mais branda a pena, não corrigiu o defeito da lei antiga, que deixava uma brecha enorme com a palavra “ato libidinoso”. Essa porra indefinida continua lá. E agora mulher também pode estuprar homem, basta que ela pratique um ato libidinoso com ele contra a sua vontade. Cá entre nós, atire a primeira pedra quem nunca meteu a mão na bunda de algum gostoso! (*grilos tá, ok, fui só eu… indo pro cantinho da vergonha).
Além disso, essa nova lei estimula a histeria e a mágoa de caboclo de pessoas vingativas, da mesma forma que todas as outras leis que eu venho criticando, como a Lei de Violência Doméstica. Tudo bem que é pouco provável que alguém seja condenado por uma mão na bunda ou um beijo roubado, mas porra, existe a possibilidade de responder um processo e isso por si só já é péssimo. Imagina o peso de uma pessoa responder um processo por estupro? Daí vem aquelas pessoas mal amadas, histéricas, descontroladas e rejeitadas que vivem gritando que vão processar (bregaaaaa) e acabam intimidando. É uma arma para pessoas que querem prejudicar os outros.
Os maiores desfavores da nova lei são esses e o limite de páginas (e da sua paciência) não permite que eu me aprofunde mais nestes artigos. Entretanto, tem outros que merecem uma menção honrosa:
Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
Porque merda um estupro é menos grave de for praticado mediante um meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima? Impedir a manifestação de vontade da vítima é tão grave quanto estuprar mediante ameaça. Alguém aqui gostaria de ser dopado, ficar consciente, sem poder se mexer e ser estuprado? Na minha cabeça é tão grave quanto. Juro que não entendi.
“Estupro de vulnerável”
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
Vamos combinar que hoje existem muitas mulheres de 14 anos. Poderiam ter diminuído essa idade, ou então deixar a critério de uma avaliação de um perito em psicologia ou psiquiatria. Presumir automaticamente que NENHUMA menina de 14 anos tem aptidão para escolher se quer fazer sexo é ignorar a realidade. E quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga e ignora o direito: Meninas de 14 anos continuarão dando mais do que chuchu na serra, só que ainda terão uma arma de chantagem no dia seguinte de o sujeito não ligar. 12 anos seria uma idade mais razoável. Vejam bem, sexo contra a vontade é SEMPRE estupro, independente da idade, o que estamos falando é de casos onde mesmo consentido o sexo é considerado estupro. Uma menina de 13 ou 14 anos já pode consentir, né? Se não em todo o Brasil, pelo menos em parte dele. Tinha que relativizar isso aí.
E também achei meio bizarro presumir que pessoas com deficiência mental não tem desejo sexual. Tem muito deficiente mental que de fato não tem o menor discernimento para a prática do ato, mas tem desejo sexual e faz sexo mesmo assim, vide o caso da menina com Síndrome de Down que teve um filho com seu namoradinho, que foi objeto de um Desfavor da Semana aqui no blog. Aquilo foi estupro? Sei não… Assim você condena os deficientes mentais a nunca poderem fazer sexo na vida.
Mais uma coisa curiosa: em todos os crimes a pena se aumenta da metade se resultar em gravidez. Heeeein? Olha, se a pessoa passa uma doença para a outra, se causa uma lesão corporal, eu até acho que a pena tenha que ser majorada mesmo, mas em caso de gravidez? Primeiro que viola a intimidade da mulher, que pode querer abortar sem que ninguém saiba que ela engravidou e vai ter escrito em uma sentença judicial com o nome dela que sofreu um estupro com esse agravante. Segundo que se a mulher quiser ter o filho, é meio estranho que uma criança, que, supostamente, de alguma forma, é querida, seja motivo de pena maior. Quem estupra está pouco se fodendo, não vai usar camisinha por causa dessa majoração de pena.
Responder a um processo é uma coisa muito séria, muito sofrida e muito cara (a menos que você seja advogado e não precise pagar um). Essa nova lei foi leviana a irresponsável. Vai ter muita gente que não fez nada de mais respondendo a processo pro estupro. Já pensou como isso pode acabar com a reputação de uma pessoa? Se você, leitora, estivesse saindo com um Zé Ruela e descobrisse que ele responde a processo por estupro, continuaria saindo com ele? Daí fica essa horda de histéricas que só sabem blefar e depois peidar pra dentro e amarelar ameaçando processar… Amigo leitor, grite: PROCESSA EU! e me mande um e-mail, terei o maior prazer de ajudar.
Para me dizer que eu defendo estuprador, para me perguntar como passar a mão na bunda dos outros em segurança após a nova lei e para dizer que falar sobre leis é chato e que prefere quando eu falo sobre subcelebridades: sally@desfavor.com