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Colunas

Cultivando relações.

Quando falamos em cultivar um relacionamento não nos referimos apenas a um relacionamento amoroso. Sabemos que relacionamentos amorosos são os mais difíceis de serem cultivados (inclusive por isso existe uma instituição para desencorajar separações chamada “casamento”), então, obviamente, o foco maior é nele, mas o ideal que que cultivemos todos os relacionamentos que existem em nossas vidas.

É aquela conversa que sua mãe ou sua avó repetiam: relacionamentos são como plantinhas, tem que cultivar, tem que regar todos os dias, se não morrem. O que ninguém fala é como se rega e como se cuida dessa plantinha. É difícil falar sobre isso, cada plantinha tem uma necessidade.

O ideal que é isso seja conversado e que se entenda o que o outro gostaria, mas, na prática, as pessoas acabam fazendo com o outro o que elas gostariam que fizessem com elas. Não seja essa pessoa, se dê ao trabalho de conhecer as pessoas que te cercam e entender do que elas gostam, o que elas precisam, o que elas querem.

Não temos como criar uma fórmula ideal, dada a subjetividade do assunto. Dessa conversa com o outro, para compreendê-lo e conhecê-lo você não escapa. Mas podemos dar diretrizes gerais de como cultivar qualquer relacionamento, alguns conselhos que te tornarão uma pessoa mais agradável, empática e amável.

A base de tudo é conhecer o outro e conhecer a si mesmo. Essa base é inegociável, sem isso você não chega a lugar algum. E o outro se conhece observando, conversando e, principalmente fazendo perguntas para a pessoa sobre ela, seus valores, seus desejos, seus projetos. Pergunte e escute. Escute com atenção. Pergunte. Todos os dias faça perguntas, demonstre interesse, mostre que é um lugar seguro para o outro se abrir, escute sem julgar.

A maior parte das pessoas tem dificuldade nessa fase por presumir que o outro é como ela ou por se desiludir ao receber as respostas e perceber que a pessoa não é o que havia sido idealizado. No geral, as pessoas se apaixonam por quem elas idealizam, não pela pessoa real, até porque, demoram anos até você conhecer a pessoa real, mas, curiosamente, com alguns meses já tem gente se dizendo apaixonada.

Como já falamos bastante dessa fase neste texto não vamos nos aprofundar nela. Conhecer e criar um vínculo forte e real é a base de tudo, merecido que tenha seu texto próprio.

Depois de conhecer a pessoa, o desdobramento disso (também inegociável) é olhar para a pessoa. Olhar significa usar boa parte do seu tempo, da sua atenção, da sua disponibilidade emocional para entender como a pessoa está. Se está bem de cabeça, se está feliz, se está nervosa, se está triste, se está estressada, etc. E, se você for uma pessoa muito legal, ao perceber como a pessoa está, pode fazer coisas para ajudar sem que a pessoa precise sequer pedir.

Olhar para o outro é uma tarefa diária. Saia do automático quando estiver com a pessoa, olhe para ela, veja como ela está. Não olhe para o celular, para a tv, para nada, foque toda sua atenção na outra pessoa quando estiver com ela. “Mas Sally, se eu fizer isso eu não vivo”. Não é para fazer o dia inteiro sem parar, é para dedicar momentos do seu dia a fazer isso. Você escova os dentes depois das refeições, certo? Separe alguns momentos durante o dia para olhar para o outro, conversar, perguntar, observar.

É muito fácil cair no piloto automático e apenas conversar sobre coisas práticas com as pessoas que convivemos (contas para pagar, quem vai fazer o quê na casa e problemas urgentes). É preciso criar o hábito de reservar alguns momentos dia para olhar para o outro, ver como ele está, do que ele precisa e o que o faria mais feliz.

Óbvio que cabe ao outro te dizer o que ele quer, em um mundo ideal, isso aconteceria sempre, porém, no mundo real todos nós passamos por situações na quais não entendemos ou percebemos bem o que está acontecendo e não somos capazes de expressar isso de forma didática e racional. Nesse momento o outro pode ajudar a entender o que está acontecendo, a dar nome para o que está incomodando e até, quem sabe, ser parte da solução.

Outra coisa que precisa ser cultivada é a admiração. Muita gente pensa que admiração ou você tem, ou você não tem. Não é verdade. No começo, na fase cega da paixão, a pessoa está entorpecida hormonalmente de tal forma que vai admirar até a forma como o outro solta um pum. Porém, paixão acaba, sempre acaba, e com ela esse efeito inebriante da admiração quimicamente induzida.

E como se cultiva admiração? Olhando para a pessoa e dando destaque às coisas boas que ela tem e faz. Quando falamos em “admirar” o outro muita gente pensa em coisas grandiosas: admirar uma pessoa rica, uma pessoa com notório saber, uma pessoa famosa. Porra nenhuma, é possível admirar muita coisa, todo mundo tem uma série de características admiráveis.

O problema é que o convívio nos faz naturalizá-las, acaba que só se percebem quando o relacionamento acaba e não se encontram essas mesmas características em outros. É o clássico ter que perder para dar valor. Não precisa ganhar um Nobel, pequenas coisas são motivo para admiração também.

Por exemplo, você pode admirar a gentileza como a pessoa trata os seus pais. Nem todo mundo faria isso. É olhar para algo que você está acostumado a ver e entender que não é universal, é algo admirável na pessoa que está com você. A pessoa trata bem seu gato? A pessoa lembrou do iogurte que você gosta e comprou para você? A pessoa te ajudou com alguma obrigação sua? São todas razões para admirá-la.

É quase um ato de gratidão, que pode ser exercitado várias vezes por dia. Na verdade, assim como qualquer exercício de gratidão, ajuda muito colocar em palavras o que você admirou, mesmo que elas não sejam ditas, mesmo que fiquem apenas na sua cabeça. Reforço positivo. A pessoa fez algo por você? Reconheça, ainda que mentalmente, e pense “olha que legal, a pessoa fez tal coisa”. Registre as coisas boas.

A pessoa parou o que estava fazendo para te ajudar? Reforce isso na sua cabeça. Pense “que legal que a pessoa parou o que estava fazendo para me ajudar, nem todo mundo faria isso”. A pessoa fez qualquer coisa por você, para você ou que te gerou bem-estar? Registre isso na sua mente e admire.

E nem precisa ser por você. A pessoa fez algo bacana por terceiros? Registre isso e admire. Tratou o garçom bem, com dignidade, olhou nos olhos? Que legal, apesar de ser básico, poucas pessoas fazem isso. A pessoa fez qualquer coisa que você considera positiva? Registre e admire, mesmo que sem dizer uma palavra. É sobre valorizar o outro dentro de você.

Outro ponto controverso é estabelecer regras. Parece que as pessoas pensam que se existe amor a coisa vai se acertar sozinha. Não vai. Mesmo que as pessoas se amem e sejam parecidas, qualquer relacionamento exige regras. Regras no sentido de informar ao outro quais são os seus limites, o que é negociável e o que é inegociável, o que se espera dessa relação. Não é sobre criar tópicos com demandas que o outro precise atender (isso é doença), é sobre alinhar expectativas e estabelecer limites para proteger a ambos e à relação.

Garanto que se todo mundo fizesse isso, a maioria não levaria adiante um monte de relacionamento sem futuro, não perdendo tempo e não fazendo o outro perder tempo. A afinidade que une não é gostar das mesmas músicas ou dos mesmos filmes, é ter os mesmos valores, os mesmos propósitos os mesmos projetos de vida. Você quer parceiros de vida ou acompanhantes para um show?

Além de ter afinidade em questões essenciais como valor, propósitos e projetos de vida, é necessário cultivar interesses em comum. Se você vive a vida deixando ela te levar, ela pode acabar, ao longo dos anos, te levando para caminhos bem distantes dos da pessoa com a qual você gostaria de cultivar um relacionamento.

Tome as rédeas da sua vida e cultive hábitos e interesses em comum com a pessoa, se você quer mantê-la no seu círculo de relacionamentos. Criem atividades para fazer juntos, criem projetos para executar juntos, construam coisas juntos (não apenas no sentido literal).

Faça a manutenção do relacionamento. Faça sua parte para que ele se mantenha interessante. Pessoas que não evoluem em sua rotina juntas tendem a acabar enjoando umas das outras ou, no mínimo, a magia se perde. Pessoas que passam muito tempo repetindo as mesmas atividades enfrentam o mesmo problema. Tentem coisas novas juntos (não precisa ser nada grandioso ou incomum), descubram novos interesses, sejam mais do que apenas pessoas que assistem seriados juntos.

