Relationship Agreement

Existe um seriado muito bom chamado “The Big Bang Theory”, sobre o qual já falamos aqui. Neste seriado, um nerd chamado Sheldon Cooper, muito metódico e de personalidade difícil (com o qual eu tenho muitas coisas em comum), estabelece um acordo por escrito com sua namorada, para reger seu relacionamento. Este acordo se chama “Relationship Agreement”, ou, em uma tradução livre, “Acordo do Relacionamento”. Nele, se estabelece o que pode, o que não pode, a rotina do casal e outros detalhes e regras. Você acha isso bizarro? Eu não acho.

Antes mesmo de existir The Big Bang Theory, eu instituí um “Relationship Agreement” em um relacionamento meu e achei muito, mas muito bom. Ok, foi uma única vez, pois é difícil encontrar pessoas que topem este tipo de iniciativa… incomum. Mas funcionou. Então, hoje eu gostaria de refletir um pouco sobre o assunto e desconstruir essa crença boba de que com amor tudo se encaixa, tudo se resolve. O ser humano é idiota, ele consegue matar o amor e minar um relacionamento. Precisa de regras sim. E de regras escritas.

Vou falar um pouco do meu Relationship Agreement. Tinha aproximadamente 50 páginas, em sua maioria, construídas ao longo do relacionamento, à medida que sentíamos necessidade de estabelecer regras, rotinas ou limites. As páginas iniciais, assim como a Constituição que eu criei para o Desfavor, eram com especificações gerais, regras básicas inegociáveis (coisas como fidelidade, por exemplo). Traçava as diretrizes gerais, nas quais todas as regras e atos deveriam se pautar, estipulando conceitos e limites.

Depois, vinham diferentes capítulos: dos direitos, dos deveres, dos compromissos, etc. Sim, havia compromissos fixos, como por exemplo, os feedback semanais. Uma hora por semana onde sentaríamos em um lugar fora de casa (geralmente um café ou um local calmo que fosse do agrado de ambos) e conversaríamos sobre os pontos altos e baixos da semana, traçando estratégias para resolver eventuais problemas, falando sobre aquelas pequenas coisas que te incomodam, mas não o suficiente para você quebrar a harmonia da casa e fazer disso um assunto. Era o momento para lavar pequenas roupas sujas sem criar climão.

“Ah, mas Sally, eu acho isso um absurdo, precisar agendar dia e hora para conversar sobre o relacionamento”. Beleza. Se sua rotina de trabalho, estresse e falta de tempo não te fazem “deixar pra lá” coisas pequenas mas que, acumuladas ao longo do tempo, podem se tornar nocivas, parabéns para você. Eu preciso de um momento destinado a falar sobre isso. Um momento onde ambos estão totalmente disponíveis para isso. Não quer dizer que as coisas só possam ser faladas naquele momento, podem ser faladas sempre. Quer dizer que, uma vez por semana, uma janela se abre para conversar sobre o que aconteceu de bom e de ruim.

Na real, a maior parte das pessoas acaba descuidando do diálogo no relacionamento. Criar uma regra para tentar evitar um ponto falho não é matar o romance, é ser inteligente. Acho que muita gente não gosta pelo trabalho que dá (spoiler: relacionamentos dão trabalho, lamento informar) ou por cutucar uma ferida romântica e deixar claro que só amor não basta para fazer um relacionamento funcionar. Mas eu sou fã de premissas básicas por escrito, ajuda a se certificar de que ambos estão na mesma página.

Além disso, havia algumas divisões de tarefas, de modo a que ninguém se sinta injustiçado e normas de convivência mínimas (nem sempre o que é imprescindível para você é para o outro, nunca se esqueça que estamos em um país onde pessoas cagam e mijam de porta aberta) e também objetivos futuros a serem alcançados (como por exemplo, uma viagem). Qualquer um dos dois poderia convocar uma reunião a qualquer tempo para rediscutir os termos do Relationship Agreement, retirar regras ou acrescentar regras, então, não era nada engessado.

Pode parecer besteira, mas, quando as coisas são colocadas de forma clara no papel, as pessoas tem uma noção melhor do compromisso que assumiram. Não permitir que fique o dito pelo não dito, não permitir que se depreendam coisas, não deixar nas mãos do bom senso do outro (que nem sempre corresponde ao seu) evita uma série de aborrecimentos que desgastam a relação. Ter as regras mais ou menos especificadas por escrito, podendo ser consultadas a qualquer tempo, ajuda a perceber onde está a linha que não pode ser cruzada e respeitá-la de forma mais assertiva.

Além disso, ter uma rotina de interesses em comum é extremamente importante para um relacionamento. Se você não alimenta esses interesses em comum, a tendência é que, por mais que goste da outra pessoa, acabem se distanciando aos poucos e isso vai minar o relacionamento. A partir do momento em que se coloca no papel uma rotina de interesses em comum, se controla o investimento do casal em atividades em comum. Assim, se o casal começa a abandonar gradativamente as atividades em comum, há um medidor claro que emite um sinal de alerta.

No meu Relationship Agreement havia uma cota de atividades em comum semanal, que, se não cumprida, demandava uma reunião para entender e traçar novas estratégias. Sabemos que a vida, essa piranha, nem sempre te permite executar tudo que você planejou, mas quando isso se estende por muito tempo (no meu o prazo era de um mês sem cumprir a atividade), o acordo previa que uma nova atividade mais compatível com o tempo livre do casal deveria ser estipulada. Não ria da minha cara, querido leitor. É muito fácil, na correria e no estresse do dia a dia, se perder e deixar de priorizar o que é importante.

Temos uma tendência a priorizar o urgente na frente do importante: damos prioridade a aquilo que, se não feito, causará uma merda imediata. Aquilo que é importante e, se negligenciado, causará uma grande merda a longo prazo, acaba sendo colocado em segundo plano e, não raro, sempre achamos que dá para empurrar mais um pouquinho com a barriga (até que a porra toda explode na nossa cara). Por isso, essas regras criam uma prioridade artificial para o que é importante, dando-lhes também um caráter de urgência, que ajuda a preservar o relacionamento.

Somos seres humanos, não conseguimos cuidar de tudo o tempo todo com o zelo necessário. É normal descuidar de algum setor da sua vida de tempos em tempos. Porém, quando você descuida do trabalho, seu chefe (ou seu bolso) acabam te trazendo rapidamente de volta para a realidade.

Quando você descuida do relacionamento, nem sempre vem um aviso imediato, a intimidade causa aquele efeito que os americanos chamam de “take for granted”, que eu acho genial e não consigo encontrar semelhante no português. É quando o excesso de confiança te faz descuidar de algo, achando que aquilo está garantido para sempre – e não está. Assim, um Relationship Agreement pode ajudar a evitar esses descuidos, não por te impedir de fazê-los, mas por te ajudar a perceber que você está descuidando da relação.

Sem querer ofender, mas o ser humano é um bostinha egoísta em sua essência. Ele precisa de normas escritas para conseguir conviver em sociedade sem gerar caos e matar uns aos outros. O que te leva a crer que este mesmo ser humano vai se sair muito bem convivendo em um relacionamento de forma freestyle, sem regra alguma? Acho muito romantismo e muita fé no ser humano não ter um Relationship Agreement.

Experiência de quem fez: quando você precisa passar as regras para o papel é que percebe o quanto elas ainda não estão muito claras dentro de você. Escrever um conjunto de regras ajuda com que você mesmo entenda melhor suas necessidades e suas prioridades, então, o Relationship Agreement não deixa de ser uma forma válida de se entender melhor, organizar os pensamentos, os desejos e as prioridades.

É tentador pensar que não precisamos disso, que conseguimos dar conta de tudo que envolve a manutenção de um relacionamento e um diálogo saudável. Só que não. Taí uma infinidade de divórcios e separações de casais que não nos permitem negar: nos tempos atuais, estamos sobrecarregados e já não conseguimos olhar com a atenção necessária para nada, nem mesmo para filhos, quem dirá para relacionamento. Então, humildade por favor: Relationship Agreement, porque fazer qualquer coisa bem feita nesta vida, inclusive um relacionamento, requer trabalho e dedicação.

Compartilho com vocês uma metáfora que uma vez um homem muito inteligente me disse: na vida, somos como aqueles malabaristas que giram várias bolas ao mesmo tempo, tentando fazer com que nenhuma caia. Cada bola é um ramo da nossa vida, uma bola é a profissional, a outra representa as amizades, a outra os amigos, etc. Todas as bolas são de borracha, ou seja, se caírem, quicarão no chão mas, mesmo que dê trabalho e demande tempo, você pode pegá-la e inseri-las no malabarismo novamente. Exceto a bola do relacionamento. Esta é de cristal, meus amores, se cair, fodeu. Por isso, cuidem bem desta bolinha de cristal, nem que para isso precisem rascunhar estratégias.

Para dizer que, assim como Sheldon, eu sou louca, para dizer que acaba de perceber que não sabe o que quer de um relacionamento ou ainda para dizer que acha furada colocar as coisas por escrito pois isso te impediria de distorcer tudo a seu favor: sally@desfavor.com

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Comments (24)

  • Sensacional! Uma das melhores sugestões suas sobre relacionamento.

    Li este post com minha namorada e isto rendeu muita conversa. Ela disse, entre os comentários, que a idéia é muito util e lhe mandou um parabéns! Eu também amei. É animador saber que os resultados de se estabelecer regras no relacionamentos podem evitar muita dor de cabeca. Se pararmos para analisar, casamento ou relacionamento pode ser comparado a uma empresa, uma sociedade; e toda sociedade tem suas regras. Posso imaginar que se todos os casais as criassem e as mantivessem seria incomparavelmente menor o índice de divórcios.

  • Mark Zuckerberg e sua esposa Priscilla também têm seu acordo de relacionamento. Só não sei se ele curtiu isso.

  • Esse texto veio na época certa, uma época bem conturbado em q ta difícil o o malabaris.
    Coincidentemente algo q leva a um resultado parecido. Passei a discutir a relação via Whatsapp. Além de as partes não se exaltarem, transformando um copo d’água em tempestade e de ninguém presenciar a discussão (às vezes meio barraco), principalmente filhos, tem o fator registro. Ta lá no histórico do papo que determinada coisa já foi dita, discutida, resolvida ou acordada.

    • Sim. Que eu estou muito feliz por ter apenas algumas coisas em comum com ele, mas não na minha essência. Deve ser uma merda ter uma deficiêcia limitante como essa, não é mesmo?

      Além disso, o diagnóstico do Sheldon é outro. Informe-se melhor em vez de projetar.

      • Ele não fecha nenhum diagnóstico específico. Fizeram algo no meio do caminho entre um Asperger e um TOC, em nome de ser engraçado e não necessariamente crível.

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