Linha final.

O telefone toca.

ATENDENTE: Alô?
HOMEM: Eu… eu estou querendo me matar…
ATENDENTE: Excelente, senhor. Precisa de ajuda com algo?
HOMEM: Excelente onde? Eu disse que eu vou me matar!
ATENDENTE: Compreendo. O senhor já se decidiu por um método?
HOMEM: Eu… eu… vou cortar meus… pulsos!
ATENDENTE: Hmm… senhor, qual o seu nome, senhor?
HOMEM: Valdir.
ATENDENTE: Valdir, meu nome é Alessandra e eu vou estar te auxiliando com o seu suicídio hoje.
VALDIR: Auxiliando?
ALESSANDRA: Sim senhor. Essa é a Linha de Auxílio ao Suicida.
VALDIR: Eu entendi uma coisa completamente diferente pelo panfleto…
ALESSANDRA: Erro comum, senhor. Já mandamos refazer o material de divulgação para evitar mais enganos.
VALDIR: Peraí… vocês então… vocês ajudam as pessoas a se matar?
ALESSANDRA: Perfeitamente, senhor. E eu já posso ser de grande ajuda ao mencionar que cortar os pulsos é um método ineficaz de suicídio.
VALDIR: Você quer que eu me mate, é isso?
ALESSANDRA: Não senhor, nós da LAS não desejamos a morte de nenhuma pessoa, mas providenciamos ajuda no caso de ser a escolha pessoal de quem nos liga.
VALDIR: Isso é crime!
ALESSANDRA: Senhor, nosso time jurídico encontrou sustentação legal para o serviço que providenciamos e podemos garantir que a LAS trabalha em plena conformidade com a legislação vigente.
VALDIR: Não é possível…
ALESSANDRA: Posso garantir para o senhor que é totalmente possível. Veja bem, não podemos incentivar o ato do suicídio, mas podemos providenciar informações relevantes ao tema desde que solicitadas de livre e espontânea vontade.
VALDIR: Mesmo que não seja crime, é errado!
ALESSANDRA: Concordemos em discordar. Prestamos um serviço de grande valia para a sociedade.
VALDIR: Vocês dizem para as pessoas se matarem!
ALESSANDRA: Essa é uma escolha pessoal. O senhor não está obrigado, de forma alguma, a seguir em frente com sua tentativa. Mas caso seja sua vontade pessoal, sua escolha, eu estou autorizada a informá-lo sobre métodos mais eficientes.
VALDIR: Eu… eu não sei o que dizer…
ALESSANDRA: Corrija-me se estiver errada, mas o senhor mencionou que pretendia tirar sua própria vida cortando os pulsos, correto?
VALDIR: Disse sim…
ALESSANDRA: O senhor teria muito mais chances de sucesso caso fizesse a incisão numa artéria. Os pulsos não apresentam um fluxo de sangue aceitável para o processo, além do risco de uma coagulação.
VALDIR: Eu só queria alguém que me dissesse que não era pra eu fazer isso…
ALESSANDRA: Mas, senhor, concorda comigo que essa é sua decisão?
VALDIR: Sim, mas… eu importo tão pouco assim?
ALESSANDRA: Evidente que não, senhor. Falo em nome de toda a equipe da LAS quando digo sua ligação é muito importante para nós.
VALDIR: Tem uma equipe?
ALESSANDRA: Perfeitamente. Estamos em oito atendentes no momento, para garantir a prestação do serviço sem interrupções.
VALDIR: Isso é tão estranho… minha vida está tão ruim, tudo dá errado… até mesmo quando eu ligo para ver se alguém tenta me convencer a não me matar, atende uma pessoa que quer me ensinar a me matar mais rápido.
ALESSANDRA: Nesse caso, senhor, sugiro uma arma de fogo, mas é importante lembrar que o melhor lugar para atirar é por baixo do quei…
VALDIR: Para! Para! Eu não tenho arma nenhuma.
ALESSANDRA: Compreendo. Mas o senhor tem uma faca, presumo.
VALDIR: Sim… várias.
ALESSANDRA: Correto. As facas que o senhor tem ao seu dispor estão corretamente afiadas? Uma faca cega pode não causar o efeito desejado.
VALDIR: Não sei, são facas de cozinha.
ALESSANDRA: Entendo. Minha sugestão é evitar as serrilhadas, pois podem não cortar rápido o suficiente e causar uma lentidão indesejada no ato.
VALDIR: Para de me dizer como me matar!
ALESSANDRA: Peço perdão caso tenha o ofendido. Mas o senhor ligou para a LAS, estou apenas fazendo meu trabalho.
VALDIR: Como é que você dorme de noite?
ALESSANDRA: Desculpe-me, mas estou instruída a não revelar detalhes sobre minha vida pessoal para clientes.
VALDIR: Não, eu digo, não pesa na sua consciência?
ALESSANDRA: Estou apenas fazendo meu trabalho, senhor.
VALDIR: E como é que vocês pagam essa estrutura? Você recebe salário então?
ALESSANDRA: Estou instruída a não revelar detalhes sobre minha vida pe…
VALDIR: Tá, tá… mas quem é que montou isso? Não foi igreja, com certeza.
ALESSANDRA: Não senhor, não temos nenhuma afiliação com instituições religiosas ou com o poder público.
VALDIR: Não sei mais o que pensar. Eu só queria que alguém se importasse comigo, sabe?
ALESSANDRA: Compreendo. Nós da LAS nos importamos muito com a sua ligação.
VALDIR: Eu acho que vou ligar para uma das linhas que tenta nos convencer a não se matar…
ALESSANDRA: Senhor, o que eu poderia fazer para que o senhor reconsiderasse essa decisão?
VALDIR: Algo humano como me dizer pra não me matar!
ALESSANDRA: Mas o senhor concorda que essa é uma decisão pessoal? Se eu ou qualquer outra atendente disser para quem nos liga se matar ou não, estaríamos cruzando uma linha da mesma forma.
VALDIR: Mas se é pra cruzar, que se cruze para manter as pessoas vivas!
ALESSANDRA: É política da LAS não cruzar nenhuma dessas linhas.
VALDIR: Eu não quero morrer…
ALESSANDRA: Compreendido. Tem mais alguma coisa que posso fazer pelo senhor?
VALDIR: Não sei…
ALESSANDRA: Então eu agradeço a ligação e em nome da LAS, estaremos à sua disposição caso queira tentar novamente. Tenha uma boa noite.
VALDIR: Mas…

