
Linha final.
| Somir | Des Contos | 11 comentários em Linha final.
O telefone toca.
ATENDENTE: Alô?
HOMEM: Eu… eu estou querendo me matar…
ATENDENTE: Excelente, senhor. Precisa de ajuda com algo?
HOMEM: Excelente onde? Eu disse que eu vou me matar!
ATENDENTE: Compreendo. O senhor já se decidiu por um método?
HOMEM: Eu… eu… vou cortar meus… pulsos!
ATENDENTE: Hmm… senhor, qual o seu nome, senhor?
HOMEM: Valdir.
ATENDENTE: Valdir, meu nome é Alessandra e eu vou estar te auxiliando com o seu suicídio hoje.
VALDIR: Auxiliando?
ALESSANDRA: Sim senhor. Essa é a Linha de Auxílio ao Suicida.
VALDIR: Eu entendi uma coisa completamente diferente pelo panfleto…
ALESSANDRA: Erro comum, senhor. Já mandamos refazer o material de divulgação para evitar mais enganos.
VALDIR: Peraí… vocês então… vocês ajudam as pessoas a se matar?
ALESSANDRA: Perfeitamente, senhor. E eu já posso ser de grande ajuda ao mencionar que cortar os pulsos é um método ineficaz de suicídio.
VALDIR: Você quer que eu me mate, é isso?
ALESSANDRA: Não senhor, nós da LAS não desejamos a morte de nenhuma pessoa, mas providenciamos ajuda no caso de ser a escolha pessoal de quem nos liga.
VALDIR: Isso é crime!
ALESSANDRA: Senhor, nosso time jurídico encontrou sustentação legal para o serviço que providenciamos e podemos garantir que a LAS trabalha em plena conformidade com a legislação vigente.
VALDIR: Não é possível…
ALESSANDRA: Posso garantir para o senhor que é totalmente possível. Veja bem, não podemos incentivar o ato do suicídio, mas podemos providenciar informações relevantes ao tema desde que solicitadas de livre e espontânea vontade.
VALDIR: Mesmo que não seja crime, é errado!
ALESSANDRA: Concordemos em discordar. Prestamos um serviço de grande valia para a sociedade.
VALDIR: Vocês dizem para as pessoas se matarem!
ALESSANDRA: Essa é uma escolha pessoal. O senhor não está obrigado, de forma alguma, a seguir em frente com sua tentativa. Mas caso seja sua vontade pessoal, sua escolha, eu estou autorizada a informá-lo sobre métodos mais eficientes.
VALDIR: Eu… eu não sei o que dizer…
ALESSANDRA: Corrija-me se estiver errada, mas o senhor mencionou que pretendia tirar sua própria vida cortando os pulsos, correto?
VALDIR: Disse sim…
ALESSANDRA: O senhor teria muito mais chances de sucesso caso fizesse a incisão numa artéria. Os pulsos não apresentam um fluxo de sangue aceitável para o processo, além do risco de uma coagulação.
VALDIR: Eu só queria alguém que me dissesse que não era pra eu fazer isso…
ALESSANDRA: Mas, senhor, concorda comigo que essa é sua decisão?
VALDIR: Sim, mas… eu importo tão pouco assim?
ALESSANDRA: Evidente que não, senhor. Falo em nome de toda a equipe da LAS quando digo sua ligação é muito importante para nós.
VALDIR: Tem uma equipe?
ALESSANDRA: Perfeitamente. Estamos em oito atendentes no momento, para garantir a prestação do serviço sem interrupções.
VALDIR: Isso é tão estranho… minha vida está tão ruim, tudo dá errado… até mesmo quando eu ligo para ver se alguém tenta me convencer a não me matar, atende uma pessoa que quer me ensinar a me matar mais rápido.
ALESSANDRA: Nesse caso, senhor, sugiro uma arma de fogo, mas é importante lembrar que o melhor lugar para atirar é por baixo do quei…
VALDIR: Para! Para! Eu não tenho arma nenhuma.
ALESSANDRA: Compreendo. Mas o senhor tem uma faca, presumo.
VALDIR: Sim… várias.
ALESSANDRA: Correto. As facas que o senhor tem ao seu dispor estão corretamente afiadas? Uma faca cega pode não causar o efeito desejado.
VALDIR: Não sei, são facas de cozinha.
ALESSANDRA: Entendo. Minha sugestão é evitar as serrilhadas, pois podem não cortar rápido o suficiente e causar uma lentidão indesejada no ato.
VALDIR: Para de me dizer como me matar!
ALESSANDRA: Peço perdão caso tenha o ofendido. Mas o senhor ligou para a LAS, estou apenas fazendo meu trabalho.
VALDIR: Como é que você dorme de noite?
ALESSANDRA: Desculpe-me, mas estou instruída a não revelar detalhes sobre minha vida pessoal para clientes.
VALDIR: Não, eu digo, não pesa na sua consciência?
ALESSANDRA: Estou apenas fazendo meu trabalho, senhor.
VALDIR: E como é que vocês pagam essa estrutura? Você recebe salário então?
ALESSANDRA: Estou instruída a não revelar detalhes sobre minha vida pe…
VALDIR: Tá, tá… mas quem é que montou isso? Não foi igreja, com certeza.
ALESSANDRA: Não senhor, não temos nenhuma afiliação com instituições religiosas ou com o poder público.
VALDIR: Não sei mais o que pensar. Eu só queria que alguém se importasse comigo, sabe?
ALESSANDRA: Compreendo. Nós da LAS nos importamos muito com a sua ligação.
VALDIR: Eu acho que vou ligar para uma das linhas que tenta nos convencer a não se matar…
ALESSANDRA: Senhor, o que eu poderia fazer para que o senhor reconsiderasse essa decisão?
VALDIR: Algo humano como me dizer pra não me matar!
ALESSANDRA: Mas o senhor concorda que essa é uma decisão pessoal? Se eu ou qualquer outra atendente disser para quem nos liga se matar ou não, estaríamos cruzando uma linha da mesma forma.
VALDIR: Mas se é pra cruzar, que se cruze para manter as pessoas vivas!
ALESSANDRA: É política da LAS não cruzar nenhuma dessas linhas.
VALDIR: Eu não quero morrer…
ALESSANDRA: Compreendido. Tem mais alguma coisa que posso fazer pelo senhor?
VALDIR: Não sei…
ALESSANDRA: Então eu agradeço a ligação e em nome da LAS, estaremos à sua disposição caso queira tentar novamente. Tenha uma boa noite.
VALDIR: Mas…
*cai a ligação*
Alessandra volta-se para a atendente ao seu lado, ociosa.
ALESSANDRA: Eu ainda acho isso muito estranho, Fê…
FERNANDA: É, mas funciona se fizer direitinho.
ALESSANDRA: Mas é muito arriscado. Compensa?
Logo a seguir, aparece o sinal de mais uma chamada na central de Fernanda.
FERNANDA: Vou te mostrar como compensa.
Fernanda ajeita o microfone, e sorri confiante antes de apertar o botão para aceitar a ligação.
FERNANDA: Alô?
HOMEM: Eu estou desesperado…
FERNANDA: Perfeitamente, senhor. Precisa de ajuda com algo?
HOMEM: Eu vou me matar!
FERNANDA: E como o senhor planeja realizar essa ação?
HOMEM: Eu estou com uma arma…
FERNANDA: Excelente escolha. O senhor já tomou alguma precaução para facilitar a higienização do ambiente?
HOMEM: Hã?
FERNANDA: Creio que o senhor tenha escolhido atirar na própria cabeça. Sugerimos a colocação de uma lona plástica logo atrás do ponto de saída da bala, simplifica bastante o trabalho de limpeza posterior.
HOMEM: Chega! Eu não aguento mais ser piada! *som de tiro*
*cai a ligação*
Fernanda olha de volta para Alessandra, enquanto remove o fone de ouvido.
ALESSANDRA: E aí?
FERNANDA: Adivinha quem acabou de bater a meta?
ALESSANDRA: Menina! Você nasceu pra isso. O pessoal da funerária prometeu o quê dessa vez?
Para dizer que foi previsível, para dizer que eu estrago tudo, ou mesmo para dizer que quer um emprego na LAS: somir@desfavor.com
kkkkkkk,….Eu não me mataria …só de odeio da atendente,,,
Mas eles ligariam depois de alguns dias com uma proposta ainda melhor. Tem que saber negociar.
Não achei previsível! Aliás, me enganou direitinho! Hahaha!
Muito bom!
É a experiência mais verdadeira. Eu mesmo me engano no meio do texto…
Adoraria um estágio na LAS rsrsrs
Inclui plano funerário!
Os possíveis desfechos eram previsíveis, mas o contexto nem tanto.
Mandou bem hoje.
Às vezes a melhor surpresa é não ter surpresa.
(Opa!)
E se eu disser que foi um dos melhores de ultimamente?
Concordaria !!!
Eu acho todos meus filhos feios por igual, mas agradeço!