Não é sobre algo pontual, como fazer uma viagem para tentar salvar a relação. Viagens não salvam relações, viagens tem um número de dias determinados e depois acabam. Caso se volte para a mesma rotina de antes, que prejudicou a relação, a coisa vai continuar desandado. É um exercício diário de aprimorar, melhorar e gerar novos estímulos. De construir juntos. De descobrir juntos.

Mais um ponto importante: tenham a coragem de ter conversas difíceis, constrangedoras ou dolorosas quando elas forem necessárias, isto é, quando fizerem mais bem do que mal. Tem algo que está gerando incômodo e precisa ser revisto? Tem algo que não está legal? É hora de redesenhar o combinado? Conversa. Sempre conversa. “Mas Sally, a pessoa vai ficar puta”. Mais puta ela vai ficar se não for cientificada e descobrir na prática. Paciência se a pessoa vai ficar puta, precisa ser resolvido.

Adiar também é extremamente ofensivo. Perceber que o outro estava escondendo algo de você por meses é uma forma de traição. Chama e conversa e segura o rojão das consequências. Se faltar verdade, todo o resto vai ruir. Engolir uma frustração ou infelicidade só para não deixar o outro puto é a receita da tragédia: a pessoa que engole em algum momento vai transbordar isso (ainda que de forma inconsciente) e a outra não vai entender nada e vai se sentir muito injustiçada. Não compartilhar questões importantes para o relacionamento também é uma forma de traição, e uma das mais covardes, por sinal.

E por falar em traição, traição vai muito além de contato físico com os outros. Existem muitas formas tão dolorosas quanto de traição, inclusive entre amigos, familiares ou quaisquer pessoas que criem um vínculo de afeto. Levar brigas, discussões ou mágoas para o público por exemplo. Falar mal da pessoa em público. Reclamar da pessoa em público. Brigar com a pessoa em público. Por sinal isso fala mais sobre quem o faz do que sobre o outro: que porra de pessoa é você que não lava a roupa suja em casa? Se o outro é tão ruim, por qual motivo ainda não se afastou dele?

Basicamente qualquer coisa que você não faria na frente da pessoa pois ela reprovaria, sairia magoada ou consideraria uma falta de respeito é uma forma de traição se for feita nas suas costas. Não se faz nada que não se faria na frente da pessoa quando ela não está presente, seja ela amiga, familiar ou cônjuge. Quebrar essa regra é uma forma bem baixa de traição. Sendo bem sincera, eu tento não fazer nada que eu não gostaria de ver o William Bonner narrar no Jornal Nacional, para o Brasil todo ver, com a minha foto ao lado.

Além de casos escrotos de traição, também é preciso cultivar o cuidado e o carinho no dia a dia. Ninguém espera que o parceiro seja um poço de romantismo e dê flores diariamente, não é sobre isso. É sobre o cuidado no trato. Não trate a pessoa (seja ela amiga, familiar ou relação amorosa) de forma ríspida, indiferente ou fazendo pouco caso. Manter certos cuidados, certo carinho, certo respeito é vital para que a relação sobreviva.

E não estamos falando de nada grandioso. São pequenos gestos que mostram ao outro que ele merece um tratamento especial. Desejar boa noite antes de dormir, não responder com cara bunda ou de saco cheio quando a pessoa pede algum tipo de ajuda, não ridicularizar a forma como a pessoa pensa, olhar nos olhos quando fala, dar atenção exclusiva à pessoa enquanto ela fala com você (em vez de continuar mexendo no celular, assistindo TV ou fazendo qualquer outra coisa) e muitas outras medidas pequenas são cruciais para que o outro não comece a desgostar e se desinteressar por você.

Uma pergunta rápida: quem você trata melhor, seu chefe ou sua mãe? Seu chefe ou sua esposa? Seu chefe ou seus filhos? Se a resposta for seu chefe, você por favor respire fundo e repense suas escolhas. Tratar bem as pessoas com as quais você mantém qualquer tipo de relacionamento é o mínimo do mínimo.

Acredite, se você não fizer, vai ter quem faça. Um relacionamento não pressupõe tolerar tudo, pessoas que não são tratadas da melhor forma acabam, cedo ou trade, procurando quem lhes dê esse tratamento. Não é uma ameaça, é uma consequência dos seus atos. Não é uma escolha do outro, é uma consequência natural dos seus atos: isso leva a um desinteresse crescente, a uma mágoa acumulada, a uma necessidade de afeto que são um veneno para a relação. Um dia ela morre.