*cai a ligação*

Alessandra volta-se para a atendente ao seu lado, ociosa.

ALESSANDRA: Eu ainda acho isso muito estranho, Fê…
FERNANDA: É, mas funciona se fizer direitinho.
ALESSANDRA: Mas é muito arriscado. Compensa?

Logo a seguir, aparece o sinal de mais uma chamada na central de Fernanda.

FERNANDA: Vou te mostrar como compensa.

Fernanda ajeita o microfone, e sorri confiante antes de apertar o botão para aceitar a ligação.

FERNANDA: Alô?
HOMEM: Eu estou desesperado…
FERNANDA: Perfeitamente, senhor. Precisa de ajuda com algo?
HOMEM: Eu vou me matar!
FERNANDA: E como o senhor planeja realizar essa ação?
HOMEM: Eu estou com uma arma…
FERNANDA: Excelente escolha. O senhor já tomou alguma precaução para facilitar a higienização do ambiente?
HOMEM: Hã?
FERNANDA: Creio que o senhor tenha escolhido atirar na própria cabeça. Sugerimos a colocação de uma lona plástica logo atrás do ponto de saída da bala, simplifica bastante o trabalho de limpeza posterior.
HOMEM: Chega! Eu não aguento mais ser piada! *som de tiro*

*cai a ligação*

Fernanda olha de volta para Alessandra, enquanto remove o fone de ouvido.

ALESSANDRA: E aí?
FERNANDA: Adivinha quem acabou de bater a meta?
ALESSANDRA: Menina! Você nasceu pra isso. O pessoal da funerária prometeu o quê dessa vez?

Para dizer que foi previsível, para dizer que eu estrago tudo, ou mesmo para dizer que quer um emprego na LAS: somir@desfavor.com

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Etiquetas:

Comments (11)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: