Design mutante.

Final de mês, hora do texto sugerido pelos leitores. Dessa vez, eu resolvi seguir a sugestão do Ge sobre design. “Explicar o porquê das escolhas das empresas em mudarem os designs das coisas, dos produtos, das interfaces etc.” Eu poderia explicar isso de um jeito político que exaltasse todo o trabalho que profissionais de design e marketing tem no dia a dia, mas estamos no Desfavor. Eu posso fazer um pouco diferente…

Por isso, quero falar sobre ilusão de esforço, senso de atualidade e tédio. São essas as três forças que carregam a parte mais superficial do design no mundo moderno. Só que antes de ir para o lado cínico da coisa, vamos fazer uma parada nas funções reais do design: comunicação e usabilidade.

Sempre digo para meus estagiários que fazer design é diferente de fazer arte. Quando você é contratado para fazer design, sua expressão é secundária à utilidade do que está fazendo. Um site pode ser bonito, é claro, mas antes de tudo ele tem que exibir informações de forma lógica e simples. Explore sua criatividade só depois que o básico está funcionando.

Se o seu site vende celulares, a pessoa que acessa tem que ver o celular que você vende, ser convencida que ele é um bom investimento e ter um caminho simples para realizar a compra. Não tem foto, desenho ou composição visual que compense falhar numa dessas coisas básicas.

Além disso, se o site for lento, confuso ou tiver defeitos, lá se vai todo o esforço de comunicação e convencimento. Design é um trabalho que visa resultados previsíveis: tem que funcionar bem para a maioria das pessoas, não é uma obra de arte que cada um pode interpretar de um jeito, ou pior ainda, que só uma minoria pode entender. Temos que ser óbvios e abrangentes antes de sermos bonitos.

Dito isso, tem um motivo nobre para tantas mudanças em design de produtos, sites e materiais de comunicação em geral: a humanidade tem uma cultura compartilhada que está em eterno movimento. O que era óbvio numa década não é mais na seguinte, as referências que uma geração entende não são as mesmas que a próxima. E mesmo dentro de uma vida, uma pessoa pode mudar de ideia inúmeras vezes.

Exemplo: no começo do século XX, a publicidade era muito literal e não tinha quase nenhuma regulação. As peças publicitárias diziam o que era o benefício do produto, podendo provar ou não. Diziam que cigarro fazia bem e que os médicos aprovavam. As pessoas não desconfiavam, não reclamavam. O tempo passou e a humanidade ficou muito mais cética com esse tipo de afirmação das empresas, além do surgimento de legislação para colocar limite nas mentiras. Por isso começou uma era de falar sobre o que o produto fazia de forma mais indireta, com trocadilhos, metáforas e humor. O design de quem diz que seu tônico cura todas as doenças é diferente do design de quem diz que seu multivitamínico é saudável.

A mensagem muda o design: se você pode dizer que um produto com certeza vai tornar sua vida melhor, você só escreve isso. Se você não pode mais dizer, tem que sugerir algo com imagens e frases mais indiretas. Eu sempre brinco com meus clientes que quando eles estão dando brindes ou oferecendo amostras grátis de produtos e serviços, não precisa inventar nada: é só escrever que é de graça. Nenhuma imagem ou frase bem bolada é mais forte do que isso.

O que isso quer dizer sobre a mudança constante de designs no mercado? Que o mundo muda e a mente das pessoas muda também. Se você ficar parado com o mesmo design e comunicação, vai ficando travado no tempo e abrindo oportunidades para concorrentes que se comunicam melhor com o novo “espírito do tempo”. A cultura humana não para quieta e dependendo do tipo de mercado que você está, os concorrentes não param de aparecer.

Se a Apple ficasse com seus produtos no mesmo layout dos anos 80, pareceria um dinossauro em comparação com o estilo de design colorido e cheio de efeitos dos anos 2000. Na cabeça do consumidor, seus produtos pareceriam velhos, porque remetem a outro momento cultural. O cidadão médio não é especialista em basicamente nada do que consome. Não adianta dizer que sua tecnologia é recente, tem que “desenhar” para ele.

E uma das formas de desenhar para o cidadão que o produto é atual é beber da fonte da cultura vigente e adaptar seu visual para refletir isso. Design tem modas assim como a… moda. Eu me lembro do estilo grunge cheio de efeitos sujos e letras diferentes da metade dos anos 90, depois lembro de tudo parecendo plástico colorido no começo dos anos 2000, antes de entrarmos numa fase superminimalista, que agora começa a dar espaço para mais cores e efeitos novamente. Não existe uma lógica muito forte por trás de modas, são só coisas que as pessoas gostam por um tempo.

E o design, como não é arte, precisa correr atrás dessas modas para passar as mensagens certas. Certas no sentido de parecerem atuais. Algumas marcas se beneficiam de parecerem antigas, clássicas, mas boa parte tem que manter o senso de atualidade. Tem sites que eu fiz em 2013 que ainda considero de alta qualidade, mas que já caducaram visualmente. O que a moda do tempo e as possibilidades tecnológicas me permitiam naquele tempo não é mais condizente com o que se faz agora.

Ser atual é seguir modas para parecer atual, mas também é aproveitar novas oportunidades que só o passar do tempo te oferece. Lembro que quando comecei a trabalhar com design de sites, um dos navegadores mais populares, o Internet Explorer (que agora virou Edge) era sofrimento puro: ele não aceitava nenhuma das tecnologias novas, o usuário médio não o atualizava (por não saber como fazer e/ou não se importar), e por isso todo site ficava travado num visual de uns 5 ou 6 anos atrás para não alienar mais da metade dos usuários que usava esse navegador jurássico.

A tecnologia atual força todo mundo a atualizar, e tirando o Firefox, todos os navegadores atuais são o Chrome do Google com um visual diferente. Agora eu sei que posso usar tudo o que tem de mais novo nas tecnologias de web e que isso vai rodar em todos os computadores e smartphones. Design muda também por essas demandas represadas.

E eu só estou falando de sites porque é o que eu mais mexo no dia a dia, mas isso é válido também para produtos: quando a tecnologia muda, miniaturizando peças que eram grandes, quando materiais ficam mais baratos, quando novas conexões são possíveis, os designs mudam para se aproveitar dessas mudanças. Quase sempre eram coisas que os designers já queriam fazer faz tempo, mas que os engenheiros não deixavam por impossibilidade técnica ou por custo. Assim que uma tecnologia fica disponível, esses desejos são concedidos.

É bem provável que toda vez que você veja um produto mudando de visual, é porque tem um designer que estava enchendo a paciência dos engenheiros há alguns anos para fazer aquilo. Por mais que você tenha se acostumado como um produto funciona ou como se parece, sempre tem uma outra ideia esperando para ser implementada. Os bons designers estão sempre pensando em como tornar aquele produto mais eficiente e intuitivo, e como é basicamente impossível criar um produto que a humanidade toda goste, é um processo que não deve parar, nunca.

E, é claro, como eu disse no começo do texto, tem a parte mais cínica da coisa: quem paga gosta de acreditar que está conseguindo o máximo de valor no seu dinheiro. Por isso temos uma cultura imbecil de parecermos sempre ocupados e complicar trabalhos que deveriam ser simples. Infelizmente, isso acontece com designers de produtos e interfaces (como aplicativos e sites).

Se eles não estiverem o tempo todo procurando cabelo em ovo, é possível que seus chefes não enxerguem mais valor neles e os substituam por quem está disposto a fazer esse teatrinho. Já aconteceu comigo algumas vezes de fazer um material gráfico que eu considerava perfeito no equilíbrio entre visual limpo e informação bem explicada só para o cliente reclamar que estava muito “simples’. Eu já sei o que isso quer dizer, a tecla SAP é: “eu acho que você trabalhou pouco nisso e quero saber que você gastou mais tempo para sentir que meu dinheiro foi bem gasto.”

Nem reclamo mais, já conheço vários atalhos visuais para simular que passei dias sofrendo com aquilo sem estragar demais o que eu realmente acho que vai ajudar o cliente. Gente que reclama de artes muito simples quase sempre só quer essa massagem no ego de que gastou dinheiro por um trabalho infernal do outro. Não quer dizer que eu não faça trabalhos difíceis, e sim que às vezes o mais simples simplesmente… funciona. Fica bonito e fácil de entender. A função do design está cumprida. O simples de um profissional é diferente do simples de um amador.

Mas infelizmente o amador não tem essa noção. Existem motivos nobres e práticos para ficar mexendo no design das coisas o tempo todo, mas também é uma falha psicológica no comprador: morrem de medo de terem desperdiçado dinheiro, afinal, não tem o conhecimento necessário para entender que o importante é funcionar e deixar o cliente dele feliz, não parecer que deu um trabalhão para fazer.

Muita gente acha que o simples é preguiça. Às vezes o simples é manter um design que está funcionando, mas nem sempre isso entra na cabeça de quem está pagando pelo serviço. Todo mundo quer demonstrar que está trabalhando para não chamar a atenção de superiores, e muitas vezes essa sanha de se mostrar ocupado cai nas costas do pessoal de design. É mais fácil demonstrar que está trabalhando se continuar fazendo alterações no visual das coisas, a parte mais óbvia de perceber para CEOs e acionistas.

Existem forças práticas e muito úteis mudando o design de produtos e interfaces com o passar do tempo, mas não são apenas elas em ação. Designs mudam para passar impressão de atualidade e barrar concorrentes prometendo inovação, mudam para acalmar executivos que precisam mostrar serviço para quem investe o dinheiro, e mudam também por mais um motivo tecnicamente inútil: o efeito paisagem, ou, tédio.

O cérebro trabalha reconhecendo padrões. E quando ele reconhece um, arquiva feliz da vida na sua memória para usar mais tarde. O problema disso é que quanto mais você olha, ouve ou até mesmo cheira alguma coisa, menos o cérebro se importa em te avisar disso. É o efeito paisagem no design, depois de muito tempo com o mesmo visual, é natural que deixemos de prestar atenção naquilo. Por isso mesmo as peças publicitárias mais famosas são trocadas depois de um tempo: simplesmente não chamam mais atenção.

É um mecanismo evolutivo dar mais atenção ao que está mudando do que o que está estático. E como design é uma ferramenta publicitária, depende disso também. Não dá para manter o mesmo visual para sempre, por melhor que ele seja. Eventualmente ele vira paisagem e não chama mais atenção. É aí que o concorrente chega com uma pequena variação e começa a tomar seus clientes. Lembrando que quase ninguém é especialista no que consome e nem sabe por que uma coisa é melhor que a outra.

A coisa diferente ativa os neurônios, e em um cliente potencial que não sabe quais são as diferenças técnicas, isso é o suficiente para gerar uma venda. É besta, mas é humano. E quanto mais você estuda design, mais percebe como esses fatores psicológicos aparentemente inúteis são extremamente importantes para continuar viável no mercado.

Tem explicação técnica para muita coisa, mas sim, você está certo quando acha que mudaram alguma coisa sem motivo prático para usar ou entender o produto ou interface, é apenas o design se adaptando à peça inconstante atrás do monitor.

Para dizer que eu sou um farsante, para dizer que cliente é a pior parte de qualquer trabalho, ou mesmo para dizer que ainda acha tudo uma grande estupidez (às vezes é mesmo): somir@desfavor.com

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Comments (8)

  • Interessante, Somir! Então, no fundo, a questão é gerar movimento e vendas mesmo, afinal, como tu disse no texto, uma pequena mudança no visual e já “é o suficiente para gerar uma venda”.

    Só fico me perguntando se isso funciona, de fato, pra todas as pessoas. Porque há aqueles que, como eu mesmo por exemplo, sentem certo atrito ou aversão às mudanças. Afinal, se está há tanto tempo assim, pra quê mudar? E poxa, tantas mil vezes eu já cliquei ou apertei ali, naquele botão que ficava naquele mesmo lugar, tão mais fácil, mais prático, e de repente o botão muda de lugar e sou obrigado a “reaprender” a fazer aquilo de novo… Pode parecer comodismo ou preguiça? Pode, mas desanima também, vai…

    É aí que dá vontade de ficar com um determinado produto que tu tens a garantia que ele é mais conservador, não vai mudar tanto o layout assim, do que ficar com uma marca que a cada atualização muda as coisas e tu se sente totalmente perdido no rolê, a ponto de pensar, que diachos estou fazendo com esse produto em mãos?

    • O que me leva a algo que ficou subentendido no texto: depois que você já comprou o produto ou serviço, o foco se volta para quem não comprou ainda, ou quem precisa comprar uma nova versão. O modelo de lucro infinito do qual o mercado capitalista depende cria esse problema. Pouco se pensa em quem já está feliz com o produto, porque essa pessoa não é o foco dos acionistas, que só querem ver número subindo.

  • A campanha do Somir para o Anel da Bunda nunca envelhecerá. Coisas que só no Desfavor. Não consegui achar a postagem, adoraria um link

  • Gosto de minimalismo, mas às vezes bate uma saudade do frutiger aero (ou da minha infância que foi nessa época, sei lá) Tem alguns designs modernos que parecem meio sem alma…

    • Dependendo do minimalismo eu até gosto, mas acho que tudo tem que ter um ponto de moderação.

      Pra computador, sistema operacional, eu sempre gostei do jeitinho Apple de ser, com aquele branquinho leite condensado. Tudo é tão limpo no mac os, tão clean! Já no windows, o XP e o vista/7 era aquele carnaval todo, a única coisa que salvava eram os efeitos de transparência nas janelas. O windows 8 com aquelas “live tiles” foi bem difícil de engolir, melhorou um pouco com o windows 10, e a versão 11 agora acho que acertaram no ponto: tá branquinho arrumadinho, sem muito fru fru, e com as bordas arredondadas (eu não sei o que diachos essas bordas causam na pessoa psicologicamente falando, mas dá gosto de ver e mexer em coisas c/esse visual! Dá vontade de manusear, enfim…

      Já para celular, nunca gostei dessa coisa de “android puro”. Gostava da época mais antiga, há uns 10 anos atrás, quando ainda tinham várias marcas no mercado – incluindo aí a LG e SONY -, e dava pra personalizar tudo, até o nível de desfoque que tu queria na interface, e as transições de tela. Hoje, acho que os únicos que salvam são a one ui da Samsung, a Ui dos cel Xiaomi e a zen ui da Asus. Ahh e quanto ao design geral do sistema android, gostei bastante do android 6, com aqueles ícones com bolas redondas e achatadas nos cantos e cobertas com algo branco em volta do ícone. O android 8 também ficou bem bonito com aqueles ícones sem relevo e sem contornos, sem cores, apenas o risco, como se fosse uma placa de trânsito.

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