E, por mais que seja óbvio, vamos chover no molhado: não, não é normal com o tempo ir tratando a pessoa “pior”, isso é coisa de gente pequena, gente que por premissa nunca trata bem as pessoas e só finge no começo para conquistar alguém. Se você tem essa mentalidade de que com o tempo a delicadeza no trato, a consideração e o carinho vão diminuir, melhore. Gestos de romantismo podem diminuir, mas consideração, carinho e delicadeza jamais.

As pessoas andam tão toscas, tão rudimentares, que sequer conseguem entender ou detectar a maior parte das coisas citadas. Aposto dinheiro que vai vir ao menos um nos comentários chamar de “frescura” alguma sugestão oferecida neste texto. Só vai cair a ficha quando perderem o parceiro, o amigo, o familiar.

Está todo mundo condicionado a olhar para o erro do outro, para as falhas, para o que deixou a desejar, em vez de focar no que a pessoa tem de bom. E ao olhar o tempo todo para os erros, a pessoa se sente autorizada a não tratar tão bem, a não ser tão cuidadosa, carinhosa, prestativa, solícita e delicada. Aí a coisa desanda e, em vez de fazer uma autorreflexão, vem as generalizações: homem é tudo igual, mulher é tudo igual, minha mãe é maluca.

Então, sugiro que façam um exercício: antes de mais nada avaliem se 1) a pessoa tem mais coisas boas do que ruins na sua escala e 2) se as coisas boas são suficientes para manter a pessoa na sua vida e cultivar um relacionamento bom com ela. Se sim, arregace as mangas e cultive um bom relacionamento com ela.

Dedique ao menos alguns minutos do seu dia a refletir sobre como vem tratando essa pessoa e o que está fazendo por ela, para não ser atropelado pela vida e fazer as coisas no piloto automático. Dedique ao menos alguns minutos por dia a refletir como poderia melhorar o dia do outro, como poderia cultivar interessem em comum, atividades novas em conjunto, projetos de interesse de ambos. Novamente: casal que só assiste seriado junto está fadado ao término. Família que só se reúne para almoçar no domingo não é família unida. Amigo que só sai para balada não é amizade verdadeira.

Um primeiro passo simples e fácil é fazer uma lista mental de coisas boas que a pessoa fez por você no dia. Novamente, não se procura nada grandioso e sim pequenos gestos que tornaram seu dia melhor. Depois faça uma lista mental das coisas boa que você fez pela pessoa no dia, lembrando sempre que não é sobre o que você acharia legal e sim sobre o que a pessoa valoriza. Pergunte-se o que mais você pode fazer para tornar o dia daquela pessoa melhor. E faça.

E não ouse, eu repito, não ouse tentar meter essa de “mas eu não tenho tempo”. Tempo é prioridade. Se você não está priorizando relacionamentos na sua vida, desculpa, mas suas escolhas estão muito erradas.

Todo o resto passa (emprego, dinheiro, bens, beleza, redes sociais), o que fica são os relacionamentos. São essas pessoas, seus amigos, sua família, seu parceiro, quem vão te dar suporte nos momentos difíceis e vão te ajudar a encarar essa grande piada de mau gosto que é a vida.

Por mais que você ache que não precisa de relacionamentos significativos, você precisa. O ser humano é um ser social, e social não é jogar conversa fora no elevador, é ter uma rede de apoio presente, confiável e com um vínculo significativo, algo que você não consegue online.

E se você não tiver isso na sua vida, por mais que racionalmente você pense que está tudo bem, não está. Virão os problemas de sono, os problemas alimentares, os problemas de ansiedade, os problemas de saúde mental. Por mais que você queira ser uma ilha, sua estrutura cerebral não te permite isso. Aceita que dói menos.

Todo mundo pode aprender a cultivar relacionamentos. Cultive relacionamentos, não tem nada mais importante do que isso.

Para dizer que com dinheiro você compra amigos (não compra), para dizer que ninguém é amigo de ninguém (não projete) ou ainda para dizer que dá muito trabalho cultivar relacionamentos e prefere ter um animal de estimação: comente.

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