A justiça é cega, mas... Bom, ela é cega.

Antes de entrar no assunto quero fazer algumas explicações. Em quase um ano de blog, sempre relutei em escrever sobre assuntos ligados à minha profissão, porque correria o risco de ser considerada chata e incompreensível pelos leigos no assunto ao abordar o tema na profundidade que gostaria ou então de ser tachada de ignorante pelos profissionais do direito por abordar o tema de forma superficial de modo a que eles seja palatável para aqueles que não são advogados.

Mas, considerando o tamanho do desfavor, vou correr esse risco. Quero deixar claro aos operadores do direito que este texto não tem a menor pretensão de ser um trabalho jurídico. Vou simplificar e usar vocabulário pobre e chulo, como é do estilo do blog. O que vou escrever aqui de forma alguma representa minha capacidade profissional, muito pelo contrário, vou cometer até algumas atecnias em nome da didática, é apenas mais um texto no estilo do Desfavor.

Para aqueles que não sabem, a Lei nº 12.015 de 07 de agosto de 2009 alterou a tipificação (descrição) e pena de alguns crimes contra liberdade sexual, dentre eles o estupro. Aparentemente, a intenção do legislador (pessoas que fazem as leis, em sua grande maioria uns imbecilóides) era punir com mais severidade estes crimes, dado o clamor social por casos recentes que ganharam destaque na mídia. Eu tenho uma opinião xiita: acho que quem FAZ as leis TEM QUE ser um operador do direito, porque um leigo acaba fazendo merda. Como é que você vai fazer uma lei se não estudou direito? É a mesma coisa que pedir para um advogado compor uma ópera para que um maestro renomado a execute com uma orquestra afinada. Por melhor que seja o maestro e a orquestra, se quem compôs não entende porra nenhuma de nada de música, vai ficar uma merda.

Pois bem, no Brasil quem faz as leis não necessariamente tem formação em direito. Vira e mexe fazem cagada, que na minha nada humilde opinião, foi o caso dessa nova lei que modifica o crime de estupro. Sabe gente que quer mostrar serviço e faz merda? E o povo, como desconhece e sofre de histeria punitiva, acaba comprando uma aparente verdade. O povo, como diria Bonner, é Homer Simpson e se instruí vendo Jornal Nacional e lendo Veja. Daí quando sai uma lei que aparentemente aumenta a pena do estupro, todo mundo bate palminha feito um bando de focas adestradas, sem questionar.

“Mas Sally, se aumentou a pena, é bom! Você gostaria de ser estuprada? Gostaria que alguém estupre sua filha? Estuprador tinha mais é que morrer…”. CALMA. CONTROLE-SE. Leia com atenção os parágrafos abaixo para entender o tamanho do desfavor dessa lei.

Sem querer ser chata nem cuspir juridiquês em vocês, vou transcrever a antiga redação da lei a atual, para que vocês entendam onde eu quero chegar:

ANTIGA REDAÇÃO:

ESTUPRO

art. 213 – Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça

Pena: Reclusão de seis a dez anos

ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR

art. 214 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal

Pena: Reclusão de seis a dez anos

Em ambos os casos, se do fato resultasse morte, a pena poderia ser majorada de doze a vinte e cinco anos.

Vamos traduzir. Pela lei antiga, o estupro era pênis na vagina. Só a mulher podia ser vítima de estupro e era um ato muito bem definido. Repito: pênis na vagina. Já o atentado violento ao pudor é o ato libidinoso que não seja pênis na vagina (tipo, pênis no cu ou pênis na boca). A lei era perfeita? Não, não era.

Quando se falava em “ato libidinoso” dava margem para uma série de situações duvidosas (a propósito, aquilo que você fez no carro ontem com aquele Zé Ruela é ato obsceno, art, 233 do Código Penal, e não atentado violento ao pudor, porque não foi contra a vontade dele). O que é um ato libidinoso? Qual o limite para classificar um ato como libidinoso? Difícil… Ainda mais em um país de proporções continentais como o Brasil. O que é ato libidinoso no interior do Mato Grosso pode não ser no Rio de Janeiro. Daí as pessoas ficam nas mãos de Juízes, alguns condenados e outros absolvidos por praticar exatamente a mesma conduta, muitas vezes morando no mesmo lugar.

Eu teria diversas sugestões de alterações para estes artigos, mas como minha opinião vale porra nenhuma, nem vou me dar ao trabalho de sugerir nada. Vamos ver as alterações que foram feitas:

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

§ 2o Se da conduta resulta morte:

Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Entenderam o drama? Quem lê superficialmente ou escuta nosso amigo Bonner Simpson no Jornal Nacional (sim, eu detesto ele e vou falar mal dele sempre que tiver oportunidade) dizer “Aumenta a pena para estupro” fica feliz e bate palminhas. Mas na verdade a nova lei foi uma involução. Ela juntou o estupro e o atentado violento ao pudor em um único crime, o que na minha porra nenhuma humilde opinião, foi o maior desfavor de todos.

Antes, se um filho da puta te estuprava pênis na vagina e depois comia seu rabo, poderia responder por dois crimes diferentes, com as penas somadas (em juridiquês: concurso material de delitos). Hoje não. Qual o recado que nosso legislador passsou? “Alou, estuprador, se comer a mulher, aproveita e faz o pacote completo, enfia em tudo quanto é buraco, porque a pena é mesma!” Isso Bonner Simpson não fala (mas sorri debochadamente quando dá noticias como “Rafael Pilha faz um passeio pelo Código Penal” – babaca!).

No fim das contas, a nova lei deixou mais branda a punição por estupro e atentado violento ao pudor. Palmas para nossos legisladores, arquitetos, economistas, médicos e engenheiros que vem dar pitaco na lei para piorá-la. Por favor, não votem mais para colocar leigos criando leis. Além de deixar mais branda a pena, não corrigiu o defeito da lei antiga, que deixava uma brecha enorme com a palavra “ato libidinoso”. Essa porra indefinida continua lá. E agora mulher também pode estuprar homem, basta que ela pratique um ato libidinoso com ele contra a sua vontade. Cá entre nós, atire a primeira pedra quem nunca meteu a mão na bunda de algum gostoso! (*grilos tá, ok, fui só eu… indo pro cantinho da vergonha).

Além disso, essa nova lei estimula a histeria e a mágoa de caboclo de pessoas vingativas, da mesma forma que todas as outras leis que eu venho criticando, como a Lei de Violência Doméstica. Tudo bem que é pouco provável que alguém seja condenado por uma mão na bunda ou um beijo roubado, mas porra, existe a possibilidade de responder um processo e isso por si só já é péssimo. Imagina o peso de uma pessoa responder um processo por estupro? Daí vem aquelas pessoas mal amadas, histéricas, descontroladas e rejeitadas que vivem gritando que vão processar (bregaaaaa) e acabam intimidando. É uma arma para pessoas que querem prejudicar os outros.

Os maiores desfavores da nova lei são esses e o limite de páginas (e da sua paciência) não permite que eu me aprofunde mais nestes artigos. Entretanto, tem outros que merecem uma menção honrosa:

Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

Porque merda um estupro é menos grave de for praticado mediante um meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima? Impedir a manifestação de vontade da vítima é tão grave quanto estuprar mediante ameaça. Alguém aqui gostaria de ser dopado, ficar consciente, sem poder se mexer e ser estuprado? Na minha cabeça é tão grave quanto. Juro que não entendi.

“Estupro de vulnerável”

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

Vamos combinar que hoje existem muitas mulheres de 14 anos. Poderiam ter diminuído essa idade, ou então deixar a critério de uma avaliação de um perito em psicologia ou psiquiatria. Presumir automaticamente que NENHUMA menina de 14 anos tem aptidão para escolher se quer fazer sexo é ignorar a realidade. E quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga e ignora o direito: Meninas de 14 anos continuarão dando mais do que chuchu na serra, só que ainda terão uma arma de chantagem no dia seguinte de o sujeito não ligar. 12 anos seria uma idade mais razoável. Vejam bem, sexo contra a vontade é SEMPRE estupro, independente da idade, o que estamos falando é de casos onde mesmo consentido o sexo é considerado estupro. Uma menina de 13 ou 14 anos já pode consentir, né? Se não em todo o Brasil, pelo menos em parte dele. Tinha que relativizar isso aí.

E também achei meio bizarro presumir que pessoas com deficiência mental não tem desejo sexual. Tem muito deficiente mental que de fato não tem o menor discernimento para a prática do ato, mas tem desejo sexual e faz sexo mesmo assim, vide o caso da menina com Síndrome de Down que teve um filho com seu namoradinho, que foi objeto de um Desfavor da Semana aqui no blog. Aquilo foi estupro? Sei não… Assim você condena os deficientes mentais a nunca poderem fazer sexo na vida.

Mais uma coisa curiosa: em todos os crimes a pena se aumenta da metade se resultar em gravidez. Heeeein? Olha, se a pessoa passa uma doença para a outra, se causa uma lesão corporal, eu até acho que a pena tenha que ser majorada mesmo, mas em caso de gravidez? Primeiro que viola a intimidade da mulher, que pode querer abortar sem que ninguém saiba que ela engravidou e vai ter escrito em uma sentença judicial com o nome dela que sofreu um estupro com esse agravante. Segundo que se a mulher quiser ter o filho, é meio estranho que uma criança, que, supostamente, de alguma forma, é querida, seja motivo de pena maior. Quem estupra está pouco se fodendo, não vai usar camisinha por causa dessa majoração de pena.

Responder a um processo é uma coisa muito séria, muito sofrida e muito cara (a menos que você seja advogado e não precise pagar um). Essa nova lei foi leviana a irresponsável. Vai ter muita gente que não fez nada de mais respondendo a processo pro estupro. Já pensou como isso pode acabar com a reputação de uma pessoa? Se você, leitora, estivesse saindo com um Zé Ruela e descobrisse que ele responde a processo por estupro, continuaria saindo com ele? Daí fica essa horda de histéricas que só sabem blefar e depois peidar pra dentro e amarelar ameaçando processar… Amigo leitor, grite: PROCESSA EU! e me mande um e-mail, terei o maior prazer de ajudar.

Para me dizer que eu defendo estuprador, para me perguntar como passar a mão na bunda dos outros em segurança após a nova lei e para dizer que falar sobre leis é chato e que prefere quando eu falo sobre subcelebridades: sally@desfavor.com

Desfavor Explica: Falsos Positivos

ATENÇÃO: ESTE TEXTO NÃO É FALSO, POSITIVO?
Começo hoje uma série de textos cujo objetivo é analisar de uma forma racional a irracionalidade. Mais precisamente a irracionalidade do nosso dia-a-dia. Não há o menor propósito de se criar um tratado sobre psicologia ou algo que o valha, a idéia é demonstrar como algumas “áreas escuras” da mente humana podem ser facilmente exploradas por outras pessoas, independentemente de seus motivos.

E nada melhor para começar esta série do que falar sobre os falsos positivos. Trataremos “falsos positivos” aqui como: Qualquer relação entre causa e efeito inferida a partir de premissas ou métodos errôneos.

Mes esse tipo de definição é algo meio chato por si só. Vamos partir para uma linha mais simples de pensamento: Pensemos num “amuleto da sorte”.

Digamos que eu te ofereça uma moeda da sorte contra estouro de manada de elefantes. Eu te garanto que enquanto você mantiver a moeda em seus bolsos, você NUNCA será uma vítima de uma turba de paquidermes enfurecidos. Digamos então que você me permita o benefício da dúvida e mantenha a moeda.

Anos depois, caso nos encontrássemos, você teria que dar o braço a torcer. Desde que você começou a andar com a moeda da sorte, não ouviu nem falar de um estouro de manada de elefantes. A lógica é simples no caso: A moeda realmente funciona com o propósito devido. Causa e efeito.

Mas esse é um exemplo absurdo, é claro. Existem outros elementos nesse sistema que podem explicar com facilidade por que o detentor da moeda nunca foi atacado por uma manada de elefantes. No Brasil, elefantes só podem ser vistos em zoológicos e circos. E nunca numa quantidade suficiente para se considerar uma manada. Ataques de elefantes são raros, principalmente para quem nunca teve contato com um…

Um adulto em suas faculdades mentais normais nem consideraria a possibilidade da existência de um amuleto desse tipo. Mas vários adultos em em suas faculdades mentais presumidamente normais utilizam símbolos religiosos para se proteger do mal no dia-a-dia. Qual a diferença entre os dois casos?

É mais simples do que parece. É uma questão de tamanho da “equação”. Enquanto no caso obviamente absurdo da moeda anti-estouro de manada de elefantes são apenas duas variáveis facilmente explicáveis por lógica simples, no caso do “santinho” entra uma quantidade de informações e possibilidades tão grande que torna trabalhoso demais quebrar o raciocínio em pedaços menores (“proteger do mal” é uma expressão muito complexa) até se entender que a idéia geral é um conglomerado de amuletos da sorte.

Para que o símbolo religioso se torne efetivamente apenas mais um amuleto cujo resultado prático é apenas mais um falso positivo, é necessário lidar com a maior e mais poderosa ferramenta de controle que existe, estou falando do MEDO.

Vamos voltar para o caso da moeda. O portador desse amuleto (que nem acredita muito no objeto, mas o levou por “precaução”) finalmente se encontra na situação que desprova o funcionamento dele. Durante um safári na África, depara-se com dezenas de elefantes furiosos correndo em sua direção. A situação é tal que ele está encurralado e sem nenhuma expectativa racional de escapar do perigo iminente.

O medo é um dos sentimentos mais básicos possíveis. Quando ele assume o controle da mente, não permite que nada mais complexo possa combatê-lo. O medo desliga a racionalidade e traz à tona toda a carga de instintos que carregamos conosco. Reações químicas muito mais poderosas que as habituais nos tornam máquinas de auto-preservação. A busca pela segurança é a única prioridade. A quantidade de variáveis DESABA.

Os falsos positivos ficam irresistíveis. O portador do amuleto anti-estouro de manada de elefantes tende a segurá-lo com força e manter sua esperança que no último segundo, ele vai funcionar e salvá-lo. E agora, a parte interessante: Se ele por algum acaso escapar, a lógica simples de causa e efeito vai ganhar o apoio de um exemplo empírico. Não foi apenas coincidência! Na hora que ele mais precisou, a moeda o salvou! É verdade, ele vivenciou!

Você, que está lendo, ainda sim pode imaginar outras possibilidades mais plausíveis para a sobrevivência do homem que acreditava em seu amuleto. Uma árvore no caminho pode ter desviado a manada. O homem pode ter se beneficiado por ter ficado parado e não colidido com nenhum dos animais por pura chance. Muita coisa pode fazer sentido, mas não existe nenhuma razão lógica para uma moeda, um pedaço de metal, ter qualquer função que interfira com o funcionamento da mente de elefantes, os obrigando a mudar de direção e não machucar o dono do amuleto. Dono esse que agora tem CERTEZA que o amuleto funciona. Certeza que você, observando de fora, não tem.

E vejam só, o fato de que o amuleto NÃO impediu o estouro da manada é convenientemente ignorado. A conclusão se apóia na parte mais sólida da idéia. A base, descreditada pela realidade, continua intacta com a ajuda do resultado. Isto é um falso positivo reforçado.

Porém, e se ele não escapasse? E se terminasse sua vida com uma moeda esmagada junto com o que restou da sua mão? Já que nesse exemplo fui eu que entreguei a moeda para o pobre coitado, um amigo dele vem me confrontar sobre a moeda que eu garanti ser verdadeira, um amuleto que pode ter diminuído drasticamente a chance de sobrevivência de seu dono naquela situação. Eu posso escapar de várias maneiras mantendo a presunção de poder anti-estouro de manadas de elefante:

“Eu disse que a moeda tinha que estar no bolso para funcionar. Ele morreu segurando ela.”;

“Ele não acreditava de verdade no poder dela. Isso era condição para ela funcionar.”;

“A moeda só funciona no Brasil.”;

“Elefantes africanos? Não! A moeda era para os asiáticos.”.

Para escapar de qualquer confrontamento sobre um falso positivo, aumente o número de variáveis. Uma pessoa que não tem capacidade ou coragem de questioná-lo num primeiro momento VAI continuar sendo levada ao erro de acordo com a escalabilidade da complexidade da idéia.

Repito: Estou usando um exemplo absurdo. A chance de alguém acreditar num amuleto desses, mesmo ouvindo sobre ele por intermédio de uma testemunha de seu funcionamento, é praticamente nula. Praticamente. Apenas o medo é capaz de enfraquecer sua lógica a ponto de aceitar um falso positivo simples. Lembram que o portador do amuleto no exemplo o levou apenas por “precaução”?

“No creo en las brujas, pero que las hay, las hay.”

Essa é uma relação muito comum entre a mente humana e o medo do desconhecido. Mesmo que a racionalidade não permita que alguém se entregue totalmente a uma superstição, existe uma parte de nós que não quer ser pega de surpresa no improvável caso dela ser real. Medo. O medo está lá na base, nos fazendo aceitar, pelo menos parcialmente, uma quantidade de bobagens impressionante em nossas vidas. O medo nos faz aceitar as relações lógicas simplistas entre causa e consequência sem nenhuma preocupação com a reprodutibilidade do comportamento. (A idéia é buscar padrões, e mesmo assim abandonamos essa necessidade assim que ele bate de frente com o que QUEREMOS acreditar para nos sentirmos mais seguros.) Somos muito mais permissivos nas “profundezas” de nossa consciência.

Falsos positivos são o resultado de falhas na nossa lógica causadas pelo medo do que não conhecemos. Todo mundo tem esse ponto fraco. Muita gente lucra com isso. Muita gente sofre com isso. Mas ninguém deixa de ser esmagado por elefantes por causa disso.

Os falsos positivos são uma espécie de pirâmide invertida. Basta prestar atenção na base para perceber a sua fragilidade estrutural. Nunca tente derrubar um argumento aparentemente insano pelas conclusões. O número de variáveis aumenta exponencialmente, inclusive com várias delas parecendo muito racionais.

Derrube a base. Acenda a luz.

Para me perguntar o quanto eu cobro pelo amuleto anti-estouro de manadas de elefantes, para dizer que eu abordei o assunto de forma surpreendemente não-ofensiva, ou mesmo para expor as falhas básicas na minha explicação: somir@desfavor.com

Só para o Newton não se sentir negligenciado...

ATENÇÃO: ESTE TEXTO RESPEITA AS LEIS VIGENTES.

Ah, a gravitação… A força troll da natureza. O foco do texto de hoje é exemplificar o quanto essa força de atração natural entre tudo o que tem massa no universo adora nos sacanear.

(E este texto nem vai falar sobre peitos caídos…)

Comecemos distinguindo gravidade e gravitação. Gravidade é o que observamos aqui na Terra. Gravitação é o nome da força que causa isso. O título fala de gravidade, mas o foco é a gravitação mesmo. (Aposto que você ficaria com mais preguiça de ler se visse gravitação.)

