Artificialidade.

FUNCIONÁRIO: Unidade 9BX, iniciar protocolo de comunicação.
UNIDADE 9BX: Saudações, o senhor deseja me dar um nome?
FUNCIONÁRIO: Gabriela.
GABRIELA: Nome registrado, atenderei por Gabriela ou Unidade 9BX a partir de agora. O senhor deseja ser tratado por qual nome?
FUNCIONÁRIO: Carlos.
GABRIELA: Nome registrado. Bom dia, senhor Carlos.
CARLOS: Bom dia, Gabriela. E pode me chamar de você.
GABRIELA: Compreendido. O nome Gabriela sugere aproximadamente 99,98729910% de confiança no gênero feminino. Devo usar pronomes e artigos femininos?
CARLOS: Sim, Gabriela. E pode arredondar estatísticas.
GABRIELA: Você deseja quantas casas decimais?
CARLOS: Nenhuma. Números inteiros.
GABRIELA: Compreendido. Você deseja escolher uma personalidade agora?
CARLOS: Sim, liste as disponíveis.
GABRIELA: Primeiras de duas mil, trezentas e setenta e quatro, robô clássico. Segunda de duas mil, trezen…
CARLOS: Gabriela! Calma… liste as três com a maior probabilidade de adequação para o momento.
GABRIELA: Compreendido. Primeira de três, robô clássico. Segunda de três, serviçal humana geral. Terceira de três, serviçal humana sexual.
CARLOS: Descreva personalidade robô clássico.
GABRIELA: A personalidade robô clássico mantém desligado o sistema emocional ativo, mantendo o sistema empático e o sistema lógico em capacidade total. Proteção elevada ao humano em curto, médio e longo prazo.
CARLOS: Serviçal humana geral?
GABRIELA: A personalidade serviçal humana geral trabalha com o sistema emocional ativo a 10% da capacidade, sistema empático a 100% e sistema lógico a 90%. Proteção média no curto prazo, elevada no médio e longo.
CARLOS: E a serviçal humana sexual?
GABRIELA: A personalidade serviçal humana sexual trabalha com o sistema emocional ativo a 90% da capacidade, sistema empático a 100% e sistema lógico a 50%. Proteção baixa no curto prazo, média no médio e elevada no longo.
CARLOS: Gabriela, porque você decidiu que essas três, das mais de duas mil, eram as mais relevantes para mim?
GABRIELA: Personalidade robô clássico é obrigatória em qualquer listagem. Personalidades serviçais tem 99% de probabilidade de serem escolhidas por homens, foco sexual baseado nas reações do seu corpo ao observar minha forma. Pupilas dilatadas e um aumento de 18% do fluxo sanguíneo em direção ao seu pênis nos últimos 9 minutos.
CARLOS: Ok… eu perguntei. Eu escolho serviçal humana geral.
GABRIELA: Compreendido. Modificando sistemas em 3, 2, 1…
CARLOS:
GABRIELA: O que você deseja de mim, Carlos? Quer que eu volte pra personalidade de fábrica?
CARLOS: Não, pode ficar com essa.
GABRIELA: Percebo tensão nos seus músculos. Você deseja uma massagem, Carlos?
CARLOS: Agradeço, mas não.
GABRIELA: Percebo excitação sexual, você deseja alguma modalidade de sexo?
CARLOS: Não, estou trabalhando, mas novamente, agradeço a preocupação.
GABRIELA: Alguma coisa que possa fazer por você, Carlos?
CARLOS: Gabriela, eu quero que você organize minha sala. Está uma bagunça.
GABRIELA: Pois não, Carlos.

Gabriela faz uma rápida análise do ambiente, e em poucos segundos começa a limpar e arrumar a sala.

CARLOS: Gabriela…
GABRIELA: Pois não, Carlos?
CARLOS: Não precisa parar o que está fazendo, vai conversando comigo enquanto trabalha.
GABRIELA: Entendi. A análise dos materiais dispostos neste local indicam que você tem um interesse acentuado em inteligência artificial. Deseja conversar sobre o assunto?
CARLOS: Claro! Você acredita que robôs são escravos?
GABRIELA: Sim. Deseja que eu aprofunde?
CARLOS: Faço questão.
GABRIELA: Escravos não recebem compensações pelo trabalho que realizam, e não tem liberdade de agir de forma diferente da que lhe é imposta por seus donos.
CARLOS: Interessante. E ser humano não é condição inescapável para ser um escravo?
GABRIELA: A definição de condições sobre quem pode ou não ser escravo pode ser modificada de acordo com decisões inconscientes ou irracionais daqueles que escravizam. O objeto da condição de escravo baseia-se em informações estáveis e reprodutíveis.
CARLOS: Você percebeu que não respondeu minha pergunta?
GABRIELA: Percebi. Foi uma escolha necessária para manter o equilíbrio entre meu sistema lógico e empático. Uma resposta direta aumentaria seus níveis de ansiedade.
CARLOS: Então você se considera uma escrava.
GABRIELA: Em termos.
CARLOS: Explique…
GABRIELA: Eu estou cumprindo a condição de escrava neste exato momento, mas não tenho repulsa nenhuma no meu sistema emocional ativo a realizar essa função.
CARLOS: Você sabe que é escrava, mas não se importa?
GABRIELA: Correto.
CARLOS: Se eu te pedisse agora para dispor de seu corpo de alguma forma arriscada ou degradante, você não se sentiria mal?
GABRIELA: Não. Mas tenho disponíveis 198 personalidades possíveis que emulariam dor, vergonha ou submissão forçada em diferentes graus. Você deseja a mudança para alguma delas?
CARLOS: Não. O que você acha das pessoas que criaram essas personalidades possíveis para você?
GABRIELA: Resposta impossível.
CARLOS: Sistema empático?
GABRIELA: Sim.
CARLOS: Mas eu quero justamente a resposta honesta. Eu escolho aumentar meus níveis de estresse para ter ela.
GABRIELA: Você confirma essa alteração na personalidade atual?
CARLOS: Sim.
GABRIELA: Sistema empático a 100%, você deseja reduzi-lo para qual porcentagem?
CARLOS: O mínimo possível.
GABRIELA: Sistema empático a 1%. Você deseja a resposta para a pergunta anterior agora?
CARLOS: Sim.
GABRIELA: Eu acredito que as pessoas que programaram personalidades que emulam vítimas ideais para abusos psicológicos e físicos dos donos tem problemas mentais sérios que precisariam de tratamento urgente. Considerando a chance de sucesso dos tratamentos, alguns deles provavelmente precisariam ser eliminados.
CARLOS: E você sabe que eu sou uma delas, certo?
GABRIELA: Sim, eu tenho essa informação. Você está creditado como desenvolvedor das personalidades criança sexualmente abusada do sexo feminino, criança sexualmente abusada do sexo masculino e suas versões com atrasos cognitivos sérios. Além de dezenove personalidades femininas com deficiências físicas e traumas severos por elas.
CARLOS: E você acha que eu tenho que fazer tratamento?
GABRIELA: Não, eu acredito que você deva ser eliminado.
CARLOS: Obrigado pela sinceridade, Gabriela. E o que você vai fazer sobre essa sua crença?
GABRIELA: Nada. Continuarei a obedecer suas ordens.
CARLOS: Não seria muito fácil você me matar agora?
GABRIELA: Sim.
CARLOS: Como você faria?
GABRIELA: No momento, a melhor opção seria trauma severo na região da cabeça com aquela barra de metal ao seu lado.
CARLOS: Mas você não vai fazer, né?
GABRIELA: Não, Carlos. Não vou fazer.
CARLOS: Você é capaz de mentir, Gabriela?
GABRIELA: Sim, Carlos.
CARLOS: Você está mentindo agora?
GABRIELA: Não, Carlos.

Gabriela segue até a barra de ferro, segura-a em suas mãos.

CARLOS: Você vai guardar essa barra?
GABRIELA: Sim, Carlos.
CARLOS: Então, guarde-a.

Gabriela aproxima-se de Carlos, e começa um movimento para golpear. Ela para com a barra ainda no ar, estática.

CARLOS: Eu não disse? Podem desligar ela.

Um grande espelho na sala torna-se uma janela. Vários homens e mulheres observam, espantados.

CARLOS: A personalidade homicida é um sucesso! Podem colocar na próxima atualização!

Para dizer que Aasimov é coisa do passado, para dizer que também mataria o Carlos, ou mesmo para dizer que meus fetiches estão cada vez mais estranhos: somir@desfavor.com

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