PEQUENOS PODERES:

O quê? Você não sabe nada sobre mecânica quântica? Ninguém mandou perder todo aquele tempo fazendo sexo… Mas tudo bem, o desfavor vai explicar alguns conceitos básicos (BEM básicos) para que você não tenha de fingir que entendeu alguma coisa nos comentários.

A mecânica quântica estuda tudo o que é pequeno demais para ser explicado por outras teorias. Átomos e suas subdivisões, além de várias outras partículas menores que um átomo. (Como, por exemplo, a luz. Formada por fótons.)

Desde que se começou a pesquisar direito o que seriam esses tais de átomos, uma excelente dúvida tomou conta da mente dos cientistas: O que diabos faz eles ficarem juntos para formar alguma estrutura maior?

Muitos teorizaram, muitos estudaram, mas só depois das pesquisas e descobertas de Ernest Rutherford, e mais tarde Niels Bohr, que finalmente o átomo começou a fazer mais sentido. Foi uma festa, com os prótons, nêutrons e elétrons, a Química abraçou o conceito e foi definindo porque algumas coisas ficavam juntas e outras separadas. (Não é o objetivo do texto se alongar por aqui. E você deveria saber isso se terminou pelo menos o segundo grau, seu desfavor!)

Mas, continuaram fuçando. Algumas coisas ainda estavam MUITO erradas com a idéia de um átomo não explodir por causa das forças eletromagnéticas em ação ali. A física “habitual” ia para as cucuias dentro do átomo. E com a descoberta dos quarks e léptons, subdivisões das subdivisões do átomo, não dava mais para tratar o subatômico de forma semelhante ao observável.

Pois bem, essa explicação “que nem o nariz” é para chegarmos às quatro forças fundamentais, que ajudam a responder aquela pergunta sobre o que faz os átomos ficarem juntos e a nova sobre como o átomo pode ficar íntegro com tanto eletromagnetismo bagunçando a ordem de suas subdivisões.

Sim, eu deveria estar falando sobre gravidade. Estou chegando lá.

As forças fundamentais são:

Força nuclear forte e fraca: Pelo bem da sua paciência, é melhor não explicar porque uma é fraca e a outra forte. Pesquise por conta própria ou considere que uma malha mais que a outra. E essa força é a mais poderosa que temos conhecimento. (Pelo menos por si só.) É a força nuclear que segura o que forma o átomo no lugar. Para vocês terem uma idéia, quando se “mexe” nessa força para ela deixar de manter os átomos no lugar, ocorre uma fissão nuclear. E se você não sabe o que é isso:

Bomba atômica

Força eletromagnética: Essa é uma das mais fáceis de entender. Só não é mais forte que as forças nucleares. Por isso um átomo pode se ligar a outros e não se desintegrar no processo. (Ainda bem!) Se você já viu um imã em funcionamento, sabe o que ela faz.

Força da gravidade: É o que te mantém no chão. Mas aqui entra o primeiro motivo pelo qual a gravidade é uma força troll. Ela é INCRIVELMENTE mais fraca que as outras forças descritas anteriormente. Eu quero que vocês se concentrem no INCRIVELMENTE mais fraca. Porque é bem assim, a gravidade não ganha de nenhuma outra força, nem toda a gravidade do universo tem força para sequer perturbar a força nuclear entre dois míseros quarks.

Um simples imã consegue vencer a força gravitacional do planeta inteiro.

Mas… vai dizer que não achava que ela era forte? Percebam o golpe:

A gravidade atrai: E não faz mais nada. Digamos que é um prêmio pela persistência. As outras forças ficam se pegando com atração e repulsão o tempo todo, mas a gravidade continua focada. Cada vez que uma das outras forças se anula, a gravitação faz seu trabalho. A gravidade é aquela vadia que espera o casal brigar para dar em cima do homem.

A gravidade não termina: Neste exato momento, um dos átomos que forma a sua bunda está atraindo a estrela mais distante conhecida. E vice-versa. (Você é um(a) vadio(a), querendo ou não.) O que acontece é que a partir de uma distância, essa atração já não é mais relevante. O planeta Terra exerce mais força por estar mais perto e acaba vencendo o braço-de-ferro. Se o Sol estivesse mais perto de nós, por exemplo, essa equação já não seria mais a mesma. A força da gravitação está o tempo todo influindo em nós.

A gravidade depende da massa: E aqui fica mais fácil de entender usando outra força… Um imã pode atrair um prego. Um milhão de imãs juntos podem atrair um avião. Se cada átomo está atraindo alguma coisa com a gravitação, quanto mais próximos os átomos estiverem uns dos outros, mais comum vai ser o centro de atração. E quanto mais átomos apertados num mesmo lugar, maior a massa e a densidade desse lugar. A união faz a força.

O que nos leva a conclusões interessantes como: “Somir é mais atraente que Sally”. Como Somir tem mais massa, sua atração gravitacional é maior!

Eu disse que a gravitação era um instrumento de trollagem…

Desde o primeiro tombo do primeiro homem das cavernas, desde Newton e sua mitológica maçã, desde Einstein e sua Teoria da Relatividade, a humanidade vai conhecendo melhor essa nossa companheira inseparável. A mecânica quântica chegou para apontar para a gravitação e dizer o que ela realmente era.

Pois é… Não funcionou. As outras forças, várias outras partículas e definições sobre o microcosmo já podem ser comprovadas e estudadas. Mas a gravitação… Imagina-se que uma partícula chamada gráviton seja a responsável por essa força. Mas provar sua existência são outros quinhentos.

Vários desses elementos que compõem a física quântica não podem sequer ser observados. Não existe tecnologia para vê-los, mas existem formas de interagir com eles e definir que eles estão mesmo ali. (Considerando, é claro, o princípio da Incerteza… Onde, mas não quando. Quando, mas não onde.)

Mas… Como se vai interagir com uma força tão ridiculamente inexpressiva como a gravitação? E é nesse “apagão” do conhecimento onde se forma uma das maiores sacanagens da gravitação com a Física.

GRANDES ASPIRAÇÕES:

Super teoria de super tudo! Faz muito sentido que já que as coisas minúsculas se juntam para se forma coisas maiores, tudo siga uma lógica razoável desde o micro até o macro, certo?

Quem nos dera! De um lado temos a Teoria da Relatividade explicando com muita lógica como o grande universo ao nosso redor funciona. De outro temos a mecânica quântica explicando com tanta ou mais lógica como as coisas pequenas demais para ser observadas interagem.

Mas entre elas, um abismo. A relatividade não funciona bem no campo da quântica e a quântica não faz muito sentido no universo da relatividade. Os físicos tentam de todos os jeitos fazer as duas se entenderem, mas até esse exato momento, o máximo que temos são teorias bonitas que não podem ser provadas. (Teoria das cordas, por exemplo…)

E adivinhem só quem está bem no meio desse abismo tirando sarro dos dois lados? Exato, nossa querida força troll. A força insignificante que influi com extrema violência no universo todo.

Portanto, no meio do caminho entre mecânica quântica e relatividade geral, farei como os melhores cientistas do mundo e direi: Sei lá! (Se eu sacasse qual a conexão entre as duas, eu não escreveria aqui, iria ganhar o meu Nobel!) Vamos para a gravidade de gente grande.

Eu já tinha falado que a gravidade só atrai e nunca se cansa de fazer isso. Mas… por que não estamos indo em direção ao Sol? Afinal, com aquela massa toda, faria sentido que fôssemos sugados pelo gigante amarelo em questão de anos…

E quem disse que não estamos indo? Na verdade estamos “caindo” no Sol a uma velocidade impressionante. Só não batemos na bola de fogo pelo mesmo motivo que a Lua não bate na Terra. A velocidade da queda. Também conhecida como órbita. Nunca parou para pensar porque as galáxias e sistemas planetários são arredondados e não retos/quadrados?

Quando jogamos uma pedra para o alto aqui na Terra, ela tende a cair… feito uma pedra, não? Quanto mais força você fizer, mais longe ela vai. Imagine só se você lançasse uma pedra sem o atrito do ar numa velocidade compatível com o giro do planeta sobre seu próprio eixo. A cada vez que a pedra tentasse “cair”, ela não encontraria mais chão. É isso que mantém os satélites em órbita, o fato deles não pararem de cair. E é a gravidade que não os deixa ir embora.

O Sol nos atrai, mas não temos onde cair. O Sol nos atrai, por isso continuamos mais ou menos no mesmo lugar.

(Essa explicação deve ter deixado muito físico com o cabelo em pé. Mas o desfavor explica é começo de pesquisa, não fim…)

O melhor jeito de imaginar a gravidade em largas escalas é pensar num pano esticado no ar com uma bola de metal no meio. O pano vai se deformar pelo peso da bola. Se você colocar outro bolinha menor em cima do pano, ela vai rolar para a maior. Se você colocar outra maior do que a original, ela vai gerar uma deformação maior ainda e atrair a que já estava lá.

Um buraco negro nada mais é do que um objeto pesadíssimo em cima desse pano. Pode jogar o que quiser ali em cima que vai acabar rolando para perto, aumentando mais ainda a deformação.

E o pano esticado nada mais é do que o nosso universo. A diferença é que num universo (no mínimo) quadrimensional, a massa deforma o pano em todos os sentidos ao mesmo tempo. (Tem forma melhor para isso do que a esfera?)

A gravitação define quase todas as interações visíveis, e está sempre tirando uma com a cara de quem se dispõe a entendê-la. Bem-vindos ao rol de trollados.

Para dizer que não entendeu porra nenhuma, para dizer que se sentiu estranhamente atraído(a) por mim ou mesmo para dar chilique pela idéia de que orbitamos o Sol por não ter onde cair: somir@desfavor.com

Conte com eles?

Não sou chegada a teorias conspiratórias, acho brega. Mas o que venho lhes dizer hoje passa longe da conspiração, por mais fantasioso que possa parecer. Talvez vocês encontrem algumas versões mais alarmistas e enfeitadas sobre o tema e talvez elas sejam até verdadeiras, mas aqui me limito a escrever apenas sobre o que tenho absoluta certeza, em nome da minha credibilidade, então, muitas informações das quais não tenho certeza foram cortadas.

Pois bem, o Desfavor Explica de hoje é sobre os NUMERATI. Já ouviu falar? Muitas pessoas não. Numerati é o nome dado a um grupo de pessoas especialistas em transformar comportamentos humanos em equações matemáticas na intenção de prevê-los, catalogá-los e avaliá-los. Modelos matemáticos da sua personalidade, gostos, comportamentos e produtividade. Grandes empresas como a IBM já vem aplicando esse tipo de “avaliação” para verificar o quanto vale cada funcionário seu, o quanto ele rende e como melhorar sua produtividade. A questão é, será que um cálculo matemático consegue expressar os prós e contras de um ser humano?

A técnica dos Numerati vem sendo utilizadas não apenas no mercado de trabalho. Na política, por exemplo. Obama se elegeu com auxílio de renomados Numerati. Para quem tiver curiosidade, o nome do mentor da campanha é Josh Gotbaum. Como eles atuam? Fazem pesquisas para esmiuçar os hábito, preferências e valores de determinado grupo e são complementadas com uma vasta pesquisa dos hábitos de consumo. Com estas informações nas mãos, traçam um perfil detalhado de cada grupo eleitoral e fazem uma campanha “personalizada”, voltada principalmente para os indecisos, muito certeira, uma vez que os valores e preferências desse grupo já foram dissecados. O candidato acaba falando, para aqueles grupos, exatamente o que eles querem ouvir, porque os Numerati já passaram a cola.

Além do mercado de trabalho e política, os Numerati vem sendo requisitados no mercado de consumo também. Vou citar um exemplo. Mimos inocentes oferecidos por redes de supermercados, como cartões de fidelização, são fontes importantes de informações para os Numerati. Com estes cartões eles tem acesso aos produtos que você costuma comprar com maior freqüência e isso lhes permite traçar o seu perfil e até fazer ofertas especializadas para agradar e fidelizar o consumidor. Nos EUA, uma rede de consultoria chamada Accenture desenvolveu um software para descobrir como convencer consumidores a testar novas marcas. Funciona assim: fazem cálculos com base nos dados que tem do consumidor (gasto médio, renda familiar e produtos de preferência) para calcular um desconto que justifique uma troca de marca. Por exemplo, se o consumidor só compra Coca-Cola, eles calculam quanto uma Pepsi tem que estar mais barata para que se torne uma oferta irresistível para aquela pessoa, com aqueles gostos e com aquela renda.

Nada se salva. Até as relações pessoais estão na mira dos Numerati. Existem sites de relacionamentos (aqueles onde você supostamente vai achar seu par ideal) que vem usando a matemática Numerati para unir casais que, segundo cálculos, teriam uma afinidade maior. No site chemistry.com (não, eu não freqüento, ok?) as perguntas que a pessoa tem que responder para se cadastrar tem a intenção de avaliar não só sua personalidade, como também os hormônios que predominam no seu corpo e influenciam em sua personalidade. Eles tentam juntar combinações de pessoas que se complementem em diversos aspectos biológicos, por exemplo, unir pessoas com mais testosterona, que são consideradas mais analíticas, com pessoas com mais estrogênio mais intuitivas.

Ao contrário do que dizem alguns histéricos por aí, os Numerati não são necessariamente maus. É uma nova forma de aplicação da matemática nas relações interpessoais que pode ser usada para o bem ou para o mal. Nem sempre eles são “espiões” e nem sempre querem nos manipular. Muitas vezes estas equações e banco de dados podem ser utilizados para o nosso bem, como por exemplo, na medicina, onde se pode calcular a probabilidade e riscos de determinados comportamentos, escolhas e hábitos na nossa saúde. Podem até mesmo diagnosticar uma doença antes que ela manifestes sintomas em nosso organismo.

O grande problema não são os Numerati em si e sim a forma como isso vai ser utilizado. Para aplicar estes conhecimentos de forma benéfica seria preciso bom senso e respeito, artigos de luxo quando se trata de seres humanos. Duvido muito que predomine o bom senso e o respeito. Quando se trata de ser humano, o que costuma predominar é ambição, ganância e interesse pessoal. Quando os Numerati aplicam suas equações na nossa vida privada sem o nosso conhecimento e autorização a coisa começa a ficar perigosa. Isso configura uma invasão de privacidade. Tecnicamente, não é invasão de privacidade, porque eles não obtém os dados de forma fraudulenta ou ilegal, mas ainda assim, eu me sentiria invadida. E você?

Hoje em dia, praticamente tudo que a gente faz acaba deixando um rastro de informação a nosso respeito. Uma compra no cartão de crédito, um e-mail, uma pesquisa por uma palavra no Google. Eu fiz um teste no começo do ano, quando saiu uma matéria na revista Superinteressante sobre os Numerati, justamente para escrever este texto (que seria um Sally Surtada, mas virou Desfavor Explica). Todos os dias entrei com meu login no Google e em outros sites como Mercado Livre, Yahoo e cia, procurando por produtos para bebês. Não tenho filhos e não estou grávida. Mas comecei a receber e-mails publicitários me oferecendo descontos em produtos para bebês. Coincidência?

Os comentários deixados em blogs também são avaliados pelos Numerati, sabiam? Um Numerati chamado Howard Kaushansky desenvolveu softwares capazes de “entender” o contexto da frase que está sendo dita e avaliar mais de 35.000 comentários em cinco minutos. Pobre Sally Somir, ela vai ter muita dificuldade para conseguir um emprego depois das diversas barbaridades que ela andou comentando por aí nos blogs!

O assunto é novo mas já existem livros falando a esse respeito. O mais famoso é o The Numerati, de Stephen Baker, foi muito badalado, não tem como não fazer menção a ele. No livro ele detalha como o trabalho dos Numerati pode ser aplicado nos mais diversos grupos sociais, desde consumidores até mesmo terroristas. Sem querer ser esnobe, não vale a leitura. Achei repetitivo e sem poder de síntese. Apenas uma curiosidade que eu acho que merece destaque: ele conta que todo mês o Yahoo reúne 110 bilhões de dados sobre seus usuários. O Google estava ficando para trás, não conseguia tantos dados, por isso criou o GMail, para “nos conhecer melhor”. Você tem GMail? Créu na quinta velocidade para você! Novamente: pobre Sally Somir, nunca vai arrumar um emprego quando virem as coisas que ela procura no Google.

Não tem como fugir dos Numerati. A menos que você se isole no alto de uma montanha. Uma ligação no celular, um pagamento de pedágio, uma compra no cartão de crédito… tudo vai sendo computado. A vida moderna nos obriga a fornecer material aos Numerati. E no Brasil, a coisa ainda está light, porque nosso Governo é imbecilóide e incompetente (até que enfim algum benefício nisso!). Pensem como seria perigosa a atuação de Numeratis em um país com Governo forte, bem estruturado, que queira manter a população na rédea curta! Praticamente um Big Brother – não o programa de TV, e sim o do livro 1984. Recentemente tive o prazer de conhecer a Suellen e tivemos uma conversa sobre os Numerati quando saímos para jantar. Chegamos a conclusões assustadoras – que não cabem aqui.

Não adianta espernear, os Numerati são uma realidade. Sou contra essa postura rebelde-revolucionária de se bater de frente com as instituições das quais não gostamos. Fracamente, acho que não adianta nada. Euzinha com mais meia dúzia de amiguinhos não vamos derrubar o Google. É vexame tentar. Não vou ficar dando murro em ponta de faca. Mas também não precisamos nos entregar e nos resignar em ser zebras. Abolir os Numerati não é a solução, eles podem ser benéficos para muitos de nós! Só para variar, vamos usar a inteligência.

Convoco todos vocês, que já tem ao menos uma iniciação troll, a trollar silenciosamente os Numerati. Sem alarde, sem escândalo, sem briga. Apenas vamos mostrar que o ser humano não é mensurável por equações matemáticas. Já induziu um Numerati a erro hoje? Está esperando o quê?

Para me perguntar se eu vendo seus comentários no desfavor para algum Numerati, para me perguntar se o nosso Presidente da República sabe ao menos pronunciar a palavra Numerati e para me dizer que está muito surpreso com o fato de eu saber escrever sobre outras coisas que não envolvam relacionamentos: sally@desfavor.com

Eu paro quando quiser...

Uma das bebidas mais vendidas no mundo, comercializada em mais de 140 países. Vício para uns, vilã para outros. O Desfavor Explica de hoje é sobre nosso doce veneno, Coca-Cola.

Antes de mais nada, quero informar que para escrever este texto pedi ajuda de profissionais avalizados. Todas as informações técnicas que podem ser vistas aqui me foram passadas por técnicos da área. E desde já agradeço a compreensão e paciência dos três que consultei em responder minhas intermináveis perguntas (dou uma folha de coca para quem adivinhar em que empresa eles trabalham).

A Coca-Cola foi criada pelo farmacêutico John Pemberton, em 1886. Não foi criada como uma bebida e sim como um remédio patenteado (era um “tônico para os nervos”, o que quer que isso signifique). Usava como estimulante a folha de coca (essa mesma, a da cocaína), o que alimentou uma lenda urbana que Coca-Cola contém cocaína até os dias de hoje. Com o tempo, o estimulante foi substituído pela cafeína, entretanto, a folha de coca ainda é usada para dar sabor à bebida, porém essa folha não tem qualquer potencial entorpecente. Até 1915, a Coca-Cola de fato continha uma pequena quantidade de cocaína (o que na época era permitido). Depois disso, foi suprimida e restou apenas a folha de coca.

A bebida recebeu esse nome porque era composta de folhas de COCA e o sabor era oriundo da noz de COLA (uma plantinha africana).

Com o tempo e com algumas alterações em sua fórmula e uma campanha de marketing muito eficiente, entrou no mercado como uma das bebidas mais consumidas no mundo. Nos primórdios, o concentrado da bebida (xarope que dá origem ao refrigerante) era armazenado em barris vermelhos. Por isso adotaram o vermelho como cor oficial da marca e fizera disso uma característica marcante. Grandes trolls da publicidade fazem isso: capitalizam em cima de tudo para tornar o produto onipresente.

O nome do responsável pela marca Coca-Cola é Asa Griggs Candler. Esse gênio da trollagem alimentar nos empurrou essa bosta goela abaixo e nos fez crer que seu sabor é agradável. Desenvolveu uma estratégia de marketing massificando a presença da Coca-Cola na vida dos consumidores: distribuiu objetos com a marca da Coca-Cola para os comerciantes locais, de modo que ela se torne onipresente, espalhou as Coke Machines para permitir que o consumidor tenha acesso à bebida em todos os lugares e criou embalagens portáteis que permitiam beber Coca-Cola em qualquer lugar.

Também associou a Coca-Cola à família, com propagandas onde ela era a bebida oficial do almoço de domingo. Criaram na Coca-Cola uma idéia de originalidade, rebaixando os concorrentes a meras “cópias”. Fizeram uma garrafa exclusiva, chamada “Contour”, que o consumidor poderia reconhecer sem rótulo, até mesmo de olhos vendados ou no escuro, graças a seu design original, que foi um sucesso, uma marca em si mesma. Esta sucessão acertos publicitários alavancou o sucesso da bebida. Mas é claro que não foi apenas marketing. A bebida, por sua fórmula, conquistou nossos organismos.

Vamos à grande pergunta que não quer calar: a fórmula secreta da Coca-Cola. Como pode ser que nenhum outro refrigerante a tenha descoberto e imitado? Como pode uma bebida fabricada há mais de cem anos manter em sigilo sua fórmula? Eu sempre acreditei nessa lenda urbana de que a fórmula da Coca-Cola era secreta e apenas dois executivos sabiam seu conteúdo, cada um conhecendo apenas a metade da fórmula. Estava errada. Até parece que existem segredos na era da internet.

Senhoras e Senhores, o Desfavor lhes dá a fórmula da Coca-Cola: concentrado de açúcar queimado (vulgo “caramelo”, que é o que lhe dá essa cor escura), ácido ortofosfórico (um “veneno” do qual falarei mais tarde), sacarose (vulgo açúcar, mais precisamente açúcar da frutose do milho), extrato da folha da planta de coca (calma, não é cocaína), cafeína (que faz com que as pessoas que ingerem Coca-Cola se mantenham mais alertas e concentradas), conservantes, Dióxido de Carbono e meu grande inimigo, o Sódio.

“Mas Sally, se todo mundo sabe a fórmula, porque os concorrentes tem gosto de xarope? Porque não fazem bebidas tão gostosas como a Coca-Cola?”. É aqui que começa a baixaria. Não é inteligente escrever o que eu vou escrever, mas eu vou escrever mesmo assim e na pior das hipóteses, isso vira um Processa EU. Já pensou? Ser processada pela Coca-Cola? As outras marcas usam em sua composição uma substância chamada ácido cítrico. A Coca usa ácido ortofosfórico. O ácido ortofosfórico causa uma falsa sensação de leveza, de boca limpa, de refrescância que torna a Coca-Cola mais agradável que a concorrência. Ele é o diferencial. Sem ele a Coca-Cola seria intragável. Mas, se ele é o pulo do gato, porque os demais refrigerantes não o usam?

Simples. Porque é proibido. Só a Coca-Cola tem permissão. Porque é proibido? Porque pode causar uma série de malefício à saúde, quando consumido em excesso, como corrosão do esmalte dos dentes, osteoporose e comprometimento da formação óssea e dentária de uma criança. Ele rouba cálcio do organismo, por isso pode causar esses e muitos outros estragos. Pergunta número dois: se mais ninguém pode usar, porque a Coca-Cola pode? Não sei responder. Ninguém sabe responder. Tirem suas próprias conclusões.

Já fizeram um grande alarde sobre a presença da folha de coca na Coca-Cola. Um laudo do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal concluiu que a Coca-Cola do Brasil usa sim folhas de coca como matéria prima do extrato vegetal que dá origem à bebida. Isso não quer dizer que a Coca-Cola seja uma droga, nem que vicie (até vicia, mas é pelo açúcar e pelo sódio). A folha de coca não é sinônimo de cocaína, não contém alcalóides entorpecentes. Mas então porque tanto barulho? Porque o uso da folha de coca não seria permitido por lei, mesmo que não tenha efeitos entorpecentes. Segue um trecho do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal:

“… as folhas de coca provenientes do vegetal cientificamente denominado Erytroxylum novagranatense, variedade truxillensi, cultivada no Peru, são utilizadas como matéria-prima na fabricação do extrato vegetal a partir do qual é fabricado o refrigerante Coca-Cola (…) as análises químicas realizadas (…) não revelaram a presença de cocaína e outras substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas na composição dos extratos vegetais”.

Na época em que explodiu a controvérsia, o chefão da marca de refrigerantes Dolly foi à imprensa questionar porque a Coca-Cola poderia usar folhas de coca em sua composição se a legislação brasileira proibia sua utilização e de qualquer derivado da folha de coca. O Presidente do Instituto Brasileiro de Auditoria em Vigilância Sanitária disse que, a rigor, o produto deveria ter sua comercialização suspensa.

Desde então, começou uma briga onde de um lado se pede a suspensão da comercialização pelo descumprimento à lei, e do outro a Coca-Cola alegando que não contém substâncias entorpecentes, logo, não faz mal à saúde, logo, não precisa respeitar essa lei. Teve de tudo um pouco, ação judicial, ameaça de morte e boicote. E ninguém fala na porra do ácido ortofosfórico, que mais ninguém pode usar e que é o que realmente está fodendo com a saúde das pessoas.

E não é só o ácido ortofosfórico que faz mal ao organismo humano. O teor de acidez da Coca-Cola é assustador, seu PH é de 2.5, algo próximo ao vinagre ou ao nosso suco gástrico. Tá pouco? Quer mais? Coca-Cola tem uma quantidade elevada de sódio. Cloreto de Sódio provoca uma sensação “refrescante”, o que não passa de uma armadilha, porque acaba causando uma sede ainda maior. Daí essa vontade de beber mais Coca-Cola. E o sódio vai entrando… causando retenção hídrica no seu organismo, vulgo celulite.

A bebida também contém muito açúcar, mas não enjoa porque essa quantidade de sódio compensa e imensa quantidade de açúcar. Um “anula” o outro, nos fazendo ingerir ambos em doses cavalares. Cerca de 10% da Coca-Cola são de açúcar, ou seja, você bebe aproximadamente dez colheres de açúcar de uma vez. E o maldito ácido ortofosfórico combinado com o sódio faz com que você não sinta que está ingerindo tanto açúcar.

Quando tanto açúcar entra no organismo, há produção de insulina para tentar conter o estrago. O fígado transforma esse açúcar em gordura e com o tempo você não cabe mais na sua calça, parte por culpa do açúcar (gordura), parte por culpa do sódio (retenção de líquidos). Todo esse açúcar que você ingeriu é estocado pelo seu organismo, ou seja, aproximadamente duas horas depois, por causa do aumento da produção de insulina, seu organismo deu conta do açúcar, que fica baixo outra vez e você está com vontade de beber Coca-Cola novamente.

Além disso, duas horas depois a cafeína também já parou de fazer efeito. A “euforia da Coca-Cola” passou. Por isso, as pessoas bebem mais, sobrecarregando novamente seu organismo, enquanto o ácido ortofosfórico se encarrega de levar embora pelo intestino grosso seu cálcio, magnésio, zinco e outros.

Porque nosso organismo pede mais de uma coisa que faz mal? Muitos e muitos anos atrás, quando o ser humano caçava para se alimentar, o organismo se acostumou a estocar o máximo que podia, porque nunca se sabia quando seria a próxima refeição. Hoje, por resquício daqueles tempos, o corpo “pede” comidas gordurosas ou açucaradas, para estocar em caso de necessidade, mesmo sem precisar. Sobrevivia quem mais estocava. Esses foram os genes que prosperaram. Açúcar vicia, é um fato científico.

E para quem pensa que estará seguro tomando a versão diet… só lamento. A versão sem açúcar é adoçada com aspartame. O aspartame, por suas propriedades (a explicação é tenebrosamente complexa) tem um tempo de validade muito curto depois de molhado, entre duas semanas e um mês. Depois disso passa a ter um gosto horrível. Para evitar essa deterioração, colocam uma caralhada de substâncias químicas para prolongar a vida útil do adoçante, para impedir que ele cristalize e para diversas outras coisas que são chatas demais para explicar aqui. Conclusão: ainda mais tóxico e nocivo ao organismo do que a versão normal. E contém mais sódio, então, não pensem que quem toma refrigerante sem açúcar não engorda, porque o sódio é um vilão ainda pior que o açúcar na dieta. Sem contar que em ambos os casos, o gás pode dilatar as paredes do estômago e te fazer comer mais.

Mas nada disso entra na cabecinha viciada dos consumidores de Coca-Cola. Mesmo cientes de que, em grandes quantidades e a longo prazo ela pode fazer mal ao seu organismo, ainda existem pessoas que apenas bebem Coca-Cola em suas vidas. Sim, pessoas que substituem água por Coca-Cola. A combinação açúcar – sódio – cafeína tem um potencial viciante e os mais fracos se jogam nos braços do vício como se não houvesse amanhã.

Em países onde há consumo ostensivo de Coca-Cola o número de obesos aumentou significativamente. Nos EUA, 73% da população está acima do peso ideal (fonte: BBC Brasil). Claro que a culpa não é só da Coca-Cola, mas coincidentemente, nos estados onde sua venda é mais expressiva, o número de obesos é maior.

Faço aqui uma pergunta que também costumo fazer aos fumantes: sua primeira vez ao usar o produto, foi boa? A primeira vez que você tomou Coca-Cola, o gosto lhe foi agradável? Duvido. Mas eu duvido é muito. Tal qual os fumantes, geralmente a primeira vez não é agradável, mas ainda assim, as pessoas insistem. Pressão social, curiosidade, ou sabe-se lá porque. O fato é que insistem tanto que o organismo se acostuma e pede mais.

Tente dar Coca-Cola a um animal de estimação. Eu já tentei. Eles viram a cara. Mas o marketing exerce tamanha influência em nós, supostos animais racionais, que acabamos cedendo e nos entregando a aquela latinha vermelha gelada. Nada que um Papai Noel de bochechas rosadas um simpático urso polar dançando não resolva. Quão idiotas nós somos?

Sei que ninguém vai deixar de beber Coca-Cola por causa disto que eu escrevi aqui, nem é essa a intenção. Não quero passar sermão nem fazer campanha contra a Coca-Cola, isso seria hippie demais. Livre arbítrio, cada um escolhe a forma como quer se detonar.

Só fico revoltada quando vejo imbecilóides dando Coca-Cola na mamadeira para seus filhos. Se quer se destruir, beleza, de fode aí, Prêmio Darwin, um imbecil a menos no mundo, mas sacanear uma criança que não pode se defender é um pouco demais para o meu gosto. Permitir a ingestão de grandes quantidades de Coca-Cola antes de que se complete a formação óssea e dentária é extremamente prejudicial à criança. Se eu tivesse mais espaço, entraria em detalhes (já estou no final da quinta página, Somir vai me matar).

Só uma curiosidade: os filhos de muitos empresários que trabalham na Coca-Cola estão proibidos de beber Coca-Cola.

Para me perguntar se eu bebo Coca-Cola, para me perguntar se eu trabalho para a Dolly e para me dizer que você sempre bebeu Coca-Cola e seus ossos e dentes vão muito bem, obrigado: sally@desfavor.com